sábado, 30 de novembro de 2013

Segurança alimentar, tecnologia e exportação de milho reúnem líderes brasileiros e autoridades na China


Representantes da Abramilho que fazem parte da Maizall Alliance vão ao país asiático para encontros com autoridades locais

Representantes da Maizall Alliance – aliança formada pelas principais associações de produtores de milho do Brasil, Estados Unidos e Argentina – estiveram na China para a primeira visita oficial do grupo. O objetivo é fortalecer o relacionamento com as autoridades chinesas ao abordar temas como aumento da produtividade, segurança alimentar, biotecnologia e barreiras regulatórias e comerciais do milho no mundo.  

Participaram da visita o presidente da Abramilho e ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, e o vice-presidente e representante da entidade na aliança, Sergio Bortolozzo. Na ocasião, eles estiveram em um evento sobre segurança alimentar e tecnologia, para apresentar como cada país da Maizall Alliance evoluiu na adoção e regulamentação de produtos biotecnológicos. Além disso, se reuniram com autoridades chinesas para discutir questões referentes ao processo de exportação do cereal.

“É muito importante que os maiores produtores do mundo estejam unidos nesse momento pensando no futuro do setor. A troca de informações é um fator disciplinador, que desmoraliza os radicais”, explica Paolinelli.

Cenário favorável para o milho brasileiro

Para Paolinelli, a viagem à China aconteceu em um momento positivo para o milho brasileiro. Recentemente, o governo firmou um acordo com a China para exportação do cereal, no qual poderá vender o equivalente a U$S 4 bilhões, ou 10 milhões de toneladas, para o país asiático. “O Brasil caminha para se tornar um dos maiores fornecedores do produto para a China. Esse acordo melhora muito a condição do Brasil como exportador e dá condições para o produtor brasileiro trabalhar. Ligamos para o ministro Antonio Andrade para agradecer e elogiar a iniciativa”.

Além disso, o governo brasileiro estabeleceu o Memorando de Entendimento entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério da Agricultura chinês, que criou o Grupo de Trabalho Conjunto sobre Biotecnologia Agrícola e Biossegurança. O Memorando assinado prevê a regulamentação de biossegurança e biotecnologia, procedimentos e critérios para a avaliação de risco e mecanismos de aprovação de OGMs, status de aprovação e regulamentação pós-aprovação, entre outros, que tem por objetivo trazer maior previsibilidade e clareza ao longo do processo regulatório chinês de novos eventos biotecnológicos.


O Brasil elevou sua produção de milho em cerca de 60% nos últimos 10 anos, e atingiu um recorde acima de 80 milhões de toneladas na safra 2012/13. Sergio Bortolozzo destaca que esse resultado não seria possível sem a adoção da tecnologia nas lavouras.  “82% da área plantada com tecnologia avançada gera 97% da produção de milho no Brasil. Os 18% da área restante representam somente 3% da produção. Isso mostra, claramente, a importância da tecnologia para atingir a alta produtividade”, reforça.

A biotecnologia vem apresentando crescimento acentuado no Brasil. Nas duas últimas safras de milho representou uma média de 76,1% das lavouras. “Somos privilegiados por poder realizar duas safras anuais. O Brasil já pode se considerar um dos grandes abastecedores mundiais de milho”, finaliza Bortolozzo.

Sobre a Maizall Alliance

As principais associações de produtores de milho dos maiores produtores do cereal – Brasil, Argentina e Estados Unidos – criaram a Maizall – The International Maize Alliance, uma aliança internacional para estimular o aumento da produção e da produtividade e para ajudar a vencer as barreiras regulatórias e comerciais do milho no mundo.

A formalização da aliança foi feita, em maio deste ano. Juntas, as entidades trabalharão pela sincronia regulatória entre mercados produtores e mercados compradores, além de promover a importância da biotecnologia para aumentar a produtividade. Como países exportadores de milho, Brasil, Argentina e Estados Unidos enfrentam as mesmas barreiras para a venda global do milho e de seus subprodutos. Hoje, os três países representam, juntos, 50% da produção e 70% das exportações mundiais do cereal.

O foco da Maizall Alliance é a colaboração global para abordar questões relativas à segurança de alimentos, biotecnologia, liderança, comércio e imagem dos produtores. Inicialmente, estarão em pautas questões como: comunicação sobre a agricultura moderna; aprovações globais assíncronas e assimétricas; e harmonização de políticas regulamentares nas Américas.

Sobre a Abramilho

A Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) é uma entidade civil que mantém como afiliados associações estaduais, independentes ou em parceria, nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Piauí e também no Distrito Federal. A Abramilho tem sede em Brasília e foi criada em 2007, como um movimento espontâneo dos produtores de milho pela necessidade de se organizarem diante dos desafios nacionais e internacionais vivenciados pela cultura nos últimos anos. Visite www.abramilho.org.br.

Alfred Nobel: O "mercador da morte" e seu prêmio

Alfred Nobel: O "mercador da morte" e seu prêmio
Ao final da vida, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite e pacifista, 
sentiu-se incomodado pelo uso feito de seu invento e usou sua fortuna para criar
 o Prêmio Nobel. É provável que seus neurônios carreguem uma história mais ou 
menos assim quando você busca em seus arquivos cerebrais "Alfred Nobel" ou
 "Prêmio Nobel".O cientista não via problema em usar suas invenções para matar gente

Aventuras Na História
É uma simplificação cômoda, que nem a Fundação Nobel nem o Parlamento da Suécia, responsável pelo Nobel da Paz, se incomodam em ver repetida. Alfred Nobel era, sim, um pacifista, mas um pacifista de um tipo particular: um fabricante de armas. Duas indústrias descendentes dos projetos de Nobel existem ainda hoje, a sueca Bofors e a alemã Dynamit Nobel. Os Nobel eram uma família de industriais. O pai, Immanuel, havia fornecido armas ao czar da Rússia durante a Guerra da Crimeia. Em 1867, Alfred inventou uma forma prática e segura de nitroglicerina, a dinamite, criando o primeiro alto explosivo comercialmente viável - e um império industrial. A dinamite era de uso civil. Mas isso não quer dizer que Nobel não se interessasse em vender armas. 
Seu envolvimento com a indústria bélica aconteceu ao mesmo tempo que se tornou pacifista. O pacifismo nasceu da amizade com Bertha von Suttner, que conheceu em 1876, ao confessar a ela que tinha um plano de criar uma arma tão poderosa que tornaria as guerras inúteis. Ou seja, acreditava que, se fizesse as armas mais aterrorizantes do mundo, acabaria com as guerras.

Em 1888, morreu o irmão mais velho de Alfred, Ludvig, que entrou para a história como um modelo no tratamento ético dos trabalhadores. Numa enorme trapalhada, um jornal francês entendeu que o defunto era Alfred e publicou a manchete "O mercador da morte está morto". Nobel percebeu que não entraria para a história como um personagem querido - e aí surgiu a ideia de criar uma associação humanística perpétua, que legou em testamento. Mesmo depois do incidente do jornal, Alfred Nobel continuou acreditando no seu pacifismo de destruição em massa. Comprou a Bofors em 1891 e transformou uma metalúrgica em fábrica de armamentos. Foi seu último projeto industrial. Para ser justo com Nobel, ele não foi o único a acreditar em intimidação como forma de pacifismo, nem o pioneiro em explosivos baseados em nitroglicerina. E seu prêmio se tornou a maior honraria para cientistas, políticos e escritores.

