segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Renda só não basta


Sem paredes. A casa de Rosana, que mora com a filha Maria Vitória em Teresina, não tem telhado nem paredes completas: "Se chover, fica toda molhada, mas aqui está muito seco"

Cássia Almeida e Lucianne Carneiro
Mais de um terço da população ganha acima do básico, mas sofre carências sociais
Rio e Teresina Não é só renda que conta para se ter uma vida digna. Num entendimento mais amplo da pobreza, o IBGE uniu carências sociais às de renda e verificou que 22,4% da população podem ser considerados vulneráveis, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2012, divulgada ontem pelo instituto. Acesso a educação, seguridade social, a domicílio decente e a serviços básicos, além da renda, compõem o indicador de vulnerabilidade calculado pela primeira vez pelo IBGE. Se forem considerados os brasileiros que têm renda suficiente (ou seja, ganham mais do que R$ 370 por mês), porém sofrem com algum tipo de carência social, chega a 36% a parcela de brasileiros em situação precária. São 66 milhões de brasileiros na população de 184 milhões que vive em domicílio permanente.
Segundo a publicação, "foram selecionado indicadores de carências sociais que identificam elementos mínimos de direito, sem os quais não se pode assegurar que as pessoas possam exercer sua dignidade, segundo o marco jurídico nacional".
- Fizemos uma abordagem de direitos humanos, de direito a uma vida digna, que tenha proteção em caso de doença ou desemprego, uma janela de oportunidade de alcançar uma ocupação mais qualificada com acesso à educação e condições dignas de habitação - afirmou Barbara Cobo, pesquisadora do instituto.
"mais fácil reduzir pobreza de renda"
O professor da UnB e especialista em pobreza e desigualdade Marcelo Medeiros, diz que essa forma de medição da pobreza é o caminho do Brasil, que já venceu a fome e deve levar à pobreza extrema a níveis residuais.
- Os números mostram que o acesso a serviços públicos não acompanhou o excelente desempenho da economia. O ideal é que o Estado fosse na frente. Ninguém está ignorando as melhoras que houve, mas poderiam ter sido muito maiores.
A situação melhorou quando se olha para dez anos atrás, segundo a coordenadora geral da Síntese, Ana Saboia. Ela exemplifica com a parcela de 58,4% da população que sofria com pelo menos uma das carências listadas. Há dez anos, a participação desse grupo era de 70,1%:
- Houve uma melhora muito grande nesses indicadores.
Diante do diagnóstico de que a pobreza não se restringe à questão da renda, o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA/RP) Daniel dos Santos diz que o desafio para reduzi-la é ainda maior:
- É muito mais fácil reduzir pobreza de renda do que lidar com outras carências, como educação e acesso a serviços públicos, por exemplo. A renda é mais volátil, é mais fácil de subir, uma canetada resolve ao se entregar um cartão para cada um que precise de aumento de renda. Já melhorar a educação é um processo mais longo e que exige mais perseverança.
O acesso a serviços básicos do domicílio foi a principal carência identificada, um reflexo da baixa cobertura do saneamento básico no Brasil. Da população, 32,2% não têm acesso a serviços como saneamento adequado, água encanada, lixo coletado ou luz elétrica. Em 2001, eram 40,9% da população.
O atraso educacional melhorou na década estudada. Baixou de 39,3% para 31,2%. O acesso à seguridade social, com a formalização do mercado de trabalho e a ampliação dos programas sociais, ai,emtpi, mas ainda não é realidade para 21,3% da população. Em 2001, eram 36,4%.
Na fragilidade de renda, são 29,8% contra 30,2% uma década antes. Com esses indicadores, o IBGE constatou que apenas 34,2% da população podem ser considerados não vulneráveis.
A casa de Rosana Dias, de 24 anos, no povoado Árvores Verde, na zona rural de Teresina, é como na canção de Vinícius de Moraes: não tem paredes completas, não tem telhado, não tem nada.
Seu marido, o pedreiro Alexandre Vieira Cardoso, ganha uma média de R$ 700 por mês, mas não tem emprego formal. O casal tem uma filha, Maria Vitória, de cinco meses, e uma casa praticamente aberta porque as paredes de taipa (argila) não estão complestas e o sol e a chuva entram pelos dois únicos cômodos. O único eletrodoméstico na casa é um geladeira velha.
A família não tem fogão (os alimentos são preparados num fogareiro improvisado de tijolos no chão), nem televisão.
- Se chover a casa vai ficar toda molhada por causa dos ventos, mas no Piauí está muito seco e não está chovendo - diz Rosana, que estudou até o 3º ano do ensino fundamental.

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