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Três fatos devo aqui ressaltar. Uma noite, estando ancorada uma pequena lancha de pesca de minha propriedade, mãos criminosas jogaram-lhe querosene ateando-lhe fogo. Por felicidade estava no porto uma embarcação de nome “Maricota” cujo comandante e tripulação acudiram, debelando o incêndio. De outra feita, aproveitando-se de minha ausência, organizaram-se os malfeitores em passeata e chegaram até a casa de minha família procurando assustá-la, quebrando vidraças, etc ... Mais tarde, já residindo em Benevente tive a necessidade de passar pelo interior de Guarapari e, ao chegar ao lugar Iguape, defontei-me inesperadamente com o negro Eugênio, conhecido capanga dos Borges, sendo por esse ameaçado. Apeei do animal e ao mesmo tempo sacamos nossos revólveres. Procurou então subtrair-me a arma e o mesmo procurei fazer, pois verifiquei no momento que meu revólver estava descarregado. Por sorte eu não puxara o gatilho dando a perceber a meu adversário a falta de balas e estávamos empenhados numa luta de vida ou morte, quando a providencia divina me valeu na pessoa de Sr. Damas, ali residente, que conseguiu nos apartar. Deu-me lugar a chegar a casa de um amigo e compadre, Manoel Corrêa de Jesus, onde passei o dia, seguindo viagem no outro.
Aproximando-se as eleições de presidente da Câmara Municipal, era o fito dos governistas pôr abaixo os elementos monizistas em todo Estado. Contava com maioria entre os vereadores, mas certo de que os Borges tudo fariam para obstar minha reeleição, fui a Vitória entender-me com o presidente Coutinho e pedir-lhe garantias para a liberdade do pleito. Confiando em sua palavra voltei a Guarapari e na manhã de 23 de maio, data da eleição, acordei com o apito da lancha da Alfândega de Vitória.
Surpreendido, abri as janelas e verifiquei que minha casa que tinha fundos para o mar, estava inteiramente cercada por trabalhadores das areias monazíticas, assalariado dos Borges. Da lancha saltaram os Drs. Jose Monjardim e Guilherme Oats que, em nome do Dr. Moniz Freire, vinham me buscar, pois chegara em Vitória a notícia de que minha segurança estava ameaçada. Estes dois amigos conferenciara com os Borges a respeito desse visível banditismo, mas não conseguiram demove-los do intento de obstar minha entrada e dos meus amigos no edifício da Câmara, guardado até por policias. Instado por eles, tomei a lancha com minha família para Vitória onde permaneci alguns dias.
Em Benevente até onde os rumores haviam chegado, outras pessoas disseram o mesmo, aconselhando-me a que aí me estabelecesse. O acolhimento favorável da parte de pessoas gradas da atual cidade de Anchieta, inclusive do juiz de direito, Dr. Josias Soares, levou-me a resolver transferir-me imediatamente para lá e aí recomeçar minha vida, no ano de 1905. Mandei buscar minha família e deixei a casa comercial e todos os negócios em Guarapari entregues a meu irmão Paulo, anos antes chegado do Líbano, e a meu empregado Joaquim Castro. Mais tarde passei-lhe a casa em definitivo, com enorme prejuízo pois, com meu afastamento, a freguesia; com raras exceções, deixou de cumprir os compromissos. Contava entretanto com a vantagem de possuir crédito ilimitado nas melhores casas de Vitóroia e do Rio de Janeiro. Comecei a comprar café em grande escala, mantendo como base para o comércio, um grande armazém atacadista. Com tal felicidade progrediram meus negócios, que em breve comprei armazéns providos de cais de desembarque, guindastes etc...
Constantemente viajava pelo interior dos municípios de Benevente, Alfredo Chaves, Guarapari, Rio Novo do Sul, Itapemirim, Piúma e Iconha; apesar de ter viajante da casa, muitas vezes meus negócios me chamavam a Virtória e ao Rio, onde meu filho fazia seu curso ginasial. Minha situação econômica se firmara, progredindo sempre. Durante doze anos fui agente do Lloyd Brasileiro. Comecei a trabalhar em café e ampliei meu estabelecimento, negociando artigos diversos: louças, ferragens, armarinhos, drogas, secos e molhados. O fornecimento a negociantes do interior assegurava-me freguesia certa para a compra do café.
