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Uma carta do então Ministro da Fazenda, Dr. Murtinho, ao presidente Moniz Freire, mudou o rumo dos acontecimentos. Encarecia o Ministro a necessidade de união de vistas dos governos baiano e espírito-santense a fim de concederem a uma única firma a exploração das areias. Visava essa medida alcançar preços mais altos no mercado estrangeiro. Ficaram pois os Borges fora do negócio, sendo o contrato feito com o referido Sr. Gordon pelo Governo da União e os governos dos Estados da Bahia e Espírito Santo. Por indicação do Presidente Moniz Freire, a firma representante do sr. Gordon encarregou-me dos fornecimentos ao pessoal e armazenagem das mesmas.
Creio que a este fato devi a campanha que, Guarapari, anos mais tarde, desencadearam contra mim, os Borges. Naquela altura não lhes convinha abrir luta, sendo eu a pessoas de maior prestígio no Município e grande amigo do Presidente.
Quando em 1905 o Presidente Henrique Coutinho se afastou politicamente do então chefe do Partido Autonomista Dr. Moniz Freire, resolveu este romper com o situacionista governamental. Tendo eu chegado na véspera a Vitória, surpreendeu-me ler na manhã seguinte no “Estado do Espírito Santo” o corajoso artigo “Judas”, no qual Dr. Moniz manifestava-se contrário à política do presidente Henrique Coutinho. Acompanhado do meu amigo Sizenando de Mattos, então deputado estadual por indicação minha, fui visitar o preclaro chefe. Disse-lhe que, embora lamentasse os acontecimentos, estava com ele incondicionalmente. Secundando o meu gesto, Sizenando de Mattos afirmou-se solidário comigo e, portanto, acompanhava minha atitude.
À tarde do mesmo dia fui abordado pelo Dr. Olympio Lyrio que em nome do presidente Henrique Coutinho veio convidar-me para ir a Palácio. A princípio tentei recusar-me, fazendo ver ao emissário que já me solidarizara com o chefe do partido Autonomista, de quem me considerava incondicional amigo. Mas à insistência do Dr. Olympio Lyrio e também farmacêutico Inácio Pessoa, em cujo estabelecimento me encontrava, atendi ao convite e encaminhei-me para o palácio. Subtraindo-se à responsabilidade do rompimento, que de nenhum modo desejara, pediu-me o presidente Henrique Coutinho que continuasse a prestigiar o seu governo, permanecendo com a direção política de Guarapari, onde exercia por eleição o cargo de presidente da Câmara. Declarou-me francamente, que tendo eu inimigos em Guarapari, ser-lhe-ia muitas vezes difícil obstar as perseguições que este grupo dirigido por Dioclécio Borges poderia me fazer caso se assenhoreasse da política local.
Obtemperei-lhe, então, que apesar do respeito que lhe devia e agradecido à prova de consideração que me dispensava, nada me afastaria de cumprir meus dever junto ao Dr. Moniz Freire, mesmo com o risco da própria vida. Palavras proféticas. Meses depois, ao proceder-se à eleição para a renovação de um terço do Senado e a eleição da Câmara Federal, comecei a trabalhar com redobrado denodo contra o Governo.
Nossos candidatos eram: para senador, Dr. Moniz Freire e para deputados, Dr. José Monjardim, Dr.Graciano Neves e Bernardo Horta de Araújo. À chapa governamental, pertenciam para senador, Dr. Augusto Calmon e outros vultos capixabas.
Durante os dezesseis dias que antecederam o pleito, cruzei a cavalo; só ou acompanhado de amigos, o município de Guarapari em todas as direções. Contava certa a vitória e tal teria acontecido, se os meus inimigos, em desespero de causa, não tivessem lançado mão do último recurso: a violência. Na véspera da eleição, pelas sete e meia da noite, aproximava-me de Guarapari quando um tiro raspou-me o peito e o animal assustado jogou-me no chão. Auxiliado pelo camarada, consegui pegar a montaria e chegar a casa são e salvo. O fato, porém, foi pressurosamente divulgado pelos situacionitas, aos quais convinha mesmo fazer acreditar que eu estava morto ou gravemente ferido. Isso deu motivos a que muitos dos meus amigos, intimidados, deixassem de comparecer às eleições, nas quais fui derrotado por cerca de trinta votos. Não lhes coube, porém a vitória final, pois apenas com a maioria na capital e em alguns municípios, o Dr. Moniz Freire conseguiu provar a perseguição e a fraude praticas por seus adversários e ser assim reconhecido, bem como os companheiros de chapa para a Câmara Federal. Tal era o prestígio do seu nome, de sua inteligência, de sua palavra nas altas camadas da política nacional. Tais fatos, devo aqui ressaltar, e ainda outros anteriores para ficar bem patente a necessidade em que me vi de mudar-me de Guarapari.
Vale a pena recordar fato curioso que em terra pequena teve repercussão. Pessoa de nossa amizade, D. Flôr Lima, que me sabia preocupado com os acontecimentos, convidou-me à sua casa e fez em minha presença, uma espécie de adivinhação com uma tesoura e um quibano. De acordo com as oscilações da tesoura às suas perguntas, afirmou-se seriam reconhecidos os meus candidatos. O fato impressionou-me pela sua novidade e, confesso, acreditei de boa vontade no estranho oráculo. Cerda de um mês demorei-me no Rio, aguardando a decisão conjunta do Senado e da Câmara sobre os mandatos, até que dias antes do reconhecimento, sabendo que os resultados nos seria favorável, telegrafei a meu empregado e correligionário, Joaquim Castro nos termos de uma chave telegráfica, previamente combinada. A palavra ABACULA queria dizer: há certeza absoluta do reconhecimento do Moniz e seus deputados. Esse telegrama que deveria ficar secreto, foi entretanto divulgado pelas redondezas e marcou época. Logo em seguida, tomei passagem no vapor “Muquy”, desembarcando em Benevente donde telefonei para casa pedindo condução. Ao meu encontro foi meu cunhado com o fim de aconselhar-me a não voltar a Guarapari, onde minha vida corria perigo. De fato, não vi outra solução senão deixar o meu primeiro torrão brasileiro para o qual transferi meu sentimento de amor à Pátria, pois o ambiente se me tornava intolerável em Guarapari devido a atitude da família Borges, ora em evidencia e que de mim anteriormente recebia grandes favores e até mesmo auxílio pecuniário em grande escala. Certa vez, pessoas da família esteve gravemente enferma na ausência do marido; tomei a iniciativa de chamar médico de Vitória – o ilustre Dr. Graciano Neves, meu grande amigo, que infelizmente mais nada pode fazer.
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