Nossa região tem que continuar produzindo para esse mundo capitalista em crise, ou gerar condições para uma ruptura no plano da economia e da produção? O triunfo eleitoral de Hugo Chávez na recente disputa presidencial na Venezuela propicia um aprofundamento do debate sobre as mudanças econômicas atualmente em curso na América do Sul, seu rumo e seus beneficiários
Julio C. Gambina
Julio C. Gambina
Ficou muito claro na campanha eleitoral e no balanço do resultado, as opiniões favoráveis ao rumo da revolução bolivariana e suas críticas, inclusive para além da Venezuela. Quase podemos mencionar o episódio como um acontecimento mundial. O resultado não significava a mesma coisa, para uns e para outros.
A derrota do chavismo representaria uma esperança para as classes dominantes locais, regionais e mundiais para reintroduzir a Venezuela e seu petróleo na lógica de acumulação e de dominação imperialista. Enfatizo isso porque, embora siga vendendo petróleo aos Estados Unidos em grandes quantidades, o regime atual de Caracas não se subordina à lógica de dominação global dos EUA, mas sim a confronta.
Por outro lado, o triunfo bolivariano outorga novos ares ao rumo das mudanças na região. No dia 12 de outubro, Evo Morales, presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, denunciando o 12 de outubro de 1492, trouxe à tona a realidade do presente e assinalou que hoje “ter relações com a Embaixada dos Estados Unidos é uma porcaria”. A resposta do poder mundial não demorou, dentro e fora da Bolívia.
Da mudança política à mudança econômica
A derrota do chavismo representaria uma esperança para as classes dominantes locais, regionais e mundiais para reintroduzir a Venezuela e seu petróleo na lógica de acumulação e de dominação imperialista. Enfatizo isso porque, embora siga vendendo petróleo aos Estados Unidos em grandes quantidades, o regime atual de Caracas não se subordina à lógica de dominação global dos EUA, mas sim a confronta.
Por outro lado, o triunfo bolivariano outorga novos ares ao rumo das mudanças na região. No dia 12 de outubro, Evo Morales, presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, denunciando o 12 de outubro de 1492, trouxe à tona a realidade do presente e assinalou que hoje “ter relações com a Embaixada dos Estados Unidos é uma porcaria”. A resposta do poder mundial não demorou, dentro e fora da Bolívia.
Da mudança política à mudança econômica
A nossa América em processo de “mudança política” necessita, além de consolidá-lo (no sentido afirmado por estas eleições venezuelanas), avançar na direção da “mudança econômica”, ou seja, na direção do Socialismo do Século XXI proposto pela Venezuela, ou o Socialismo Comunitário sustentado pela Bolívia.
Não se trata somente de decisões nacionais desses países, mas sim da capacidade da região de liquidar a herança neoliberal da institucionalidade gestada nos anos 80 e 90. Claro que alguns imaginam que se pode criticar e enfrentar o neoliberalismo desde o capitalismo. É parte das ilusões que sustentam a independência dentro do capitalismo.
Tanto a Venezuela como a Bolívia se propõe a tarefa do trânsito do capitalismo para o socialismo, cada um com seus adjetivos, que reportam sua história e tradições, mas coincidentes no rumo da transição ao socialismo. Isso supõe desarmar os vínculos estruturais da ordem social vigente no interior dos países e em suas relações com os demais, o que impacta o processo de integração regional.
Recentemente o Equador foi demandado pelo CIADI (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas) para cumprir com uma sentença ante a demanda de uma transnacional. Uma coisa será a luta solitária do Equador ante o CIADI, outra, a ativa solidariedade dos países da região.
Tanto Bolívia, como Venezuela e Equador, se retiraram do CIADI. O Brasil nunca assinou o protocolo de adesão, com o que surge o questionamento sobre a legitimidade outorgada a esse âmbito da dominação de outros países, os que continuam subordinados à lógica da defesa das transnacionais que opera no CIADI e em seu mentor, o Banco Mundial.
Trata-se de organizar a transição em dois trilhos simultâneos, o nacional e o regional, como forma de discutir e disputar, desde a região, a ordem mundial.
Em nível nacional é preciso desarticular o poder das transnacionais, organicamente articuladas com o poder econômico local, seja o tradicional oligárquico, seja o burguês moderno ou o especulativo.
É curioso, por exemplo, para o caso argentino, o fortalecimento do setor bancário, com excedentes que o afastam da crise de 2001 e o projetam no presente como um dos empreendimentos com maior rentabilidade. De onde sai essa renda? Não estará associada ao usurário a margem entre taxas passivas e ativas, as custosas taxas dos serviços cobrados dos clientes do sistema bancário?