O resgate de Alfred Wallace

O resgate de Alfred Wallace
O resgate de Alfred Wallace
Documentário de 1983 sobre o naturalista inglês considerado coautor da teoria da evolução 
pela seleção natural é apresentado ao público brasileiro.

Henrique Kugler
Embora Charles Darwin tenha ficado com os créditos pela ideia da seleção natural como força motriz da evolução, Alfred Wallace chegou às mesmas conclusões, de modo independente e na mesma época.
Um documentário de 1983, esquecido nos arquivos da BBC. “Nem mesmo os produtores se lembravam da existência desse material”, ressaltou o jornalista Sérgio Brandão, que ajudou a garimpar a preciosidade.
Trata-se da mais completa produção audiovisual já realizada sobre as aventuras de Alfred Wallace (1823-1913), naturalista inglês considerado codescobridor da seleção natural como força motriz da evolução.
A história deu os créditos apenas a Charles Darwin (1809-1882). Mas Wallace, de forma lúcida e independente, chegou às mesmas conclusões a que Darwin chegara, e na mesma época.
“Na história da ciência, isso é bastante comum: dois pensadores podem chegar às mesmas descobertas ou conclusões por caminhos distintos”, lembrou o físico Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), admirador assumido do legado de Alfred Wallace.
Acontece que os louros da glória, em geral, também dependem de tramas sociais e políticas.
Nas horas vagas, Wallace era socialista, pacifista, militante político, espiritualista, defensor da justiça social e da reforma agrária
Talvez por isso Darwin – um acadêmico tarimbado e de elevado prestígio na sociedade britânica de então – tenha levado vantagem em relação a Wallace – um sujeito meio ‘alternativo’, que, a duras penas, ganhava a vida vendendo espécimes exóticos para museus londrinos e coleções particulares. Wallace não tinha formação acadêmica. Ainda assim, sua percepção do mundo natural equiparou-se à de Darwin, um dos mais respeitados pensadores do século 19.
Curiosidade: nas horas vagas, Wallace era socialista, pacifista, militante político, espiritualista, defensor da justiça social e da reforma agrária. Pode-se dizer que foi, também, um protótipo de ambientalista. Ele defendeu, num tempo em que nem se falava nisso, a preservação de uma área de florestas naturais nos arredores de Londres – território que estava prestes a ser devastado para dar espaço a loteamentos habitacionais.
Wallace, o cientista
O documentário que narra sua aventura fatídica – The forgotten voyage (algo como A viagem esquecida) – nunca fora exibido no Brasil. No domingo passado (24/11), pela primeira vez, uma versão legendada em português foi apresentada ao público. A sessão aconteceu no auditório da Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro (RJ), integrando a agenda da mostra Ver ciência.
“Esse documentário é inédito no Brasil, mas já faz uns 10 anos que o material está disponível no YouTube, em inglês”, lembrou um rapaz que assistia à sessão.
Após a exibição do filme, Moreira e Brandão convidaram o público a trocar uma ideia sobre o universo de Wallace – especialmente sobre sua relação com Darwin.
Surpreende o grau de cordialidade e respeito entre ambos – que tinham tudo para nutrir uma inimizade ferrenha baseada em competição e vaidade; no entanto, tornaram-se grandes amigos e manifestavam admiração mútua pelo trabalho um do outro.
Antes de morrer, aliás, Darwin realizou um gesto de grandeza moral: sabendo das pendengas financeiras em que Wallace se via enredado ao longo da vida toda, solicitou que o governo britânico concedesse a ele uma pensão vitalícia.
Divergências à parte
Interessante lembrar que, apesar de ambos terem inferido o mecanismo da seleção natural, eles nem sempre concordaram em tudo – naturalmente. Wallace, ao contrário de Darwin, não acreditava que a teoria da evolução pudesse explicar o homem em sua totalidade.
Segundo Wallace, a seleção natural poderia explicar a evolução do ser humano enquanto animal, mas não poderia dar uma resposta completa sobre a natureza da consciência
Para ele, era relevante o problema da consciência – o que o torna um pensador deveras sofisticado para seu tempo. Segundo Wallace, a seleção natural poderia explicar a evolução do ser humano enquanto animal, mas não poderia dar uma resposta completa sobre a natureza da consciência. “Essa reflexão se baseava no lado espiritualista de Wallace”, lembrou Moreira.
O resgate do legado de Alfred Wallace tem recebido atenção especial em 2013, ano em que memoramos o centenário de seu falecimento.

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line

O terrorista é você

Pode um governo ter informações sigilosas de seus cidadãos? Essa pergunta deveria estar atualmente 
no centro dos debates, pois 2013 será lembrado como o ano em que descobrimos o fim inelutável da
 privacidade. Não houve fato mundial mais paradigmático em 2013 do que as revelações 
a respeito da extensão cinematográfica do sistema de espionagem norte-americano.

Vladimir Safatle
Vladimir-Safatle
A privacidade foi, entre outras coisas, uma invenção política ligada à defesa da autonomia dos sujeitos em relação ao poder governamental. Mas, como diz o governo norte-americano, “Todo mundo espiona”. O que vimos, no entanto, não foi “espionagem” como a conhecemos, ou seja, essa procura de informações estratégicas sobre a vida política e econômica por meio do monitoramento das atividades de políticos, empresários e congêneres.
O que Edward Snowden nos fez ver, e isso fica cada vez mais claro com o passar dos dias e das descobertas, está para além da espionagem. O ato de monitorar toda e qualquer pessoa em toda e qualquer circunstância é, na verdade, um novo paradigma de governo.
Para controlar pessoas, não preciso estar atento a todos os seus movimentos. Necessito apenas que elas acreditem que, a qualquer momento, posso entrar em seu espaço privado, abrir a porta de seu quarto e quebrar todos os cadeados. Posso armazenar 70 milhões de telefonemas em um mês e nunca saber o que fazer com tudo isso. Não importa. O que importa é você saber que seu telefonema pode, Deus sabe lá por que, acabar no espaço público.
No fundo, isso mostra como a caça ao terrorismo sempre foi um pretexto fraco e uma manobra diversionista. Na verdade, o terrorista é você. O verdadeiro alvo era controlar você, dissolver os discursos que ainda faziam da privacidade uma defesa e fazer você sentir a desproporção brutal entre seu poder e o poder da plutocracia que tomou de assalto boa parte dos governos ocidentais.
Como mostrou a França quando criou um grande banco de dados de segurança nacional chamado Hadopi, começa-se fichando pretensos terroristas e termina-se fichando sindicalistas, manifestantes, jornalistas e ativistas.
Nesse sentido, a melhor defesa é proibir que governos tenham direito a armazenar informações sigilosas de seus cidadãos. Todos os cidadãos devem ter o direito a ter acesso a todas as informações armazenadas sobre eles que estejam em posse dos governos.
As dificuldades produzidas em processos jurídicos por uma ideia dessa natureza são infinitamente menores que a corrosão — produzida pela transformação das vidas privadas em espaços de extrema vulnerabilidade — do pouco que tínhamos de democracia.
Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP e colunista da Folha de S. Paulo.