Tudo me ocorria às mil maravilhas. Além da base econômica, em minhas viagens a Vitória e ao Rio, tratava relações com pessoas da melhor sociedade, que me demonstravam simpatia e apreço. Por essa época, chamei de Guarapari meu irmão Paulo e o jovem Philadelpho Fernandes, sobrinho de Sinhá, para colaborarem comigo. Desse modo, pude pensar em meu grande sonho de rever meus pais, minha terra natal, deixando-lhes a direção da casa.
PRIMEIRA VIAGEM AO LÍBANO
No dia 22 de maio de 1910, saí de Benevente para o Rio, onde tomei passagem no vapor “AVON” da Malta Real Inglesa. A viagem de retorno a minha terra enchia-me de alegria. Após 21 anos eu ia rever o torrão natal, meus pais e irmãos, pelos quais ainda hoje guardo a maior ternura e veneração. O navio tocou nos portos da Bahia em dois dias, onde saltei. Em Recife, já não tive a mesma facilidade por falta de um cais de desembarque. Até chegar à ilha da Madeira sentia-me enjoado, mas nesse porto acedi ao convite dos companheiros de viagem e saltei pelo primitivo sistema de cestas.
Fizemos aí ótimos passeios, o que me proporcionou apetite para o almoço regado a champagne. Daí em diante não mais enjoei. Paramos em Vigo, Leixões e, finalmente, desembarquei em cherburgo ao fim de 18 dias de viagem. Tomei o trem para Paris, onde procurei o casal Spitz que, por várias vezes, nos visitou em Benevente e Guarapari.
Madame Raphaelle, senhora de deslumbrante beleza, foi com seu marido dedicadíssima e prestimosa e graças a ambos orientei-me bem na capital francesa. O Sr. Spitz era sócio da empresa que explorava as areias monazíticas em Benevente e contava no Brasil com largo círculo de relações. Não me detive por mais de três dias em Paris. Ansiava por Beirute, onde meus irmãos me receberam, inclusive minha querida Germaine, irmã de caridade de São Vicente de Paula. Como estranhasse a ausência de meu pai, disseram-me que, adoentado, preferira esperar-me em casa.
Impossível descrever meu estado d’alma, a alegria sem limites de todos nós. Meus irmãos não sabiam o que fazer para me agradar. Mostrei-lhes então os finos presentes que lhes trazia, mas por incrível coinscidência, expliquei a Irma Germaine, nada trouxera para meu pai, pois nada me parecera bastante para testemunhar-lhe meu carinho e afeto. Pedi-lhe então que me orientasse na escolha no bem provido comércio local, de algo que o pudesse satisfazer, que fosse digno dele. Irmã Germaine aconselhou-me a que o presenteasse fazendo-lhe boas roupas, depois de o avistarmos. Como a distância fosse pequena, fui a Tripoli visitar o frade Philipus Bachet a quem serei eternamente grato pelos ensinamentos e bons exemplos que me dispensou na meninice. Fora ele o sustentáculo de minha idéia de tentar a vida no Brasil. levei-lhe como lembrança, ricos paramentos. As palavras me faltam para bem exprimir a emoção daquele encontro. Infelizmente, às emoções de alegria e entusiasmo dos primeiros dias, viriam juntar-se às lágrimas de profunda dor. Ao chegar a Edhn, minha vila natal, depois de abraçar chorando minha santa mãe, compreendi que perdera para sempre o meu idolatrado pai. O desespero apossou-se de mim, pois ele era verdadeiramente o elo mais forte que me prendia à terra natal. Esse devotamento que eu sempre lhe demonstrara, parecera ao zelo de minha mãe, uma preferência e, segundo me disse, a fizera silenciar sobre a morte de meu pai, temerosa que eu, por isso, desistisse da viagem. Com o passar dos dias, amortecida a dor desencadeada pelo golpe brutal, pude fruir as doces alegrias da convivência familiar e assim permaneci três meses. Lembro-me de que estava novamente em Paris, no dia 5 de outubro de 1910, quando surgiu a notícia da Proclamação da República em Portugal. No dia seguinte em companhia de meu amigo Coronel Brandão, que encontrara casualmente em Versailles, saí de Paris e fui visitara Bélgica, Holanda, Alemanha e Suiça. Em Haya, o edifício em que se realizou a conferencia de paz
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