terça-feira, 30 de outubro de 2012

As ferrovias estratégicas no Estado de São Paulo


As primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jundiaí, estimulou a formação de outras empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo.

Cristina de Campos

Muitos autores que estudaram as ferrovias paulistas são unânimes em afirmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Província. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café.
Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste final de século que o bom resultado obtido pelo café nos mercados internacionaisestimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nativas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas.
Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apurado, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são denominadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto1, como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações.
As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o final da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro continuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da capital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê.
Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que finalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista.
O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro levantamento da linha. À frente da expedição estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profissionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada.
O relatório conclusivo deste levantamento foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não significou o final do projeto da estrada estratégica. A concessão foi repassada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra proposta de traçado, tendo como ponto de partida a cidade de Bauru, no interior paulista.
É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo solicitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fizeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista.
A abertura das linhas estratégicas descortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela ferrovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista.
1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografia Vanorden, 1903.
Cristina de Campos é professora colaboradora junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp

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