Campanha mostra efeitos de agrotóxicos em abelhas

Reduzir o uso de pesticidas tóxicos que causam o desaparecimento de abelhas em larga escala é
 um dos objetivos da campanha coordenada pelo professor Lionel Segui Gonçalves, do Departamento
 de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Atualmente
 aposentado da FFCLRP, o professor preside o Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do 
Rio Grande do Norte (CETAPIS). Gonçalves criou e coordena o movimento Bee or not to be? que busca 
assinaturas on-line para a Petição pela Proteção das Abelhas, a qual será entregue às lideranças 
governamentais

Marcela Baggini E Tauana Boemer
Estudos mostram que uso de agrotóxicos reduz populações de abelhas
A iniciativa, que já conta com mais de 3.300 assinaturas, baseia-se em estudos que apontam associação entre redução das populações de abelhas e uso de agrotóxicos. Segundo o especialista, este desaparecimento traz como principal consequência a falta de alimentos. “Aproximadamente 70% dos alimentos que consumimos dependem da polinização das abelhas. Elas também polinizam as áreas verdes. Assim, se elas acabarem, podemos sucumbir por falta de oxigênio”.
O problema, já considerado mundial, atinge quatro estados brasileiros (Piauí, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo). Entre as alternativas para proteção de abelhas está a substituição de agrotóxicos e pesticidas pelo controle biológico. “É preciso também aumentar as áreas verdes, proteger o meio ambiente, cultivando plantas de interesse das abelhas para que elas possam proliferar”, defende.
Campanha
Daniel Maluzá, publicitário e coordenador da campanha Bee or not to be? (em português, literalmente abelhas ou não existir, um paralelo ao slogan sem abelhas, sem alimento), explica que oobjetivo é conscientizar a população para a importância destes insetos, responsáveis pela polinização.
Como forma de chamar a atenção das autoridades, foi criada uma petição on-line em favor das abelhas. Segundo ele, “a pessoa só precisa disponibilizar o nome e o e-mail”. Paralelamente, estão desenvolvendo amplo trabalho de conscientização em escolas, esclarecendo, desde cedo, crianças e adolescentes sobre a importância destes insetos. A divulgação é feita por meio de palestras, cartazes, folders e diversos materiais ilustrativos. O material foi produzido gratuitamente por uma agência de publicidade de Ribeirão Preto, cujo dono é filho do professor Gonçalves.
Os primeiros relatos de desaparecimento de abelhas em larga escala surgiram em 1995, nos Estados Unidos da América (EUA). Entretanto, apenas em 2007 o problema foi discutido oficialmente, durante Congresso Mundial de Apicultura. Recentemente, o Departamento de Agricultura dos EUA divulgou a morte de um terço das abelhas durante o inverno de 2012/2013. O levantamento também aponta que, nos últimos seis anos, o número de colônias de abelhas caiu 30,5%.
Estudos concluíram que as abelhas apresentam Colony Collapse Disorder (CCD),também conhecida como Síndrome do Desaparecimento de Abelhas. O mal afeta o sistema nervoso desses insetos, com prejuízo da memória e senso de direção. Ao saírem em busca de néctar e pólen, elas se perdem e não conseguem retornar para as colmeias. A síndrome pode ser identificada quando o número de integrantes das colmeias é reduzido ou até mesmo extinto. Nesses casos, as abelhas perdidas deixam mel, crias e até mesmo a rainha.
Para os pesquisadores, que ainda trabalham com hipóteses, o CCD seria caudado principalmente pelo uso de pesticidas do tipo neonicotinoides. Em abril de 2013, notando a interferência dessa substância na vida das abelhas, a União Europeia suspendeu seu uso por dois anos. O manifesto pela proteção das abelhas está integralmente disponível no site Sem Abelhas, Sem Alimento. Lá também podem ser acessados vídeos, explicações sobre a importância desse inseto para a vida humana e ficha para assinatura da petição.
O coordenador do movimento, professor Gonçalves, pede a ajuda da população e faz um alerta: “se perdermos as abelhas seremos os primeiros prejudicados”. A campanha cita Albert Einstein: “Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas, não há polinização, não há reprodução da flora. Sem flora não há animais, e sem animais não haverá raça humana”.

Um em cada três usuários de planos de saúde recorre ao SUS ou a atendimento privado

Nos últimos dois anos, 79% dos beneficiários relataram problemas relacionados a demora no atendimento,
 inclusive em emergências, e falta de opções na rede credenciada, revela pesquisa

Sarah Fernandes

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Uma das conclusões é de que os planos de saúde têm bloqueado o acesso a exames e consultas
Nos últimos dois anos, um em cada três beneficiários de planos de saúde de São Paulo tiveram de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou a profissionais particulares devido a demora, a problemas ou à negativa de atendimento da rede credenciada. Este percentual aumentou 10 pontos entre 2012 e 2013, segundo uma pesquisa do Datafolha encomendada pela Associação Médica Paulista e divulgada hoje (17) na capital paulista.
“São pessoas que pagaram e deixaram de usar serviço e foram ao SUS. Os planos lucraram indevidamente e o ressarcimento deles à saúde pública é muito demorado. Com certeza o poder público não está reavendo tudo o que gastou para atender usuários do sistema privado”, afirmou o presidente da Associação Paulista de Medicina, Florisval Meilão.
Ao todo, 79% dos usuários de planos de saúde de São Paulo relataram ter tido problemas nos últimos dois anos, relacionados principalmente a demora no atendimento e a falta de opções na rede credenciada. No universo dos 10,4 milhões de usuários da saúde privada de São Paulo, o percentual representa 8,2 milhões de pessoas. A maioria dos problemas foram nos atendimentos de urgência em prontos-socorros (80%), seguido de realizações de consultas (66%) e de exames e diagnósticos (47%).
Em relação ao pronto atendimento, o principal problema apontado pelos usuários (74%) foi relacionado a lotação do local de espera, seguido pela demora para ser atendido (55%), negativa de realizar os procedimentos necessários (16%), locais inadequados para receber medicação (13%) e negativa de atendimento (9%). Além disso, 24% dos entrevistados relataram problemas para realização de cirurgias e 19% para internações.
“O mais preocupante é na área de atendimento de emergência e internações hospitalares, que configuram um quadro clínico mais grave e preocupante e que, por isso, requerem um atendimento maisrápido”, diz Meilão. “Há uma deficiência de leitos hospitalares. Temos 2,3 leitos para cada mil habitantes quando o ideal seria entre entre 3 e 4 para cada mil. A perspectiva é que até 2016 sejam construídos apenas mais 4 mil leitos. Assim, essa situação deve permanecer ou se agravar.”
Meilão ressalta que as dificuldades burocráticas criadas pelos convênios atrasam o atendimento, inclusive nos casos mais graves. “O médico agenda uma cirurgia para daqui a 15 dias e faz solicitação. As empresas retardam a liberação ao máximo, até a véspera. Além disso, para buscar economia, elas restringem materiais essenciais para o ato cirúrgico. Hoje existem muitas pessoas necessitando de cirurgias, com dificuldade de conseguir esse serviço na rede privada.”
Nas consultas médicas, a demora para marcação foi o problema mais recorrente, citado por 52% dos usuários, seguido pelo descredenciamento do médico (28%) e demora para autorização de consultas (25%). Sobre os exames, 28% dos entrevistados reclamaram da demora na marcação, 27% de poucas opções de laboratórios e clínicas e 18% da demora para liberação da autorização para realização dos procedimentos.
“Bloquear o acesso é uma questão de economia”, criticou o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, João Ladislau Rosa. “Com a demora para uma consulta ou um exame o plano de saúde economiza, assim como com a compra de material mais barato para cirurgia. Estamos demonstrando que os convênios estão economizando com os custos da saúde das pessoas. Saúde não é um produto de consumo.”
O presidente da Academia de Medicina do Estado de São Paulo, Affonso Meira, concordou. “A todo momento somos convidados a mudar de plano, porque eles estão preocupados só em ampliar o número de usuários e não em atender corretamente, senão não haveria toda essa demora.” Os especialistas reforçaram a necessidade de ampliar a rede credenciada e remunerar melhor os médicos e os laboratórios conveniados.
A pesquisa, ouviu 861 entrevistados, sendo 422 na região metropolitana de São Paulo e 439 no interior do estado, entre 4 e 12 de setembro. 

