sábado, 1 de dezembro de 2012

Após a reeleição, Obama deve repensar sua política exterior



 
Laura Carlsen
Diretora do Programa das Américas para o Center for International Policy no México
Adital
Tradução: ADITAL

Com uma margem mais do que confiável de 332 a 206 votos, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama foi reeleito para um segundo período. Agora, a grande pergunta é se, em matéria de política externa, o "legado” de Obama será mais audaz na defesa da paz do que a decepcionante "campanha” Obama.
O presidente terá que reformular uma política externa que tem sido débil ou completamente contraditória na defesa dos princípios que ele mesmo propugnou. Para isso, há vários movimentos chave que deveriam ser considerados. Uma agenda para a mudança teria que incluir o seguinte:
1. Levar adiante a diplomacia. Isso tem sido dito varias vezes antes; porém, a ausência de um seguimento constante põe em dúvida que realmente esteja sendo executado. A ideia por trás de um estadista real não é falar suavemente e levar um grande garrote. É falar com clareza e firmeza; e deixar o pau como último recurso.
Isso significa ser realmente o chefe do Pentágono. Um martelo vê cada problema como um prego e se prepara para martelar. A ideia de que a capacidade de matar e de destruir é um elemento de dissuasão a favor da paz nunca poderá ser arrancada de raiz, da maioria dos militares imersos em uma cultura patriarcal e capacitados para derrotar aos inimigos no campo de batalha. Os neoconservadores acreditam que um mundo seguro somente pode ser alcançado através da dominação indiscutível e da ameaça permanente ou com o uso da força, o que nos leva a uma pergunta de resposta autorreferencial: seguro para quem?
Essa mentalidade viola inerentemente os princípios de autodeterminação e de respeito mutuo, bem como a ênfase na diplomacia que o presidente tem expressado. Não leva em consideração o fato de que um mundo mais justo e mais igualitário é também um mundo mais estável.
Durante a campanha, Obama anunciou seu retiro do Iraque, a redução incompleta no Afeganistão e insistiu nas sanções contra o Irã. Agora, deve revisar as ações de seu governo em outras frentes. Um registro de contrato de 60 milhões de armas com a Arábia Saudita não é um passo na direção correta.
O promovido "giro para o Pacífico” incluiu a venda, no ano passado, de 5,8 bilhões de armas para Taiwan, o estabelecimento de bases ‘marines’ na Austrália e a aproximação com a China com um sistema de defesa antimísseis. Dar prioridade à região tem sentido; porém, um pivô militar somente muda a mira da pistola. O retrato ambivalente de Obama da China como um sócio e um adversário aumenta as tensões em uma região majoritariamente pacífica.
O trabalho do presidente equilibra forças e mente. Na prática, deve-se controlar os interesses poderosos que incluem contratistas de defesa e de empresas privadas de segurança os mercenários que lutam cada vez mais nossas guerras. A diplomacia não gera contratos para eles; porém, é o caminho mais seguro para a paz.
2. Reequilibrar as prioridades fiscais. Os Estados Unidos têm uma força militar sem par no mundo.Obama assinalou em um debate sobre política exterior que dedicamos mais recursos à defesa do que os próximos dez países juntos.
Isso não é algo para estar orgulhosos. Nos Estados Unidos há milhões de crianças que vão dormir com fome. Outros frequentam escolas que carecem de materiais didáticos básicos, e há crianças cujo talento para a arte ou para a música murcha, porque esses temas, considerados alheios ao mercado trabalhista, e que são fundamentais para o desenvolvimento humano e a felicidade, foram reduzidos dos planos de estudos.
20% do orçamento dos Estados Unidos e mais da metade dos gastos fixos destinam-se aos gastos de defesa, em geral contra as ameaças mal definidas. Há um escasso fluxo do dinheiro dos contribuintes em esbanjamentos da indústria da defesa.
A cerca virtual Boeing, na fronteira com o México, é um bom exemplo. Esse projeto, que foi abandonado em 2010, e que depois custou aos contribuintes a quantia de bilhões de dólares, alertou a Guarda Nacional sobre "movimentos terroristas” como os gerados pelas vacas de pastoreio e por rajadas de vento no outono. O dispositivo tende a falhar em dias calorosos (apesar de que foi planejado no deserto do Arizona). No Iraque, Halliburton recebeu pagamentos milionários pagos do governo que não foram contabilizados.
