Grande empresa de pesquisa agropecuária, a Embrapa procura sua identidade. Com passado brilhante, precisa definir uma estratégia de futuro, conectada ao atual processo do desenvolvimento nacional. Novos desafios do campo.
Tarefa difícil, mas fundamental. Começa por rememorar a criação da entidade, há 40 anos. Naquela época, na década de 1970, a agricultura brasileira começava a intensificar o uso de capital, modernizando suas antigas relações de produção, herdadas do período latifundiário. A crescente industrialização requeria braços para o trabalho e a consequente urbanização demandava alimentos na cidade. A melhor saída seria o aumento da produtividade no campo. Caminho da tecnologia.
Havia, já disponível, boa carga de conhecimento gerada nos tradicionais institutos de pesquisa do Estado de São Paulo, principalmente o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Biológico. Materiais genéticos desenvolvidos no IAC, bem como estudos de pragas e doenças realizados no Instituto Biológico, foram essenciais para o primeiro arranque tecnológico da agricultura brasileira, nos anos 1950. Até hoje as variedades IAC formam a base genética da agricultura nacional.
Ante a rapidez do crescimento econômico, entretanto, era insuficiente o desempenho produtivo no campo. Puxadas pela capital paulista, as metrópoles brasileiras trouxeram o drama do abastecimento popular. Antes, o armazém rural, a galinha caipira, a vaquinha, a horta e a roça davam conta de fartar a mesa. Depois, com a explosão populacional e o êxodo rural, todo mundo correndo para morar na cidade, virou um problema alimentar o povo. Chegou a carestia ao asfalto.
Foi quando os agricultores descobriram o potencial produtivo do Cerrado. Uma bênção. Solos arenosos e ácidos, clima seco, vegetação dominada por arbustos pequenos, retorcidos, jamais se imaginara que aquelas terras do Centro-Oeste, aparentemente inférteis, pudessem servir à produção. Dominadas pelas novas tecnologias, porém, elas se mostraram extremamente fecundas. Sorte do País.
Nesse momento surgiu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Cirne Lima, então ministro da Agricultura, coordenou os trabalhos de criação da nova empresa pública, cujos estatutos foram decretados em 28 de março de 1973. Seu primeiro presidente, José Irineu Cabral, contava com um braço direito que, no decorrer dos anos, e até hoje, se mostrou o mais aplicado e inteligente estudioso do desenvolvimento tecnológico no Brasil: o agrônomo e economista rural Eliseu Alves.
A conquista agronômica do Cerrado centralizou um salto tecnológico na agricultura. E a Embrapa cumpriu um papel inigualável nesse momento. O impulso governamental, decisivo, ganhou qualidade ao ser liderado pelo competente e criativo agrônomo Alysson Paulinelli, inesquecível ministro da Agricultura. Uma das estratégias bem-sucedidas da Embrapa foi a organização da pesquisa em centros especializados por produto. Regionalizando a experimentação agropecuária, obteve-se enorme impulso no conhecimento aplicado à terra.
Mudou o paradigma. Se anteriormente a pesquisa nacional buscava tecnologia no exterior, vinda dos Estados Unidos especialmente, para aqui adaptá-la, após a criação da Embrapa conseguiu-se gerar tecnologia própria: agricultura tropical. Por meio do melhoramento genético, variedades de plantas oriundas de climas frios, como a soja, aclimataram-se ao calor tupiniquim. Mais produtivas, as variedades Embrapa começaram a dominar o mercado de sementes agrícolas.
Aos poucos foi surgindo no Brasil um modelo único de agricultura. Com os modernos herbicidas, a evolução da engenharia agrícola possibilitou um pacote tecnológico que maravilha o mundo: o plantio direto. Esse sistema de cultivo, que já domina na safra nacional de grãos, dispensa a aração e a gradação do solo para efetuar a semeadura. Menos custo, maior produtividade. Fim da erosão.
Não se resumiu, porém, ao Cerrado, muito menos às atividades vegetais, a atuação da Embrapa. Em todos os biomas, de norte a sul do País, nas criações e na horticultura, no monitoramento ambiental, amplo foi o leque de atuação dos pesquisadores. Animada, a Embrapa fortaleceu-se e agigantou-se, abrigando cerca de 10 mil funcionários, movimentados por um orçamento anual de R$ 2,1 bilhões. Resumo da história: o conhecimento gerado nos laboratórios e campos experimentais da Embrapa ajudou, decisivamente, a revolucionar a roça e a vencer o desafio do abastecimento popular. Fértil trabalho.
Vieram os problemas. A primeira geração de cérebros entrou na aposentadoria e os novos concursados ingressam sem a cultura institucional colhida em sua rica história. Perde-se parte do espírito de equipe, tão caro à boa gestão. O viés corporativista, típico do governo petista, fortaleceu-se internamente, prejudicando o mérito profissional. Certo grupo pretendeu pôr a ciência agronômica a serviço da ideologia, comprometendo a pesquisa de ponta, freando a engenharia genética. Disputas internas acirraram-se.
Acabou o período de vacas gordas da Embrapa. A notável empresa pública passa pela crise típica dos quarentões: perdeu a juventude, mas não pode envelhecer cedo demais. Seu dilema maior não reside na falta de dinheiro, nem no tamanho do quadro de pessoal, muito menos na perda relativa do mercado de sementes. A essência da crise brota de seu âmago: qual sua função no mundo de hoje? Quais devem ser as prioridades da nova Embrapa?
Caberá ao pesquisador Maurício Lopes, recém-nomeado presidente da empresa, conduzir a busca da contemporaneidade da Embrapa. Se ouvir o emérito Eliseu Alves, descobrirá que na difusão do conhecimento tecnológico mora o xis da questão na agropecuária nacional.
