A mãe de um garoto autista, que mantém o blog Lagarta Vira Pupa, protestou contra o conteúdo do programa Domingão do Faustão.
Haroldo Ceravolo Sereza
Haroldo Ceravolo Sereza
A crítica é de que a psicóloga entrevistada abusou de generalizar e desinformar, ao responder a questões sobre o atirador que promoveu o massacre de Newtown, em Connecticut, nos Estados Unidos.
Quando massacres do gênero acontecem, é prática do jornalismo buscar explicações em especialistas, que nem sempre estão suficientemente preparados para lidar com a confusão de informações produzidas às pressas por não-especialistas. Ou seja, nós, jornalistas.
Nesse caso, a pressa e a ansiedade de explicar costuma ser a melhor companheira da inexatidão. A tudo isso se soma a tendência “natural” ao sensacionalismo, especialmente quando programas de entretenimento, como é o caso, pegam “carona” na notícia. Nesse caso, não-especialistas em noticiar e entrevistar costumam descumprir as regras mais básicas da entrevista.
O jornalismo pode ser uma ferramenta importante de construção e difusão do conhecimento. Usado como instrumento de conquista de audiência fácil, vira, ao contrário, um método de desinformar.
Gostaria de afirmar também que não tenho formação suficiente para entrar na discussão. Apenas registro que o ambiente do entretenimento não favorece uma discussão série de situações complexas – e por isso, acho que temas delicados deveriam ser evitados nesse tipo de programa.
Reproduzo, abaixo, o conteúdo do post. E aqui o link do programa (a entrevista está no vídeo, abaixo da foto). Reparem que a especialista é interrompida o tempo todo por Fausto Silva, não conseguindo desenvolver nenhum raciocínio que inicia.
Domingo, 16 de Dezembro de 2012
À Rede Globo de Televisão,
Sobre a participação desastrosa da psicóloga Betty Monteiro no quadro “Divã do Faustão” no dia hoje, gostaria de esclarecer vários pontos:
1. Não há nenhuma confirmação oficial de que o atirador da escola de Newtown seja portador da Síndrome de Asperger, condição pertencente ao espectro do autismo;
2. Os portadores da Síndrome de Asperger não são considerados, “às vezes, inteligentes” como crê a profissional. A inteligência acima da média é, ao contrário, um dos fatores determinantes para que o indivíduo seja classificado como Asperger;
3. Não há nenhuma evidência científica de que autismo ou Síndrome de Asperger estejam relacionados a comportamento violento. Ao contrário: portadores de autismo ou outros tipos de necessidades especiais são, geralmente, as maiores vítimas da violência. Portanto, a afirmação do apresentador Fausto Silva de que a mãe deveria “manter as armas longe do rapaz” porque sabia que ele tinha Síndrome de Asperger é ofensiva e não condiz com a realidade.
4. A psicóloga Elizabeth Monteiro confunde, em seu discurso, psicopatas – pessoas incapazes de sentir empatia – e autistas. Estes últimos, apesar de muito sensíveis, possuem dificuldade com a expressão dos sentimentos, e não com os sentimentos em si.
5. Sobre a afirmação da psicóloga de que “um bebê que não sorri, não é legal. Um bebê que não brinca, um bebê que chora muito, uma criança perversa que joga o gato em água quente, isso pode ser sinal de psicopatia”. A profissional deveria se informar com um médico psiquiatra para não cometer o erro grosseiro de misturar sinais tão distintos em um mesmo pacote. Uma criança que não sorri, não brinca ou chora muito pode ter, além de autismo, várias outras síndromes genéticas que nada têm a ver com a psicopatia ou a perversidade.
As informações passadas ao vivo no Domingão do Faustão, programa de grande audiência e abrangência, sugerindo que portadores da Síndrome de Asperger apresentam perigo à sociedade são injustas, incorretas e caluniosas.
Por fim, estima-se que, no Brasil, haja cerca de 2 milhões de autistas. Suas famílias lutam incessantemente pela inserção social, inclusão escolar, pela informação e eliminação dos preconceitos que cercam seus entes queridos. Terá sido todo esse trabalho em vão? Serão nossas crianças ainda mais discriminadas pelos colegas nas escolas, agora que suas mães viram a senhora Betty Monteiro desfilar suas inverdades em um programa dominical? Passarão a ser vistos como possíveis psicopatas, cruéis e sem sentimentos?
O ato bárbaro cometido nos Estados Unidos foi decisão de um indivíduo. Se ela possuía ou não Síndrome de Asperger é tão irrelevante quanto a cor de seus olhos. Tão triste como a tragédia em si é penalizar todos os pertencentes ao espectro do autismo pelos atos de um só.
Por todo o ocorrido, eu, juntamente com todos os pais de autistas do Brasil, exijo uma retratação oficial da Rede Globo de Televisão.
Atenciosamente,
Andréa Werner Bonoli
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