domingo, 23 de dezembro de 2012

Com tragédia em escola, regras para porte de armas precisam ser mais rígidas nos EUA


Após o massacre na escola em Connecticut, um pensamento passa pela minha cabeça: por que não podemos regular as armas da mesma forma séria que regulamos carros?

Nicholas D. Kristof
O motivo fundamental para crianças estarem morrendo em massacres como esse não é por termos lunáticos ou criminosos –eles existem em todos os países– mas por sofrermos o fracasso político de regular as armas.
Foto de 13 de novembro do pequeno Noah Pozner, 6. Ele foi uma das vítimas de Adam Lanza, 20, atirador que matou 26 pessoas, a maioria crianças, na escola primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticut (EUA), na sexta-feira (14)
Crianças com idades entre cinco e 14 anos nos Estados Unidos apresentam uma probabilidade 13 vezes maior de morrer por armas de fogo que crianças em outros países industrializados, segundo David Hemenway, um especialista em saúde pública de Harvard que escreveu um livro excelente sobre a violência com armas.

Logo, vamos tratar as armas de fogo de modo racional, como o centro de uma crise de saúde pública que tira uma vida a cada 20 minutos. Os Estados Unidos, falando de modo realista, não proibirão armas, mas nós podemos adotar medidas para reduzir a carnificina.

As crianças americanas em idade escolar são protegidas por códigos de construção que regem escadarias e janelas. Os ônibus escolares devem atender padrões de segurança e os motoristas de ônibus devem passar por testes. A segurança dos alimentos das lanchonetes é regulada. As únicas coisas que parecemos frouxos em regular são as coisas que mais provavelmente nos matarão.

A Administração de Saúde e Segurança Ocupacional tem cinco páginas de regulação a respeito de escadas, enquanto as autoridades federais dão de ombros diante de uma restrição séria a armas de fogo. Escadas matam 300 americanos por ano. Armas matam 30 mil.

Nós regulamos até mesmo as armas de brinquedo, exigindo que tenham ponta cor de laranja – mas os legisladores não têm o bom senso de enfrentar os extremistas da NRA ( sigla em inglês para Associação Nacional do Rifle) e regular as armas reais com o mesmo cuidado que regulamos as de brinquedo. O que devemos pensar a respeito do contraste entre professores heroicos, que enfrentam um homem armado, e políticos medrosos, impotentes, que não enfrentam a NRA?

Como um dos meus seguidores no Facebook escreveu após eu ter postado a respeito do massacre, "é mais difícil adotar um animal de estimação do que comprar uma arma".

Veja bem, eu cresci em uma fazenda do Oregon onde armas faziam parte da vida; e meu pai me deu um rifle calibre 22 no meu 12º aniversário. Eu entendo: é divertido atirar! Mas dirigir também é, e nós aceitamos que temos de usar cinto de segurança, ligar os faróis à noite e preencher formulários ao comprar um carro. Por que não podemos ser igualmente adultos a respeito da regulação de armas?

E não me diga que não faria diferença, porque malucos sempre conseguirão obter uma arma. Nós não vamos eliminar as mortes por armas de fogo, assim como não eliminamos os acidentes de trânsito, mas se conseguirmos reduzir as mortes por arma de fogo em um terço, já seriam 10 mil vidas salvas por ano.

Igualmente, não me venha com o argumento de que se mais pessoas portassem armas, elas deteriam os atiradores ou os interromperiam. Os responsáveis por massacres geralmente se matam ou são prontamente pegos, de modo que é difícil ver que elemento dissuasor seria acrescentado, quando temos mais pessoas armadas. Há poucos, se é que há algum, casos nos Estados Unidos em que um cidadão comum armado impediu um massacre.

A tragédia não é um massacre em uma escola, mas o incessante número de vítimas por todo o país. Mais americanos morrem em homicídios e suicídios com arma de fogo em seis meses do que morreram nos últimos 25 anos em todos os ataques terroristas e guerras no Afeganistão e no Iraque somados.

E o que podemos fazer? Um ponto de partida seria limitar a compra de armas a uma por mês, para coibir os traficantes de armas. Igualmente, nós deveríamos restringir a venda de pentes de alta capacidade, para que um atirador não possa matar muitas pessoas sem precisar recarregar.

Nós deveríamos impor uma checagem universal de antecedentes dos compradores de armas, mesmo nas vendas particulares. Vamos tornar os números de série mais difíceis de apagar, e apoiar o esforço da Califórnia para exigir que as novas armas leves imprimam uma micromarca em cada bala, de modo que possa ser rastreada até uma arma específica.

"Nós tivemos tragédias demais nos últimos anos", notou o presidente Barack Obama em uma declaração com os olhos cheios de lágrimas na televisão. Ele está certo, mas a solução não é apenas chorar pelas vítimas, mas sim mudar nossas políticas. Vamos ver uma liderança nesta questão, não apenas discursos comoventes.

Outros países oferecem um modelo. Na Austrália em 1996, o massacre de 35 pessoas mobilizou o primeiro-ministro conservador do país a proibir certas armas longas de fogo rápido. O "acordo nacional de armas de fogo", como ficou conhecido, levou  a uma recompra de 650 mil armas e a regras mais rígidas para permissão e armazenamento seguro das que permaneceram nas mãos da população.

A lei não proibiu a propriedade de armas na Austrália. Ela reduziu o número de armas de fogo em mãos particulares em um quinto e dos tipos mais comumente usados em massacres.

Nos 18 anos antes da lei, a Austrália sofreu 13 massacres, mas nenhum nos 14 anos após a lei entrar em vigor. A taxa de homicídios com armas de fogo caiu em mais de 40%, segundo dados compilados pelo Centro de Pesquisa de Controle de Ferimentos de Harvard, e o número de suicídios com armas de fogo caiu em mais da metade.

Ou podemos olhar para o norte, para o Canadá. O país agora exige um período de espera de 28 dias para compra de uma arma leve e impõe uma salvaguarda inteligente: os compradores de armas devem ter o apoio de duas pessoas que atestem em prol delas.

Nesse assunto, nós podemos buscar inspiração em nossa própria história de segurança automotiva. Assim como as armas, algumas mortes envolvendo veículos automotivos são causadas por pessoas que violam as leis ou se comportam de modo irresponsável. Mas não damos de ombro e dizemos: "Carros não matam pessoas, mas sim bêbados".      
Em vez disso, nós exigimos cintos de segurança, air bags, assentos para crianças e padrões de segurança em colisões. Nós introduzimos carteiras de motorista provisórias para motoristas jovens e tentamos coibir o uso de celulares enquanto dirigimos. Tudo isso reduziu o número de mortes no trânsito americano por quilômetro rodado em quase 90% desde os anos 50.
Algumas pessoas só estão vivas hoje devido às regulações de segurança para veículos automotivos. E se não tratarmos as armas do mesmo modo sério, algumas pessoas e alguns de seus filhos morrerão por causa de nosso fracasso.  
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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