A matéria foi publicada originalmente no Estado de São Paulo, no dia 30/10/2012.
Tarefa difícil, mas fundamental. Começa por rememorar a criação da entidade, há 40 anos. Naquela época, na década de 1970, a agricultura brasileira começava a intensificar o uso de capital, modernizando suas antigas relações de produção, herdadas do período latifundiário. A crescente industrialização requeria braços para o trabalho e a consequente urbanização demandava alimentos na cidade. A melhor saída seria o aumento da produtividade no campo. Caminho da tecnologia.
Havia, já disponível, boa carga de conhecimento gerada nos tradicionais institutos de pesquisa do Estado de São Paulo, principalmente o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Biológico. Materiais genéticos desenvolvidos no IAC, bem como estudos de pragas e doenças realizados no Instituto Biológico, foram essenciais para o primeiro arranque tecnológico da agricultura brasileira, nos anos 1950. Até hoje as variedades IAC formam a base genética da agricultura nacional.
Ante a rapidez do crescimento econômico, entretanto, era insuficiente o desempenho produtivo no campo. Puxadas pela capital paulista, as metrópoles brasileiras trouxeram o drama do abastecimento popular. Antes, o armazém rural, a galinha caipira, a vaquinha, a horta e a roça davam conta de fartar a mesa. Depois, com a explosão populacional e o êxodo rural, todo mundo correndo para morar na cidade, virou um problema alimentar o povo. Chegou a carestia ao asfalto.
Foi quando os agricultores descobriram o potencial produtivo do Cerrado. Uma bênção. Solos arenosos e ácidos, clima seco, vegetação dominada por arbustos pequenos, retorcidos, jamais se imaginara que aquelas terras do Centro-Oeste, aparentemente inférteis, pudessem servir à produção. Dominadas pelas novas tecnologias, porém, elas se mostraram extremamente fecundas. Sorte do País.
Nesse momento surgiu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Cirne Lima, então ministro da Agricultura, coordenou os trabalhos de criação da nova empresa pública, cujos estatutos foram decretados em 28 de março de 1973. Seu primeiro presidente, José Irineu Cabral, contava com um braço direito que, no decorrer dos anos, e até hoje, se mostrou o mais aplicado e inteligente estudioso do desenvolvimento tecnológico no Brasil: o agrônomo e economista rural Eliseu Alves.
A conquista agronômica do Cerrado centralizou um salto tecnológico na agricultura. E a Embrapa cumpriu um papel inigualável nesse momento. O impulso governamental, decisivo, ganhou qualidade ao ser liderado pelo competente e criativo agrônomo Alysson Paulinelli, inesquecível ministro da Agricultura. Uma das estratégias bem-sucedidas da Embrapa foi a organização da pesquisa em centros especializados por produto. Regionalizando a experimentação agropecuária, obteve-se enorme impulso no conhecimento aplicado à terra.
Mudou o paradigma. Se anteriormente a pesquisa nacional buscava tecnologia no exterior, vinda dos Estados Unidos especialmente, para aqui adaptá-la, após a criação da Embrapa conseguiu-se gerar tecnologia própria: agricultura tropical. Por meio do melhoramento genético, variedades de plantas oriundas de climas frios, como a soja, aclimataram-se ao calor tupiniquim. Mais produtivas, as variedades Embrapa começaram a dominar o mercado de sementes agrícolas.
Aos poucos foi surgindo no Brasil um modelo único de agricultura. Com os modernos herbicidas, a evolução da engenharia agrícola possibilitou um pacote tecnológico que maravilha o mundo: o plantio direto. Esse sistema de cultivo, que já domina na safra nacional de grãos, dispensa a aração e a gradação do solo para efetuar a semeadura. Menos custo, maior produtividade. Fim da erosão.
Não se resumiu, porém, ao Cerrado, muito menos às atividades vegetais, a atuação da Embrapa. Em todos os biomas, de norte a sul do País, nas criações e na horticultura, no monitoramento ambiental, amplo foi o leque de atuação dos pesquisadores. Animada, a Embrapa fortaleceu-se e agigantou-se, abrigando cerca de 10 mil funcionários, movimentados por um orçamento anual de R$ 2,1 bilhões. Resumo da história: o conhecimento gerado nos laboratórios e campos experimentais da Embrapa ajudou, decisivamente, a revolucionar a roça e a vencer o desafio do abastecimento popular. Fértil trabalho.
Vieram os problemas. A primeira geração de cérebros entrou na aposentadoria e os novos concursados ingressam sem a cultura institucional colhida em sua rica história. Perde-se parte do espírito de equipe, tão caro à boa gestão. O viés corporativista, típico do governo petista, fortaleceu-se internamente, prejudicando o mérito profissional. Certo grupo pretendeu pôr a ciência agronômica a serviço da ideologia, comprometendo a pesquisa de ponta, freando a engenharia genética. Disputas internas acirraram-se.
Acabou o período de vacas gordas da Embrapa. A notável empresa pública passa pela crise típica dos quarentões: perdeu a juventude, mas não pode envelhecer cedo demais. Seu dilema maior não reside na falta de dinheiro, nem no tamanho do quadro de pessoal, muito menos na perda relativa do mercado de sementes. A essência da crise brota de seu âmago: qual sua função no mundo de hoje? Quais devem ser as prioridades da nova Embrapa?
Caberá ao pesquisador Maurício Lopes, recém-nomeado presidente da empresa, conduzir a busca da contemporaneidade da Embrapa. Se ouvir o emérito Eliseu Alves, descobrirá que na difusão do conhecimento tecnológico mora o xis da questão na agropecuária nacional.
A matéria foi publicada originalmente no Estado de São Paulo, no dia 30/10/2012.
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