Em rigor, só responde à lógica da ganância no capitalismo, e o crescente crescimento do setor bancário, mais que favorecer o usuário do serviço financeiro, é uma forma de extensão do negócio bancário.
Convenhamos que transitar pela mudança econômica supõe enfrentar o poder local e mundial. Não é nem será simples enfrentar esse poder, mas a primeira decisão é assumir o custo do enfrentamento, o que requer gerar um consenso social em torno dessas transformações. É preciso construir um sujeito econômico para essa tarefa e a autoconsciência desse sujeito para a transição.
Aprender com as experiências
Não se trata somente de decisões nacionais desses países, mas sim da capacidade da região de liquidar a herança neoliberal da institucionalidade gestada nos anos 80 e 90. Claro que alguns imaginam que se pode criticar e enfrentar o neoliberalismo desde o capitalismo. É parte das ilusões que sustentam a independência dentro do capitalismo.
Tanto a Venezuela como a Bolívia se propõe a tarefa do trânsito do capitalismo para o socialismo, cada um com seus adjetivos, que reportam sua história e tradições, mas coincidentes no rumo da transição ao socialismo. Isso supõe desarmar os vínculos estruturais da ordem social vigente no interior dos países e em suas relações com os demais, o que impacta o processo de integração regional.
Recentemente o Equador foi demandado pelo CIADI (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas) para cumprir com uma sentença ante a demanda de uma transnacional. Uma coisa será a luta solitária do Equador ante o CIADI, outra, a ativa solidariedade dos países da região.
Tanto Bolívia, como Venezuela e Equador, se retiraram do CIADI. O Brasil nunca assinou o protocolo de adesão, com o que surge o questionamento sobre a legitimidade outorgada a esse âmbito da dominação de outros países, os que continuam subordinados à lógica da defesa das transnacionais que opera no CIADI e em seu mentor, o Banco Mundial.
Trata-se de organizar a transição em dois trilhos simultâneos, o nacional e o regional, como forma de discutir e disputar, desde a região, a ordem mundial.
É curioso, por exemplo, para o caso argentino, o fortalecimento do setor bancário, com excedentes que o afastam da crise de 2001 e o projetam no presente como um dos empreendimentos com maior rentabilidade. De onde sai essa renda? Não estará associada ao usurário a margem entre taxas passivas e ativas, as custosas taxas dos serviços cobrados dos clientes do sistema bancário?
Em rigor, só responde à lógica da ganância no capitalismo, e o crescente crescimento do setor bancário, mais que favorecer o usuário do serviço financeiro, é uma forma de extensão do negócio bancário.
Convenhamos que transitar pela mudança econômica supõe enfrentar o poder local e mundial. Não é nem será simples enfrentar esse poder, mas a primeira decisão é assumir o custo do enfrentamento, o que requer gerar um consenso social em torno dessas transformações. É preciso construir um sujeito econômico para essa tarefa e a autoconsciência desse sujeito para a transição.
Aprender com as experiências
A experiência boliviana pode ajudar na região. Sua concepção constitucional de economia plural evidencia a presença de distintas formas de organizar a economia, via empresa privada capitalista, pública estatal, comunitária e social cooperativa, podendo encarar processos mistos.
A hegemonia atual na economia boliviana é a capitalista, mas a análise dos orçamentos públicos dos últimos anos, na gestão de Evo Morales, dá conta de uma tendência de crescimento do setor estatal, incursionando na criação e no fortalecimento de empresas públicas. É certo que nem sempre com os melhores resultados, mas pode contar a favor do processo boliviano a escassa tradição do Estado na estruturação de empresas produtivas ou de serviços.
O objetivo explicitado pelo governo plurinacional é modificar a hegemonia na economia plural, o que supõe aplicar políticas favoráveis ao desenvolvimento do setor estatal, do comunitário e do social cooperativo, desestimulando a lógica de privilégio para o setor capitalista.
Um problema na Bolívia, assim como em outros países da região, é a tentação de uma inserção internacional mediante a venda de recursos naturais. Na agenda patriótica formulada pelo presidente boliviano em agosto passado se enfatiza a necessidade de superar a primarização da economia, via industrialização dos recursos naturais.
Essa agenda se complementa com a superação da pobreza extrema, a segurança alimentar com soberania, a satisfação universal dos serviços sociais para o conjunto da população e o desenvolvimento tecnológico, imprescindível para o processo de emancipação.
A disputa é grande nesse processo e o próprio setor empresarial hegemônico demanda ser parte da discussão da agenda sustentada até 2025, ano do bicentenário da Bolívia.
