sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Democratização inacabada: fracasso da segurança pública


O artigo discute dois paradoxos e um enigma que se desenvolveram no país durante as últimas décadas: o processo de democratização iniciado em 1978, que foi acompanhado por aumento espetacular da criminalidade; uma nação que foi construída pelos ideais da cordialidade e da conciliação mudados recentemente para os mecanismos da vingança pessoal e impulsos agressivos incontroláveis, visto que nem o perdão nem a pacificação foram discutidos publicamente no término do regime militar.

Alba Zaluar
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Por fim, o enigma de uma violência brutal entre homens jovens que afetou muito pouco as mulheres e outras categorias de idade. Ao contrário dos conflitos étnicos que atingem a todos, no Brasil são os homicídios cometidos entre homens jovens que cresceram várias vezes nos anos 1980 e 1990. A fim de compreender isso, são utilizadas quatro dimensões: o contexto internacional do tráfico de drogas e de armas de fogo; a importância e os limites das explicações macrossociais sobre a criminalidade violenta que interage com os mecanismos transnacionais do crime organizado; a inércia institucional que explica a ineficácia do sistema de justiça; os processos microssociais ou as formações subjetivas sobre a concepção de masculinidade em suas relações com a exibição de força, dinheiro e armas de fogo.
Introdução
MEUS estudos sobre a violência urbana no Brasil me levaram a refletir sobre dois paradoxos e um enigma que se desenvolveram no país durante as últimas décadas, justamente no momento em que o país recuperava a democracia. O primeiro paradoxo: por que o processo de democratização, que começou em 1978, foi acompanhado por taxas crescentes de criminalidade, mais especialmente de homicídio entre homens jovens. O segundo: o de uma nação que foi construída pelos ideais da cordialidade e da conciliação e que mudou recentemente essas idéias depois da crítica de intelectuais importantes sobre a ausência de cidadania nelas. Porém, os mecanismos da vingança pessoal e os impulsos agressivos incontroláveis tomaram o seu lugar, visto que nem o perdão nem a pacificação foram discutidos publicamente no término do regime militar.
Por fim, o enigma de uma violência brutal entre homens jovens que afetou muito pouco as mulheres e outras categorias de idade. Ao contrário dos conflitos étnicos nos quais as mulheres, os idosos e as crianças são igualmente mortos ou violentados, no Brasil os crimes sexuais não aumentaram tanto quanto os homicídios, e esses são cometidos entre homens jovens, multiplicando-se várias vezes em muitos estados da República Federativa deste país. As taxas médias de homicídio entre homens jovens de quinze a 29 anos aumentaram assim em todo o país nos anos 1980 e 1990. No ano 2000, 93% dos casos eram de homens jovens mortos e apenas 3% de mulheres jovens nessa faixa de idade. Por quê?
A fim de compreender isso, utilizei três dimensões: a primeira vem sobretudo do exterior, isto é, do contexto internacional mais do que da dinâmica interna do Brasil; as duas outras, do interior do país.
Abordo, em primeiro lugar, a importância e os limites das explicações macrossociais sobre a criminalidade violenta, como a pobreza e a exclusão social, quando vista nas suas interações com os mecanismos transnacionais do crime organizado em torno do tráfico de drogas e de armas de fogo que desenvolveu uma interação perversa com a pobreza e a juventude vulnerável de muitos países.
Em segundo lugar, focalizo a inércia institucional que explica as violações persistentes dos direitos civis, bem como a ineficácia do sistema de justiça que tem raízes históricas profundas e se articula com o campo político.
Em terceiro, mas nem por isso menos importante, trata-se do olhar necessário aos processos microssociais dos homens jovens no tráfico de drogas. É necessário compreender as formações subjetivas sobre o valor e o respeito de um homem, isto é, a concepção de masculinidade em suas relações com a exibição de força e a posse de armas de fogo. É necessário também assinalar os processos institucionais de longa duração nesta reflexão. Assim se formam as práticas de violência policial contra os pobres em geral e as práticas sociais de violência dos jovens pobres entre si numa sociedade fragilmente governada pela lei e em um Estado que nunca teve o monopólio legítimo da violência. Sempre houve, no Brasil, um hiato entre os direitos formais, escritos na lei, e os realmente praticados. Desse modo, devem-se focalizar não apenas a letra da lei, mas principalmente os processos sociais, tais como as regras ou as práticas implícitas das ações dos atores.

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