Esgoto e raiva inundam as ruas de Gaza

Esgoto e raiva inundam as ruas de Gaza
Nema Hamad precisa de eletricidade para sua máscara respiradora ligada em Gaza
Esgoto sem tratamento inundou ruas de um bairro do sul da Cidade de Gaza nos últimos dias,
 ameaçando provocar um desastre de saúde pública, depois que a escassez de energia elétrica e do 
diesel barato que vinha do Egito ter levado o governo do Hamas a fechar a única usina de geração 
de energia elétrica de Gaza, provocando a inundação de uma estação de bombeamento.

Fares Akram E Jodi Rudoren
Nema Hamad precisa de eletricidade para sua máscara respiradora ligada em Gaza
Mais três estações de tratamento de esgoto da Cidade  de Gaza e outras 10 situadas em várias localidades da Faixa de Gaza estão quase transbordando, disseram as autoridades sanitárias locais, e 3,5 milhões de metros cúbicos de esgoto não tratado estão têm vazado para o Mar Mediterrâneo diariamente. Em breve, é possível que o departamento de saneamento não seja mais capaz de bombear água potável para as residências dos moradores de Gaza.

"Cada dia que passa sem uma solução para esse problema tem efeitos desastrosos", Farid Ashour, diretor de saneamento da Empresa de Tratamento de Água dos Municípios Costeiros de Gaza, disse em entrevista concedida na última terça-feira. "Nós ainda não enfrentamos uma situação tão perigosa quanto a atual".

A crise do esgoto é a mais grave de uma série de problemas que tem afetado Gaza desde que o movimento islâmico Hamas, que governa o território, desligou a usina de geração de energia em 1º de novembro passado, quatro meses depois de o novo governo do Egito, apoiado pelos militares, ter fechado os túneis por onde passava contrabando e que eram usados para o transporte de aproximadamente um milhão de litros de diesel para Gaza todos os dias. O Hamas se recusou a importar diesel israelense devido aos impostos cobrados pela Autoridade Palestina.

Depois de ter se acostumado a anos de apagões programados, quando geralmente a população ficava oito horas sem eletricidade em dois de cada três dias, o 1,7 milhão de habitantes de Gaza estão atualmente enfrentando quedas de energia diárias de 12 ou até mesmo 18 horas.

As empresas locais reduziram sua produção, os hospitais estão racionando energia elétrica para manter os sistemas de hemodiálise e suporte cardíaco em funcionamento, os estudantes estão fazendo pesquisa na internet no meio da madrugada e as vendas de baterias estão aceleradas. Em toda parte, o zumbido dos geradores se mistura com o odor das lâmpadas de querosene.

Nema Hamad, que tem 64 anos e sofre de apneia do sono, tem se esforçado para não sufocar. Em algumas noites, seus filhos conectam fios improvisados a casas de vizinhos que têm energia elétrica para manter a máscara respiradora a pressão de Hamad funcionando. Em três ocasiões, eles pagaram US$ 100 para que Hamad dormisse em um hospital particular. Certa vez, ela acordou com falta de ar quando a energia elétrica caiu de forma inesperada e correu para a rua, buscando desesperadamente por oxigênio.

"Isso não é vida", diz Hamad sentada em um colchão, iluminada pela fraca luz de velas. "Às vezes, eu temo seja a última vez que vou me deitar para dormir".

Gaza necessita da 400 megawatts de energia elétrica por dia para manter as luzes acesas em tempo integral, de acordo com a autoridade do setor de energia, administrada pelo Hamas. Durante décadas, o território comprou 120 megawatts de Israel por meio de cabos diretos. Durante a presidência de Mursi no Egito, que durou um ano e cuja Irmandade Muçulmana gerou o Hamas, Gaza recebia 30 megawatts diretamente do Egito, além de diesel suficiente através dos túneis de contrabando para gerar 85 megawatts por meio de sua usina geradora de energia.

A usina, inaugurada em 2002, era capaz de produzir até 140 megawatts por dia antes de Israel bombardeá-la após o sequestro, em 2006, do soldado israelense Gilad Shalit. Depois disso, a geradora ficou ociosa durante sete meses e nunca mais voltou a funcionar a plena capacidade.

Mas as autoridades do Hamas dizem que a escassez generalizada de energia elétrica piorou, passando de 40% antes Mursi ser deposto para 65% atualmente – e vai aumentar ainda mais à medida que o inverno se aproximar.

Por isso, Omar al-Khouli cortou pela metade a produção de pão de sua padaria aqui de Gaza. Ele liga um gerador quando a eletricidade acaba apenas para poder terminar a fornada de pães que está assando. Ele pretende começar a fechar sua loja durante a manhã, quando não há eletricidade.

"Eu culpo Israel, o governo de Ramallah e o Hamas pela crise", disse al-Khouli, referindo-se à sede da Autoridade Palestina. "Eles deveriam trabalhar juntos e encontrar uma solução para isso, pois são as pessoas que estão pagando o preço".

Algumas pessoas compraram caros inversores fabricados na China que fornecem corrente suficiente para acender uma lâmpada ou duas e para recarregar celulares.

Yasmeen Ayyoub, estudante de psicologia da Universidade Islâmica de Gaza, disse que quando falta energia durante o dia, ela é obrigada a estudar entre a meia-noite e as 6 horas da manhã "às custa das minhas horas de sono".

E no bairro de Sabra, perto da estação de bombeamento Zeitoun, que inundou três vezes desde domingo, o cheiro de esgoto pairava sobre as poças de água parada nas ruas. Os mosquitos eram abundantes e, segundo os moradores, seus filhos estavam vomitando e sofrendo de diarreia.

"Todos os dias, nós ligamos para a empresa de energia elétrica e eles dizem, 'Não é nossa responsabilidade'", reclamou Thabet Khatab, dono de mercearia de 56 anos que estava ocupado empilhando sujeira em frente de sua casa para evitar que o esgoto entrasse no interior de seus estabelecimento um segunda vez. "Nós ligamos para o município, mas eles dizem: 'Traga diesel para que nós possamos colocar o gerador da estação de bombeamento para funcionar".

A vizinha de Khatab, Nahla Quzat, mãe de oito filhos, disse: "Eles dizem que não há diesel para o gerador, mas os carros do governo não parecem estar sofrendo de escassez de diesel".
Tradução: Cláudia Gonçalves

Um Rio de Janeiro dividido busca o mundo

A difícil jornada na frágil van vai subindo a colina íngreme do Morro da Providência, a favela
 mais antiga desta cidade. Última parada: a pequena praça, silenciosa, com uma loja de materiais
 de construção, um bar e um par de jovens policiais com coletes a prova de balas e metralhadoras em 
punho, patrulhando a estação de teleférico ainda fechada, construída recentemente. O porto se estende 
lá em baixo.

Michael Kimmelman
Morador estende os braços na beira da lagoa de Jacarepaguá, na vila Autódromo, no Rio. Estimuladas pela Copa do Mundo e pelos Jogos Olímpicos em 2016, as autoridades locais estão se esforçando para reinventar a cidade
As autoridades locais, estimuladas por dois iminentes megaeventos -a Copa do Mundo no ano que vem e os Jogos Olímpicos de Verão de 2016- estão se esforçando para reinventar esta cidade, outrora de terceiro mundo, com uma economia de primeiro mundo.

