segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Para não falar que não critiquei a política econômica de Dilma


DEBATE ABERTO

Para não falar que não critiquei a política econômica de Dilma

Discordo da política oficial no tocante ao tipo adotado de iniciativas de retomada dos investimentos em logística. Como se sabe, investimentos nessa área – rodovias, ferrovias, hidrovias e portos – são de fundamental importância para sustentar o crescimento econômico a médio e longo prazos.
Como milhões de brasileiros, portanto sem qualquer pretensão à originalidade, estou entre os que se animam com a forma como a Presidenta Dilma vem conduzindo a economia no meio da crise financeira dos países ricos. Ela tem acertado no varejo e no atacado. Internamente, conciliando a política de distribuição de renda a favor dos pobres e a necessidade de ampliar o mercado interno, tem dado passos decisivos para impedir, enquanto possível, uma desaceleração maior da economia. Externamente, sua posição crítica em relação aos países ricos, que se recusam a fazer uma política de investimentos, ajuda a criar uma consciência global positiva como eixo para a superação da crise.

Entretanto, discordo da política oficial no tocante ao tipo adotado de iniciativas de retomada dos investimentos em logística. Como se sabe, investimentos nessa área – rodovias, ferrovias, hidrovias e portos – são de fundamental importância para sustentar o crescimento econômico a médio e longo prazos. A curto prazo, representam o componente mais eficaz para superar ou evitar a recessão. A estratégia adotada pelo Governo para acelerar os investimentos nesse setor, e especialmente em rodovias, optou pelo regime de concessões à iniciativa privada com fortes subsídios públicos. Não sou contra subsídios em áreas essenciais. Sou contra sobrecarregar a infraestrutura com tarifas privadas em geral escorchantes.

Como rescaldo do receituário neoliberal que prevaleceu soberanamente até a crise de 2008, formou-se uma espécie de unanimidade pela qual o setor público, supostamente sem recursos, teria de recorrer à iniciativa privada para induzir investimentos prioritários de infraestrutura. Nas telecomunicações e no setor elétrico, em parte, assim como nos portos, isso tomou a forma de venda de ativos públicos amortizados por preço irrisório. De qualquer modo, previa-se que investimentos novos em nível adequado seriam realizados pelos concessionários. Não vou discutir aqui a efetivação desses pressupostos, apenas registrar que, no setor de telecomunicações, estamos com um dos piores e mais caros serviços do mundo.

O ponto que quero ressaltar diz respeito a concessão para investimentos novos em rodovias, objeto de uma recente decisão do Governo. Trata-se de um equívoco. O setor de rodovias tem características muito diferentes de outros serviços de infraestrutura. Ele está na base de praticamente todas as cadeias produtivas. Na área elétrica e de telecomunicações, o serviço é cobrado pelo uso ou por sua disponibilidade, uma vez por todas. 

É o equivalente a um imposto (privado) linear cobrado de quem pode pagar, sendo que apenas parte dele é transferida aos preços da cadeia produtiva; o resto é imposto de consumo comum de quem usa o serviço elétrico ou de telecomunicações.

No caso da rodovia o imposto (pedágio) incide sobre toda a cadeia produtiva de bens, equipamentos e insumos em circulação. Uma parte pequena é de consumidores finais. Naturalmente que todo custo que incide sobre uma cadeia produtiva é transferido aos preços, sendo esses últimos pagos pela sociedade, pobres e ricos. A privatização das rodovias, portanto, implica um encarecimento deplorável da infraestrutura logística brasileira, comprometendo nossa competividade internacional e elevando os preços das mercadorias negociadas no mercado interno. É um erro, sobretudo considerando que o pedágio contém uma margem considerável de lucro (até 30% em alguns casos) do concessionário.

Quem sugeriu essa estratégia à Presidenta deve ter sido um epígono neoliberal que se esqueceu de informar a ela que nos Estados Unidos, o campeão mundial da privatização, não há mais que 2% de rodovias privadas em relação às públicas. Na Itália são 3%. Em ambos os casos há uma rodovia pública ao lado da privada, gratuita, em bom estado de conservação, que serve de alternativa ao motorista. No nosso caso, as concessões monopolisas já são 4% das rodovias, e esse número se elevará a 7% caso as novas concessões sejam efetivamente realizadas. 

Além disso, todo o modelo proposto induz ao encarecimento do serviço rodoviário. O sistema tarifário é de tarifa pelo custo, o que seria muito bom se o investidor não tratasse de superfaturar o custo para ter tarifa maior. Se o fluxo de veículos previsto não se efetivar, certamene a agência reguladora autorizará a majoração do pedágio. O grave é que não precisamos disso. O Governo tem recursos para investir em rodovias. O dinheiro está sobrando: de R$ 16 bilhões orçados este ano, só serão gastos uns R$ 7 bilhões, por incompetência dos órgãos executores. Mais do que isso, o Governo zerou a Cide, o imposto vinculado a investimentos logísticos, por entender que havia recursos demais no orçamento ordinário. 

Ora, é um contrassenso em tempo de crise mundial. Muito mais prudente e eficaz seria voltar a implementar um programa rodoviário a fundo perdido com os controles necessários para impedir malversação.

(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário