domingo, 9 de dezembro de 2012

Lei de Meios: “Esperamos que a Corte Suprema resolva rapidamente”


Lei de Meios: “Esperamos que a Corte Suprema resolva rapidamente”

Em entrevista ao Página/12, Martín Sabbatella, diretor da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), fala sobre a sentença judicial favorável ao grupo Clarín contra a aplicação plena da Lei de Meios e sobre a estratégia do governo para reverter essa decisão na Corte Suprema argentina. "A decisão da Câmara Civil e Comercial foi contra o espírito da Suprema Corte e a desobedece", defende.

Buenos Aires - Martín Sabbatella teve uma das semanas mais intensas de sua carreira política. Ele ficou até a meia-noite do dia 7 de dezembro no edifício da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), apesar da decisão da Câmara Civil e Comercial, que prorrogou a medida cautelar do Grupo Clarín, impedindo o início da aplicação plena da Lei de Meios, sancionada há três anos. De bom humor e com poucas horas de sono, Sabbatella prefere apoiar-se na parte cheia do copo, ao invés de se deixar levar pelo sabor amargo da resolução judicial. 

Em entrevista ao Página/12, observa que mesmo depois de se conhecer a decisão da Câmara, sete grupos apresentaram seu plano de adequação, entre eles Telefe, o Grupo Prisa e a Cadeia 3. “A decisão da Câmara foi contra o espírito da Suprema Corte e a desobedece”, assegura o titular da Afsca, que deposita suas expectativas em uma pronta decisão do tribunal máximo do país.

Qual é a sensação depois de haver depositado tanta expectativa sobre o 7D?

O 7D é um dia muito importante para a aplicação da lei, apesar da resolução vergonhosa da Câmara. Todos os grupos, menos o Clarín, apresentaram seu plano de adequação. O objetivo do 7 de dezembro era que todos os grupos o fizessem antes deste dia e esse objetivo foi cumprido, exceto pelo Clarín. É um reconhecimento à lei e à Afsca como autoridade responsável por sua aplicação. Isso é uma coisa óbvia, mas é o reconhecimento do conjunto dos empresários, da imensa maioria, de que a lei é igual para todos e que ninguém pode ter tratamento diferenciado. Até o sócio mais importante do Clarín, Fintech Advisory, apresenta-se e diz que não quer ser arrastado para a ilegalidade. Além disso, se colocou em marcha o primeiro canal mapuche em Bariloche, o que traduz a essência da lei, relacionada a que todos possamos ter direito à palavra, que todas as tradições e culturas de nosso país possam se expressar.

O que ocorre agora com os grupos que não têm cautelar?

Ainda não tomamos uma decisão. Até agora temos trabalhado na análise dos planos de adequação. Certamente que o espírito da Afsca sempre foi que ninguém tenha tratamento diferenciado e que as regras sejam iguais para todos. Esperamos que a Corte resolva rapidamente essa situação, porque nos parece sinceramente uma barbaridade o que ocorreu na Câmara. Essa situação ratifica o que vínhamos dizendo: a conivência de uma parte da Justiça com grupos econômicos corporativos. E também demonstra uma questão mais profunda, a saber, que uma grande parte da Justiça não está preparada para enfrentar as corporações porque está colonizada por elas. Quando Néstor Kirchner disse que não ia deixar as convicções na porta da Casa Rosada, estava dizendo que as decisões são tomadas na Casa do Governo. Portanto, o povo é que as toma por meio de seus representantes e não o executivo de uma empresa ou o diretor executivo de um organismo internacional em Washington.

Distintos atores do Poder Judiciário apontaram a existência de pressões por parte do governo...

Esta é uma lei que está promulgada há três anos e não pode ser aplicada. Qual é a pressão do governo? Quem pressiona a Justiça? O que é evidente é que houve uma série de medidas que travaram a aplicação da lei, fruto da pressão das corporações. Quando falam de denegação da Justiça, deveriam dizer a quem se denegou o direito de ter justiça? À sociedade argentina, que não pode ter uma lei que democratiza a palavra e garante o direito à informação. Não pode se por em igualdade de condições o Estado e uma lei da democracia com um grupo que desafia a lei e o Estado de direito e quer passar por cima de ambos. O que a Argentina precisa é do triunfo da democracia acima dos interesses corporativos.

Qual sua expectativa em relação à Corte Suprema?