De vez em quando, nós, os cidadãos esquecidos da terra, onde as manchetes do jornal são recordados em um só dia, nos perguntamos onde estaríamos se nossas famílias e comunidades houvessem recebido esses milhões, em vez da voraz indústria de defesa e insaciáveis empresas de segurança. Muitos de nós nos sentiríamos mais seguros se tivéssemos um emprego, infraestrutura moderna e um futuro brilhante para nossos filhos.
3. Levar em consideração as vozes femininas. Uma "brecha de gênero” costuma ser a diferença que reflete a desigualdade entre homens e mulheres. As eleições de 2012 se caracterizaram pelo apoio abrumador que Obama recebeu dos votantes.
Agora, o governo deve escutar a essas mulheres. Elas não falam com uma única voz; são de diferentes raças, classes e partidos políticos. No entanto, partilham algumas preocupações comuns.
As mulheres querem tomar decisões sobre seus próprios corpos e castigaram aos candidatos que ameaçaram tirar-lhes esse direito. Porém, em geral, também preferem um maior investimento em suas famílias e comunidades, e menos na guerra. Uma perspectiva de gênero em política exterior deve levar em consideração o crescente número de mulheres e de crianças mortos pela forma em que travamos guerras hoje em dia e inverter a tendência imediatamente. Isso inclui pôr fim ao uso de ataques com aviões não tripulados e a bombardeios indiscriminados da população civil. Inclui deter a ajuda em segurança às forças aliadas que violam e matam as mulheres em seus próprios países.
É momento de planejar uma política exterior que ponha a segurança das mulheres e das crianças acima da dos Estados e dos investimentos.
4. Pôr fim à guerra contra as drogas. A chamada "guerra contra as drogas” converteu-se em um pretexto para a expansão militar na América Latina. O gasto militar e antinarcóticos captaram milhões de dólares com o pretexto de deter o fluxo de drogas ilegais para os Estados Unidos. Esse gasto tem sido mais do que inútil, já que 60 mil pessoas foram assassinadas desde que começaram as guerras da droga no México; no entanto, as drogas continuam, sem cessar, fluindo para os Estados Unidos. A proibição não só está fracassando, está matando e encarcerando os jovens estadunidenses e os cidadãos mexicanos, colombianos e centro-americanos, enquanto os cartéis se tornam cada vez mais brutais e sem piedade.
A nova administração de Obama deve pôr fim à Iniciativa Mérida. Temos que criar uma maneira mais equilibrada e lógica de relacionar-nos com nosso vizinho do sul, em vez de gastar milhões de dólares em uma política contraproducente e violenta. Da mesma forma que as famosas "armas de destruição massiva” no Iraque, o "narcoterrorismo” na América Latina é um termo inventado para justificar uma guerra que perpetua o derramamento de sangue sem sentido e obscurece perigosamente a natureza da verdadeira ameaça da delinquência organizada. O governo de Obama deve assumir a responsabilidade de milhares de pessoas que desapareceram ou foram assassinados sob essa política da era Bush que continua até hoje. Em seu segundo mandato, Obama deve prestar atenção aos chamados dos cidadãos da América Latina e de seus líderes para mudá-lo.
Como ressalta William Hartung, a estratégia militar que Obama divulgou em janeiro mostra "uma ampliação dos compromissos militares dos Estados Unidos que são mais apropriados para uma política de hegemonia global do que são para uma política de defesa genuína”. Mais recentemente, a viagem do Secretário de Defesa, Leon Panetta, a América Latina revelou um programa para reforçar os laços de militares a militares, sem passar pelos governos e pelos caminhos diplomáticos.
Para enfrentar um reestruturado e mais potente do que nunca estabelecimento militar-industrial, requer audácia e um profundo compromisso com a paz. Se o presidente Obama busca deixar um legado significativo em seu segundo mandato, esse é o lugar para começar.
[Original em inglês publicado en Foreign Policy in Focus, 8 de noviembre 2012; traduzido para o espanhol por Marcela Salas Cassani].

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