Na semana passada, começou a demolição de uma estrada movimentada que corta o caminho através da área do porto, para dar espaço para um passeio de pedestres e um novo bonde.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, está dizendo todas as coisas certas sobre o combate à expansão, a melhoria do sistema de transporte de massa, a construção de novas escolas e a pacificação e a integração das favelas, onde mora um em cada cinco habitantes da cidade.
Mas, como ilustram os meses de protestos de rua, os ideais progressistas estão enfrentando problemas antigos e intratáveis nesta cidade, onde a diferença de classes e a corrupção são quase tão imóveis quanto as montanhas. Esta é uma cidade dividida em si mesma.
Essa divisão fica mais aparente no gigantesco projeto do prefeito de desenvolvimento do porto, de US$ 4 bilhões (em torno de R$ 8 bilhões) que prevê a transformação de uma área industrial na escala de Lower Manhattan em um centro reluzente, cheio de arranha-céus do novo Rio global.

O porto é o coração histórico da cidade, com raízes portuguesas e afro-brasileiras -uma mistura de armazéns, máquinas pesadas e monumentos antigos- e também engloba bairros como o Morro da Conceição, Saúde, Gamboa e Santo Cristo: enclaves pobres e decadentes, mas belos, de casas multicoloridas e ruas de paralelepípedos.
Washington Fajardo, que assessora o prefeito em assuntos urbanos e preservação histórica, me mostrou o cais de pedra, para navios imperiais e negreiros, que foi recentemente descoberto perto do Morro da Conceição e transformado em patrimônio histórico.
Mas a reconstrução do porto é, na maior parte, um negócio de interesses imobiliários e comerciais. Segundo os críticos, é mais um exemplo de um governo que serve às incorporadoras, com um novo Museu do Amanhã (o que quer que isso seja), em forma de isópode gigante, projetado por Santiago Calatrava, arquiteto de ontem.

Na verdade, não há um plano mestre e nenhuma garantia de que aquilo que é bom e vale a pena preservar na mistura urbana do porto existente não será sacrificado por um mar de torres de escritórios. Promessas recentes do prefeito de inserir 2.000 unidades de habitação pública são tardias e vagas, anunciadas para apaziguar detratores sem perturbar os investidores.
Enquanto o prefeito promove a consolidação em torno do porto renovado, o Rio se alastra de forma incontrolável para o Oeste. Quilômetros de rodovias, condomínios fechados, shoppings e engarrafamentos tornam a área chamada Barra da Tijuca cada vez mais indistinguível dos arredores de Dallas ou Fort Lauderdale, na Flórida. Quando podem, os cariocas, como são chamados os habitantes da cidade, compram dois carros e um apartamento em uma torre na Barra, como se ainda estivéssemos em 1974.

No coração da Barra, há um símbolo dos gastos perdulários e divisão de classes do Rio de Janeiro: um novo centro de artes, a cidade da música, projetada pelo arquiteto francês Christian de Portzamparc, em frente a um shopping gigante com uma réplica da Estátua da Liberdade. Um projeto iniciado sob o prefeito anterior, duas vezes acima do orçamento de US$ 250 milhões e abandonado no meio de uma estrada, o lugar tem provocado queixas revoltadas por não estar afinado nem com a cultura da cidade nem com suas reais necessidades.

O centro talvez seja o prédio mais absurdo a ser construído em anos, com um complexo de teatros de concreto, sobre pilastras gigantes. Ele faz lembrar aquela famosa sátira do filme "This Is Spinal Tap", na qual os projetistas de um palco para um show de rock confundiram pés com polegadas– exceto que as proporções aqui são invertidas. Os responsáveis pela casa reclamam sobre seções inteiras de assentos inutilizáveis sem visão para o palco, palcos mal projetados, teatros sem vestiários, praças varridas pelo vento e escadas que não dão em lugar algum.
Mais a oeste, a Vila Olímpica, uma expansão urbana em rápido crescimento, sobe em um local que dará lugar a novas habitações de luxo após os jogos. O desenvolvimento ameaça desalojar a Vila Autódromo, uma antiga favela.
Andei pelas ruas tranquilas e esburacadas da favela. Crianças saltavam sobre um trampolim quebrado; uma música saía de uma igreja; uma família me levou para a sua laje com vista sobre mangueiras e goiabeiras para a baía.

Altair Guimarães, presidente da associação de moradores, despertou de seu cochilo na rede, depois de trabalhar no turno da noite, e sacudiu a cabeça. "Você não precisa massacrar o povo para fazer megaeventos", disse ele.

A história não é assim tão simples.

Nas áreas operárias ao norte da cidade, como Méier e Madureira, a prefeitura forneceu novas clínicas, criou novas linhas de ônibus, construiu escolas.
Eu visitei o Parque Madureira, de 2,5 km e US$ 50 milhões, uma faixa de concreto e verde, com um palco gigante de samba e um lago, construído em um terreno liberado pelo reposicionamento de linhas elétricas de alta tensão. O local tem sido um divisor de águas para os moradores de um bairro lotado com quase nenhum espaço aberto.
No Méier, visitei um antigo cinema onde Bob Dylan e Tom Jobim, o Dylan do Brasil, se apresentaram no passado. Recentemente, o local renasceu como o Centro Cultural João Nogueira, com um cinema multiplex, um espaço para exposições e um terraço. Os idosos tomavam banho de sol e os adolescentes flertavam à sombra de uma treliça de concreto.

Mas ao lado destas melhorias, outros projetos públicos não fazem sentido: os projetos do programa Minha Casa Minha Vida são tristes novos blocos habitacionais para os pobres, mal feitos, que proliferam ao redor da cidade, muitos longe a oeste, a uma longa distância do local onde moravam os reassentados.

O Morar Carioca, um programa público para unir arquitetos, moradores das favelas e funcionários públicos, prometeu soluções colaborativas para remodelação. Os moradores da Providência, consultados como parte do programa, disseram que queriam ruas limpas e pavimentadas.
Em vez disso, a prefeitura decidiu construir o teleférico, junto com um bondinho funicular e um centro cultural comemorando a vida na favela, e todos esses projetos vão exigir despejos. Hoje, muitos moradores lamentam o Morar Carioca.
"As favelas não são apenas locais de pobreza, cujos moradores são objetos de 'projetos de renovação'", salientou Jailson de Souza e Silva, um dos fundadores do Observatório de Favelas, uma ação social, apontou. "A participação é a chave".

Isso ainda não é uma prática comum aqui. Os representantes da comunidade da Providência ganharam uma liminar para adiar a construção do funicular.

Roberto Marinho,  38, presidente da associação de moradores, trabalha como gerente de um escritório imobiliário no centro. A casa onde ele mora com sua esposa e dois filhos é uma das que devem ser demolidas.
"Nós temos uma varanda e um terraço, e o apartamento do Minha Casa Minha Vida para onde querem nos levar seria uma perda grande em qualidade de vida", disse Marinho.
De certa perspectiva, favelas como a Providência, incubadoras históricas do samba e do funk brasileiro, são verdadeiros modelos do que Paes defende: são diversas, densas, organicamente desenvolvidas com habitações acessíveis -o oposto do Minha Casa Minha Vida.

Mas esses teleféricos e atrações culturais, o kit de ferramentas padrão das reformas da prefeitura de hoje, são boas ilustrações para folhetos Olímpicos e apresentações de PowerPoint, mesmo que não sejam necessariamente o que os moradores da Providência, e do Rio, mais precisem.

Conquistar o apoio da comunidade leva tempo. A colaboração é lenta.

O Rio tem pressa.

"Queremos um diálogo, uma conversa", disse Marinho. "Eles nunca nos ouvem de fato".