O ideal seria que a Corte resolvesse a questão de fundo. Há dois pedidos, um feito pela Afsca, solicitando a anulação da prorrogação da cautelar, e outro feito pelo gabinete da presidência pedindo o per saltum. As coisas não podem continuar do jeito que estão. Toda lei é constitucional até que uma sentença diga o contrário, caso contrário não há ordem jurídica possível. Se cada vez que um senador ou deputado perdesse uma votação ele fosse à Justiça a instabilidade institucional seria a regra. Seria impossível governar.

A oposição diz que se a Corte decidir a favor do Clarín o governo “irá contra a Corte”.

Não tenho nenhuma dúvida da constitucionalidade da lei e de que isso termina com sua aplicação. De modo que esperamos que a Corte resolva rapidamente. O que se pede à Corte, que gerou muitas expectativas com sua renovação, é que esteja à altura das demandas das instituições da democracia. Além disso, a Corte já falou primeiro de um tempo razoável para a cautelar, depois se deu conta de que isso não bastava e estabeleceu um limite concreto. Disse inclusive que não há risco para a liberdade de expressão e que a lei deve ser aplicada para além da resolução da questão de fundo. A Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedeceu. Isso é gravíssimo. A Justiça tem que prevalecer e se libertar das pressões corporativas, porque a nossa democracia necessita disso.

Vendo as críticas que se fazem sobre a lei, tanto sobre seu texto quanto à sua aplicação, elas estão ligadas ao caso de Telefe. Para além da questão meramente jurídica, se a Telefônica da Espanha controla a Telefônica da Argentina e também controla a Telefe, por mais que estas duas últimas não estejam vinculadas entre si, isso não atenta contra o espírito da lei que excluiu prestadores de serviços públicos do mercado da comunicação?

No caso da Telefe nós consideramos três temas. Um vinculado aos capitais estrangeiros, no qual se remete à lei de bens culturais, que esclarece especificamente que as empresas constituídas antes de sua sanção estão isentas desse requisito. Outro tema diz respeito à cota de mercado de 35%, em relação ao qual reconhecem que excederam esse índice e apresentaram sua proposta de adequação. Agora, em relação ao tema do serviço público, para definir a incompatibilidade da lei pede-se que haja relação entre controlador e controlada. A Telefônica da Argentina não tem essa relação com a Telefe. Alguém pode dizer que lei deveria esclarecer que, se compartilham o mesmo fundo de investimento, deveria ser um caso de incompatibilidade, mas não o faz. E nosso papel é aplicar a lei. Temos que ver se os planos de adequação de cada um dos grupos cumprem ou não os requisitos previstos. A Afsca tem 120 dias para analisar esse tema. Dentro desse prazo, há dez dias para correções e observações que podem ser feitas pela Afsca ou pelo grupo em questão. E depois há 180 dias de prazos de execução.

Acredita que a lei pode não ser aplicada antes do término do governo de Cristina Fernández?

Não tenho nenhuma dúvida de que a estratégia do Clarín é não cumprir a lei, sustentar sua situação de privilégio e seguir lesando o direito à informação. Para isso, buscam qualquer estratégia que possam utilizar, construir cenários políticos para conseguir fazer isso. Esse é o acordo concreto que tem com o arco opositor, ainda que seja evidente que tem um problema grave, a saber, todo esse arco opositor não se constitui como alternativa no país porque não tem um projeto. A única coisa que os une é o fato de se oporem ao governo. Muitas vezes esse arco opositor termina expressando a defesa dos interesses corporativos, vergonhosamente, porque em muitos casos contradizem sua própria história, sua identidade constitutiva.

Você disse que a lei é necessária para garantir o acesso à informação. Por que não se avança com uma lei neste sentido?

Eu apresentei um projeto de lei. São temas que o Parlamento tem que seguir debatendo. Creio que são importantes, sim. Seria preciso perguntar ao Congresso.

Hoje será realizado um festival na praça de Maio, pensado para festejar a aplicação plena da lei. Qual o sentido de realizá-lo depois do que ocorreu na sexta-feira?

Agora, mais do que nunca, precisamos nos encontrar para festejar com alegria um momento histórico do país, de grandes transformações. Em todo o país, vai se celebrar o Dia Internacional dos Direitos Humanos e os passos que estão sendo dados na direção da aplicação da lei, os avanços da democracia e deste projeto nacional, popular e democrático. Também é preciso acumular força para seguir fazendo o que estamos fazendo. Creio que vai ser uma grande festa popular. As corporações querem que não se aplique a lei. Agora, se também querem que o povo não possa sair à rua para viver com alegria uma data importante estão bastante equivocados. Não vão nos tirar a alegria ou a possibilidade de nos expressarmos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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