Toda a região deve estudar os processos de mudança, especialmente aqueles com maior disposição para confrontar com as hegemônicas relações sociais de produção capitalistas.
O definidor é o sujeito econômico
Isso supõe o desafio de construir sujeito, por meio do socialismo comunitário na Bolívia, e com a especificidade de cada construção nacional, mas completando o acumulado em sujeito político popular com sujeitos atuando no processo econômico e especialmente produtivo. No caso boliviano são os indígenas, povos originários e campesinos, os trabalhadores, os cooperativistas, os micro e pequenos, médios e grandes empresários associados ao projeto transformador.
Assim como sugerimos em várias ocasiões, e insistiremos até o cansaço, as perguntas que se nos impõem para a transição apontam a responder: o que, quem, como e para quem produzir?
Esse é o debate em nossa América, em um mundo em crise, quando o FMI acaba de publicar suas perspectivas econômicas para 2013 , rebaixando as projeções de 2012 e de 2013 “de 3,2% em 2012 para ALC (0,6 abaixo do que havia sido projetado em abril) e de 4% em 2013”. No informe mundial, se apontam tendências de menor crescimento para EUA, Japão e, especialmente, Europa.
Nossa região tem que continuar produzindo para esse mundo capitalista em crise, ou gerar condições para uma ruptura no plano da economia e da produção?
Assim como afirmamos a necessidade de mudança política no plano econômico, essa orientação também deve constituir o desafio da integração. Cabe destacar o avanço da Unasul e da Celac, mas estão desafiados na atualidade a se constituírem em mecanismos de articulação produtiva para contribuir para a transição da hegemonia capitalista na direção de uma nova ordem.
Claro que é preciso ter consciência que estão em curso projetos diferenciados, e mesmo contraditórios, na região. Por isso, enfatizamos a importância do triunfo democrático para um novo período de governo de Hugo Chávez e seu projeto de revolução bolivariana para o socialismo.
Tradução: Katarina Peixoto
A hegemonia atual na economia boliviana é a capitalista, mas a análise dos orçamentos públicos dos últimos anos, na gestão de Evo Morales, dá conta de uma tendência de crescimento do setor estatal, incursionando na criação e no fortalecimento de empresas públicas. É certo que nem sempre com os melhores resultados, mas pode contar a favor do processo boliviano a escassa tradição do Estado na estruturação de empresas produtivas ou de serviços.
O objetivo explicitado pelo governo plurinacional é modificar a hegemonia na economia plural, o que supõe aplicar políticas favoráveis ao desenvolvimento do setor estatal, do comunitário e do social cooperativo, desestimulando a lógica de privilégio para o setor capitalista.
Um problema na Bolívia, assim como em outros países da região, é a tentação de uma inserção internacional mediante a venda de recursos naturais. Na agenda patriótica formulada pelo presidente boliviano em agosto passado se enfatiza a necessidade de superar a primarização da economia, via industrialização dos recursos naturais.
A disputa é grande nesse processo e o próprio setor empresarial hegemônico demanda ser parte da discussão da agenda sustentada até 2025, ano do bicentenário da Bolívia.
Toda a região deve estudar os processos de mudança, especialmente aqueles com maior disposição para confrontar com as hegemônicas relações sociais de produção capitalistas.
O definidor é o sujeito econômico
Assim como sugerimos em várias ocasiões, e insistiremos até o cansaço, as perguntas que se nos impõem para a transição apontam a responder: o que, quem, como e para quem produzir?
Esse é o debate em nossa América, em um mundo em crise, quando o FMI acaba de publicar suas perspectivas econômicas para 2013 , rebaixando as projeções de 2012 e de 2013 “de 3,2% em 2012 para ALC (0,6 abaixo do que havia sido projetado em abril) e de 4% em 2013”. No informe mundial, se apontam tendências de menor crescimento para EUA, Japão e, especialmente, Europa.
Nossa região tem que continuar produzindo para esse mundo capitalista em crise, ou gerar condições para uma ruptura no plano da economia e da produção?
Assim como afirmamos a necessidade de mudança política no plano econômico, essa orientação também deve constituir o desafio da integração. Cabe destacar o avanço da Unasul e da Celac, mas estão desafiados na atualidade a se constituírem em mecanismos de articulação produtiva para contribuir para a transição da hegemonia capitalista na direção de uma nova ordem.
Claro que é preciso ter consciência que estão em curso projetos diferenciados, e mesmo contraditórios, na região. Por isso, enfatizamos a importância do triunfo democrático para um novo período de governo de Hugo Chávez e seu projeto de revolução bolivariana para o socialismo.
Tradução: Katarina Peixoto
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