Tradução: Deborah Weinberg

“O desenvolvimentismo não nos protegeu”

De um lado, o projeto do SUS, de saúde universal, pública e estatal; de outro, o discurso de que,
 com o aumento da renda, o direito se dá pela compra de serviços privados de saúde

Cátia Guimarães

De um lado, o projeto do SUS, de saúde universal, pública e estatal; de outro, o discurso de que, com o aumento da renda, o direito se dá pela compra de serviços privados de saúde  -  Foto: Antonio Cruz/ABr

O MÉDICO sanitarista Gastão Wagner, militante histórico da Reforma Sanitária e atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cinco anos atrás, na primeira edição da Poli, fez um balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) duas décadas depois da sua conquista.
Hoje, quando o Brasil lembra os 25 anos da Constituição Federal e, mais especificamente, do texto que institui um Sistema Único de Saúde na lei maior do país, Gastão foi convidado para atualizar essa análise.
Nesta entrevista, ele aponta entraves não resolvidos, como o subfinanciamento e uma política de pessoal para os trabalhadores da saúde, e problemas que se agravaram, como o espaço que tem sido conquistado pelo setor privado na saúde. O elemento mais otimista ocorrido entre a entrevista da primeira edição e agora são, segundo ele, as manifestações que têm tomado as ruas do país desde junho. Mas ele alerta: os sentidos do direito à saúde que as ruas têm reivindicado estão em disputa. De um lado, o projeto do SUS, de saúde universal, pública e estatal; de outro, o discurso de que, com o aumento da renda, o direito se dá pela compra de serviços privados de saúde.
Qual o balanço de 25 anos de um SUS universal?
Gastão Wagner – É um balanço que tem aspectos positivos e negativos. O positivo foi a expansão do sistema público, do acesso à saúde em várias áreas, desde a atenção básica até o atendimento ao câncer e aos brasileiros com diabetes, programas de vacinação, atenção à Aids… O negativo é que a constituição do SUS não avançou no sentido de se completar. Os entraves permanecem e um deles é o subfinanciamento.
O segundo entrave é que a gente não desenvolveu uma política de pessoal razoavelmente adequada. E o terceiro é que o modelo de gestão continua, com dois grandes desafios que não foram enfrentados. Um é a fragmentação do SUS em redes dos entes federados. Saiu a regulamentação da Lei nº 8.080, com o Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde (Coap), mas que é de uma ineficácia assustadora. O SUS continua heterogêneo e está cada vez mais evidente que se delega a principal tarefa da gestão do SUS aos municípios e que eles não conseguem sequer colocar médicos onde precisam na atenção básica.
O Mais Médicos teve esse lado positivo, que foi jogar luz sobre essa grande parte da população que não tem nem atenção básica e sobre a incapacidade dos municípios para resolver o problema da atenção básica. O outro problema do modelo de gestão é que a gente não criou uma alternativa, um conjunto de diretrizes para pensar um SUS público. Continuamos num dilema: a administração direta emperrada, antiga, ultrapassada, inadequada para a saúde, e as alternativas a isso são formas de privatização, como OS [Organização Social] e fundações privadas, que aumentam a fragmentação.
Eu estava dando curso para gestores da atenção básica do estado e de alguns municípios grandes da Bahia e fiquei assombrado. Eles confirmaram o diagnóstico de que a Bahia agora tem duas secretarias estaduais, duas direções concorrentes: a secretaria estadual e a fundação que eles criaram. E o pior é o quarto elemento, que eu acho que agravou: a hegemonia cultural, midiática, da perspectiva do seguro privado e da saúde suplementar, e a hegemonia concreta, no sentido de que hoje se gasta mais com saúde suplementar do que com o SUS.
Ela atende 25% da população e o SUS 75%. Estamos vendo agora, com essa história da demografia médica e o estudo da Maria Helena Machado, que mais de 50% da capacidade dos médicos está concentrada na saúde suplementar. Não é a maioria dos médicos, mas da capacidade de trabalho, porque a maioria dos médicos tem duplo vínculo. Se pegarmos os postos de trabalho e a carga horária, mais de 50% estão voltados para 25% dos brasileiros.
Ou seja, na prática, se a gente pegar a carga horária de 40 horas, o SUS tem menos de um médico para cada mil habitantes, para os 75% da população. Isso vale também para outros profissionais. Os impasses no SUS, todos esses que eu listei, deixam um espaço imenso para a medicina privada, de mercado.
Cinco anos atrás, você destacou o desafio de “inventar modelos de gestão para garantir o funcionamento desburocratizado, humanizado e com pouca corrupção dos serviços estatais de saúde.” Nesse período, proliferaram modelos como OS e fundações públicas de direito privado. Isso responde a esse desafio?
Eu ando defendendo que nós propuséssemos um projeto de lei para criar um SUS como autarquia municipal, estadual e nacional. Haveria o SUS com financiamento e gestão tripartite, os servidores seríamos todos do SUS, com carreiras do SUS, com concursos por estado. Essas carreiras poderiam ser por grandes áreas: atenção básica, área hospitalar com especialidades, vigilância à saúde… As regras que regulamentam cada profissão entrariam matricialmente nessas áreas de carreira.
Um outro elemento insuportável da crise é que ninguém aguenta mais ser governado, gerenciado por prefeitos, secretários municipais, estaduais e ministros da saúde absolutamente controlados pela lógica de poder, eleitoreira, com conflitos de interesse. Penso que uma alternativa à privatização seria pensar o SUS num modelo de gestão como o das universidades federais, só que não fragmentado: um SUS único, organizado a partir das 200 e poucas regiões de saúde, e em que os cargos de direção, exceto ministro, secretários estaduais e municipais, não fossem de confiança, e sim ocupados com critérios, mandatos de rodízio.
Por exemplo, eu acho que a gente deveria ter um secretário regional de saúde, indicado pelo colegiado de municípios e pela secretaria estadual, segundo critérios: formação em saúde pública, em gestão em saúde, três anos participando dessa carreira SUS, dedicação de mais de 30 horas por semana…
Financiamento já era um problema há cinco anos. Nesse tempo, tivemos a regulamentação da Emenda Constitucional 29. Mas muitas pessoas acham que piorou…
A proteção que o governo federal fez do seu orçamento, a não inclusão dos 10% do orçamento [da União] tornou a Emenda Constitucional 29 quase inócua. O único aspecto positivo foi dizer o que é despesa de saúde, deixou isso mais claro e criou uma jurisprudência para evitar as tramoias que os estados e alguns municípios faziam. Mas não resolveu nada, continua o interdito para aumentar os recursos do SUS. E falta muito.
Se conseguíssemos as assinaturas para o projeto de lei que pede o investimento de 10% [da União], a estimativa é de R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões a mais. Daria para dobrar o atendimento da atenção básica, qualificá-lo, melhorar formação e carreira, financiar, construir e custear 200 hospitais nas regiões mais carentes, aumentar ações de vigilância à saúde e promoção. Já seria muito importante, mas na verdade, para ter um sistema adequado, além de mudar o modelo de gestão, tem que dobrar o recurso. O SUS gasta 3,5% do PIB, teria que gastar 7%, 8%.
Agora, tem uma vacilação muito grande do governo federal e dos deputados em apoiar essa medida. Se for aprovada, existe ainda a discussão sobre para onde vai o dinheiro. E quando entra nessa discussão, a frente supostamente pró- SUS se rompe absolutamente. Boa parte dela quer corrigir e manter a forma de convênios e contratos, reajustando o valor dos procedimentos. Vai ser inútil. Esse recurso a mais tem que ser investido para ampliar a cobertura da atenção básica para 80% [da população], criar uma carreira da forma como eu estou te falando, construir e fazer funcionar hospitais públicos, diminuindo convênios e contratos e reincorporando ao SUS as OS e Oscips, fazendo o movimento contrário.
Cinco anos atrás, você disse que o financiamento era um nó, mas que não havia dinheiro porque o SUS não era querido. Se a população estivesse pedindo o SUS, conseguiríamos dinheiro. Isso mudou?
Eu sustento isso. Para comover a população e pressionar os governantes e o parlamento, precisávamos apontar para a população o que pode ser feito, com base no que já se está fazendo de melhor no SUS; o que pode ser aperfeiçoado, acrescido, no SUS. Estou apostando que o movimento sanitário consiga construir um projeto estratégico de modelo de gestão, carreira e reforçar um modelo de atenção segundo a tradição dos sistemas públicos do Canadá, Inglaterra, Suécia. A gente tem que apresentar isso à população, dizer que é possível, que é necessário e que o Brasil tem dinheiro. A luta por mais recursos sem dizer o que fazer com ele não tem muita possibilidade de romper o bloqueio da lógica econômica.
25 anos na eficácia da ideia de conceito ampliado de saúde…
Eu acho que esse é um ponto positivo do SUS. Não que todas as ações e práticas do SUS sejam coerentes com a visão ampliada do processo saúde-doença, mas ganhou muita força no Brasil uma crítica a essa visão biologicista da terapêutica centrada no medicamento. E eu acho que essa é uma marca específica positiva da Reforma Sanitária brasileira e do SUS, que é garantir não só o acesso, mas o acesso a outro modelo de atenção, a outro modelo de cuidado, que seja mais integral, que considere o biopsico- social, que valorize a autonomia e a clínica compartilhada com os usuários. Eu acho que isso está ganhando terreno. Aparece inclusive na mídia, na imprensa. Sobre a saúde mental, tem uma divisão, mas a nossa proposta aparece em novela, como sendo a melhor.
Saúde foi uma das principais reivindicações dessas manifestações desde junho. É do SUS que as ruas estão falando?
Nos últimos cinco anos, o elemento otimista foram essas manifestações. E é muito forte porque reivindicou acesso à política pública, transporte… A saúde não foi a principal, mas foi muito forte. A população disse que a vida na cidade está impossível. Foi um movimento urbano, na maior parte dos casos. Como garantir isso, eu acho que o movimento não colocou nem a população sabe: qual o modelo de atenção, como organizar, como fazer o SUS funcionar…
O movimento exige o acesso, o direito à saúde. E o setor privado está fazendo o discurso de que o acesso pode ser conseguido pela expansão da saúde suplementar, pelo aumento de convênios, pelo subsídio estatal, pela compra de serviços ao setor privado. E por trazer uma lógica de mercado, através de OS e semelhantes, para dentro do SUS público estatal que ainda existe. Essa batalha não está resolvida e nós temos que enfrentá-la junto à população. Há um reclame pelo direito à saúde e isso é muito importante.
Só que há um discurso que diz que o direito à saúde depende de um sistema nacional público de base estatal, com carreira, etc, que é o meu, nosso, de muita gente, e há outro discurso de que podemos garantir a universalidade pelo setor privado, basta o Estado financiar, comprar e regular. É o Estado mínimo regulador, que põe dinheiro público para o mercado fazer. Essa é a grande polêmica, o grande divisor de águas atual.
Cinco anos atrás, você disse que, logo na sequência da conquista do SUS, o Estado foi enfraquecido pela onda neoliberal. Hoje, o país vive o que se tem chamado de neodesenvolvimentismo. O Estado se fortaleceu?
A partir de meados do seu primeiro governo, Lula retomou uma política desenvolvimentista, a la Celso Furtado, adaptada ao contexto atual. É uma política de industrialização, desenvolvimento do mercado interno, aumento da renda do povo através do Bolsa Família, aumento do salário acima da inflação, microcrédito, financiamento público.
O BNDES, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil estão mais fortes. A capacidade de o Estado brasileiro negociar com empreiteira, por exemplo, teoricamente, está maior. Só que esse projeto desenvolvimentista não incluiu políticas públicas, como de educação e saúde públicas gratuitas. De políticas habitacionais há alguns ensaios. O forte são investimentos urbanos maciços.
Melhorou a renda de boa parte da população, o mercado interno se dinamizou, mas nós continuamos vivendo um caos. O negócio domina a cidade e a urbanização, com especulação imobiliária, empreiteiras. O negócio avança na área da saúde, botando limites na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na saúde pública, fazendo negócio com atendimento hospitalar e especializado, com a venda de medicamentos. Eu acho que o desenvolvimentismo não nos protegeu. Esse desenvolvimentismo não tem um componente de bem-estar social forte, tem de aumento da renda de modo que, pelo aumento de salário, as pessoas possam comprar saúde suplementar, iogurte etc. Não é cidadão, é consumidor. Nossa proposta não é essa, o SUS é direito à saúde, direito à educação, à habitação, a viver numa cidade com transporte público. Tudo isso ficou muito fraco. Houve um tensionamento muito grande agora em junho sobre essa falha do desenvolvimentismo.
O nosso problema é que toda a oposição no Brasil é antidesenvolvimentista. E a gente teve nesse período o enfraquecimento dos movimentos sociais. Teve agora em junho esse movimento espontâneo, essa coisa da juventude, sem as entidades, mas houve, no mundo inteiro, uma cooptação, um esvaziamento dos movimentos, uma incapacidade da sociedade civil em colocar limites nessa hegemonia dos negócios. O desenvolvimentismo se alia com setores muito atrasados da sociedade, muito antigos, do Maranhão, do Nordeste, de São Paulo, do narcotráfico. É um bloco de alianças muito complexo.
Originalmente, o movimento da reforma sanitária tinha uma base na sociedade civil organizada. Como isso está hoje no campo da saúde?
O neoliberalismo e mesmo esse desenvolvimentismo enfraqueceu os movimentos sociais. O Fernando Henrique entra e, como a Margareth Tatcher, a primeira coisa que faz é derrotar o sindicalismo. O narcotráfi co desarticula boa parte do movimento popular associativo. A igreja católica tinha um peso grande no Brasil e é desarmada pelo papa polonês, que entra e troca os bispos. Foi uma desarticulação muito grande desses movimentos que constituíram a reforma sanitária. Ficaram os intelectuais, o pessoal da saúde coletiva.
O movimento estudantil se afastou dessa discussão. A UNE é uma burocracia, uma vergonha, não representa os estudantes. O Diretório da Executiva Nacional de Medicina (Denem) ainda discute o SUS, mas a capacidade de envolver é baixa. A maior parte do sindicalismo das profissões de saúde assumiu um perfil corporativista: o dos médicos é quase caricatural, mas se pegar os farmacêuticos, os fisioterapeutas, parte do movimento da enfermagem só falam em [jornada de trabalho de] 30 horas.
O modelo, a defesa do paciente, do usuário se enfraqueceu muito, exceto entre os psicólogos. E quando esses sindicatos tratam do SUS, falam contra qualquer regime que não seja o estatutário tradicional, falam contra OS ou fundação privada não porque é ruim, porque fragmenta, mas porque o regime de contratação é CLT e não o estatutário, que também tem sido usado para desrespeitar o direito à saúde das pessoas. No SUS se manteve um movimento interinstitucional, pelas conferências.
Nesses cinco anos, teve a conferência de que eu fui o relator que, na minha avaliação, foi um risco n’água, usando a expressão do [Otavio] Ianni. Os movimentos de junho tiveram muito mais fortaleza. Agora o sucesso do SUS depende da recomposição contemporânea – não pode ser a antiga – de um movimento em defesa do direito à saúde e do SUS.
O movimento sanitário não acabou?
Não, porque se renova. Movimento é um sujeito coletivo e sujeitos coletivos demoram mais tempo para morrer. Eles têm uma espécie de reencarnação. O movimento sanitário se fortaleceu muito com movimentos de trabalhadores não ligados às suas entidades profi ssionais, mas ligados a determinados projetos que compõem o SUS, como o Saúde da Família, a luta contra a Aids, a nova Saúde Mental. Mesmo o movimento da Humanização, HumanizaSUS, apesar de ser uma política do governo, é hoje em dia mais um movimento social de valorização do direito do usuário, de democracia institucional. Em Campinas, nos últimos seis, oito anos, o SUS está sendo desconstruído. E já vinha saindo movimento de rua antes de junho.
Quando estavam desconstruindo a reforma da saúde mental aqui, que é bem ampla, tinha 800, mil pessoas de várias extrações, convocadas também por internet, na Câmara. Nesse período de crise do movimento social, a defesa do SUS ficou muito por conta dos gestores, Conass, Conasems. E, com todo respeito, gestor fica muito nessa lógica institucional e não tem autonomia e iniciativa para comprar esses confrontos abertamente como seria necessário. Mas eu acho que o movimento sanitário está se recompondo, é a minha esperança. Abrasco, Cebes, essas velhas entidades estão com cara nova. Mas de vez em quando o Estado coopta.
25 anos atrás, preparação e realização da Constituinte: há erros e perdas que já remetem àquele momento e cujas consequências a gente vive ainda hoje?
Com certeza tem. Mas eu acho que nesses 25 anos aconteceram três fenômenos entrelaçados. Resumindo: o Brasil melhorou para a maioria da população nos direitos, direitos da mulher, luta contra o racismo. Acho que estamos mais fortes. Ao mesmo tempo, houve uma industrialização, uma financeirização no Brasil. O Brasil é um país capitalista forte. Não é o capitalismo brasileiro, mas há um capitalismo globalizado no Brasil muito forte, com mercado interno muito forte, o setor financeiro muito forte, a lógica dos negócios, lógica liberal da competição cultural muito forte. E ao mesmo tempo se fortaleceu ou não foi eliminado, apesar de a gente viver em república e democracia, o Estado clientelista, privatizado, voltado para os negócios e não para a defesa da cidadania. Esse capitalismo no Brasil se compôs com o atraso, com o clientelismo. Nessa mistura, o Brasil é melhor, mas continua muito injusto, muito desigual.
A vida é muito áspera, o contrato é muito desrespeitado. O contrato empresarial é sagrado, mas o contrato de trabalho não é sagrado, ao contrário, pode ser rasgado a qualquer momento. Agora, tem um setor grande da sociedade brasileira, independentemente de estar organizado em movimento ou não, que tem um pensamento pelo direito, pelos direitos humanos, pela democracia republicana. São 20%, 30% da população, como nós temos 20%, 30% muito conservadores, preconceituosos, racistas, pró-mercado.
Esse Estado clientelista e o empresariamento da sociedade brasileira limitou os avanços sociais, inclusive na saúde e na educação. O fato de professor de ensino médio ganhar o que ganha é um sintoma gravíssimo disso. Todos esses entraves do SUS são sintomas gravíssimos disso. Nós não podemos ter um setor estatal forte, ágil, autônomo, fora do clientelismo, fora da politicagem partidária, comprometido com os usuários e com a racionalidade do direito à saúde.
Estamos tentando construir isso dentro dos conflitos, porque isso atesta a possibilidade de construir uma sociedade solidária e democrática. No fundo, eu diria que o sonho do Salvador Allende continua: será que é possível construir justiça social, solidariedade, socialismo – a gente nem sabe direito o que é socialismo – com democracia, com participação? Essa é a questão.
É possível?
Eu aposto nisso. Como já houve derrotas antes, de um médico inclusive, o Salvador Allende, eu sei que é uma aposta, não é uma certeza. Eu não tenho certeza. Mas prefiro assim, porque o contrário eu não quero.

Que tal combater os homicídios mudando o conceito do que seja assassinato?

Encontrei, dia desses, uma manchinha escura na mão. Não, não é pereba ou algo do gênero. É marca
 do tempo ou, como ouvi uma vez minha avó reclamar, “tatuagem da velhice''. Daí, uma amiga
 sugeriu que eu usasse uns creminhos para dar uma guaribada no visual.

Leonardo Sakamoto

Poderia também tingir os cabelos brancos – que surgiram como testemunhas e hoje se juntaram em hordas a apavorar a maioria. Mas nada mudaria o fato de que estou ficando mais velho. Todos têm o direito de fazer o que quiser com sua aparência, mas – como já disse aqui – o meu conceito de envelhecer com dignidade inclui encarar de frente as metamorfoses do meu corpo. Afinal de contas, a mancha não é acidente. É vida mesmo.
Gostamos de fugir da natureza de nossos problemas, maquiando-os. No Congresso Nacional, jogando a realidade para baixo do tapete. Reescreve-se a bíblia trocando-se Jesus por Eduardo. Ou, ao contrário, avisam que apenas estão revisando de leve o texto bíblico e, de repente, Noé surge na Última Ceia.
Tramitam, em Brasília, propostas que rebatizam formas de exploração. Por exemplo, algumas delas querem alterar o conceito de trabalho escravo contemporâneo. Dizem que restringir o problema ajudará a combatê-lo.
Como se, de repente, o número de assassinato diminuíssem loucamente porque, a partir do começo do ano, só fosse considerado assassinato quando você matasse a pessoa na Praça da Sé, na hora do almoço, avisando a polícia de que isso ocorreria com certa antecedência para dar tempo a todo mundo comer seu churrasco grego com suco grátis.
No caso do trabalho escravo, querem praticamente que se traga o pelourinho e os grilhões como provas, além de um teste de DNA no sangue do chicote e uma declaração do feitor – assinada em três vias e autenticada em cartório não-abolicionista do interior do Tocantins, afirmando que o capataz fez isso em nome do dono da senzala para que o patrão possa ser devidamente julgado pelo crime. Em suma, restringir o conceito àquilo que havia quando Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon usava maquiagem a base de sebo de carneiro por aqui.
Outras propostas buscam combater o trabalho infantil, vejam só, reduzindo a idade mínima para o trabalho no país, passando dos hoje 16 (para qualquer atividade não insalubre) e 14 (desde que seja como aprendiz) para 13, 12, 11 e até dez. Assim, o que era ilegal passa a ser joia – um empurrão em nosso desenvolvimento através da adição de população economicamente ativa e a inserção cidadã através do trabalho.
Ou seja, de um dia para outro, como em passe de mágica, trocamos o rótulo da garrafa e o que era veneno passa a ser produto de qualidade. Afinal de contas, se já faz sombra, senta na guia e consegue encostar o pé no chão e não faz gu-gu, nem da-dá, pode trabalhar normalmente. Pois, como todos sabemos desde a década de 40, só o trabalho liberta.
O ideal seria se, ao invés das maquiagens, encarássemos de frente as marcas da desigualdade e da injustiça social. Pois, neste caso, as manchinhas não são inevitáveis como o envelhecimento ou marca de uma doença incurável. Mas um sintoma de que o organismo (no caso, a sociedade), anda doente.
Mas, aí, o pessoal que ganha com a venda de cosméticos vai fazer o que da vida?