terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Uma época de grandes brasileiros


DEBATE ABERTO

Uma época de grandes brasileiros

A morte de Oscar Niemeyer nos leva a lembrar um dos episódios mais relevantes da história da luta por um Brasil melhor. Com as ideias de Anísio Teixeira, a genialidade de Darcy Ribeiro e Maria Yedda Linhares, sob a liderança de Leonel Brizola, criou-se, no início dos anos de 1980, no Rio de Janeiro, uma projeto emancipador de educação.

A morte de Oscar Niemeyer nos leva, para além das homenagens de praxe, a lembrar um dos episódios mais relevantes da nossa história presente e a sua participação na luta por um Brasil melhor. Com as ideias de Anísio Teixeira, a vontade e a genialidade de Darcy Ribeiro e Maria Yedda Linhares, sob o manto visionário de Leonel Brizola, criou-se, no início dos anos de 1980, no Rio de Janeiro, uma projeto emancipador de educação – bombardeado pela direita demófoba e ignorado pela esquerda. Eram os CIEPS, um expressão da doação de Niemeymer ao povo brasileiro!

A educação é uma meta política!
Anísio Teixeira

Coube a Anísio Teixeira a criação da Universidade do Distrito Federal/UDF, em 1935, a partir de um projeto de educação democrática, laica e igual para todos. O analfabetismo, e além disso, a ignorância da massa populacional brasileira – em face de uma elite que estudava em colégios religiosos de língua francesa – era visto, então como hoje, como a chave da reprodução das desigualdades sociais. Anísio Teixeira (1900-1971) buscou na criação da UDF uma ferramenta de “formação de professores” que deveria irradiar suas ações para todo o país e, daí, superar o entrave básico da miséria: a ignorância. 

Era, ainda, uma “quase” resposta “nacional”, menos elitista, – ou getulista? – à criação da USP em 1934, que deveria reunir a elite paulista derrubada de décadas de controle social pelo getulismo em ascensão. Longe deste debate, para o “Dr. Anísio” tratava-se, com certeza, de um projeto político dotado de outro sentido, de uma meta emancipadora e popular: "Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra", insistia o “Doutor Anísio”. Na UDF estavam grandes intelectuais do país como Brochado da Rocha, Afrânio Peixoto, San Thiago Dantas, Afonso Pena Jr. E claro, seu idealizador, Anísio Teixeira. Uma missão francesa foi buscada para a instalação dos novos cursos com nomes do calibre de Francis Ruellan, Henry Hauser, Eugène Alberti e Jacques Perrot. Contudo, de forma bíblica, o criador e a criatura não se mostraram fiéis. Já em 1937 a UDF era fechada no bojo da repressão que se seguia a proclamação do Estado Novo e, em seu lugar, surgiria, em 1938, a Universidade do Brasil, conservadora e repleta de expoentes do estadonovismo de Vargas. Claro, que muitos dos espíritos livres, dos homens verdadeiramente de ideias, já não poderiam lá lecionar, entre eles o seu criador, Anísio Teixeira.

A educação emacipadora e seus inimigos

Maria Yedda, que começara seus estudos na UDF e acabaria indo para Columbia, para o Barnard College, onde participara de projetos populares de educação no âmbito do New Deal de F.D. Roosevelt, retornava ao Brasil e envolvia-se, na criaçãoda UNE, em várias propostas de educação popular. Lutou pela redemocratização do país participando ativamente da fundação da UNE, da qual foi sua primeira diretora do Departamento de Cultura. Em 1946, com o curso já completo de “História e Geografia”, seria chamada por Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) – um intelectual singular para criar a “cátedra” de História Contemporânea. Delgado de Carvalho pode ser, com justiça, considerado o fundador dos estudos contemporâneos no Rio de Janeiro e, creio, sem erro, de tais estudos no Brasil. Aí, na UB, retoma o projeto de Anísio Teixeira de uma educação emancipadora e popular, iniciando um largo combate contra o reacionarismo universitário que culminaria nas cassações de 1964 e 1969.

Enquanto a noviça USP dedicava-se, de forma aprofundada, sob a égide de professores como Alice Cannabrava e Eduardo França de Oliveira, aos estudos de História do Brasil, no Rio de Janeiro a tradição do IHGB e a presença obsedante e obliterante de Hélio Vianna impediam estudos realmente valiosos de História do Brasil [1]. Neste vácuo Delgado de Carvalho conseguiu implantar com sucesso, e de forma autônoma, a “cadeira” de História Moderna e Contemporânea [2]. Na UDF e na Universidade do Brasil, sua sucessora, a presença/ausência de Anísio Teixeira foi insuperável em razão dos objetivos e métodos que puderam, bem ou mal, sobreviver ao seu fundador. 

A ideia da educação como a busca da justiça social seria, apesar de tudo, um marco da nova universidade em especial na “Filosofia”. Por isso, as metas da UDF, e depois da UB, seriam sempre a formação de professores. Como fazer uma revolução educacional, libertadora, capaz de acelerar a emancipação social, se não havia professores suficientes? Era necessário – e aqui ouvimos as palavras do “Doutor Anísio” formar professores e estes professores deveriam ter a consciência de sua missão emancipadora e superadora da desigualdade social. Essa será a missão da UDF e, quando extinta, a “tarefa” da Faculdade Nacional de Filosofia/FnFi. Missão e tragédia, posto que a formação de professores críticos, voltados para a emancipação social, será a razão maior para o desmonte brutal da FnFi pelo regime de 1964. 

Da “escola-parque” aos CIEPS

Com o “Doutor” Anísio, como todos o chamavam, Maria Yedda e, mais tarde, Darcy Ribeiro – que vinha de outra tradição, a USP, onde conviveu com Claude Lévi-Strauss - voltaram-se intensamente para a questão da formação de professores e que iria marcar, como afirmamos, a docência na antiga FnFi. Ambos, Darcy e Yedda, voltaram ao projeto educativo do “Doutor Anísio”, amigo e conselheiro mais velho, o responsável pelo projeto emancipador da “Escola-Parque”, ainda em Salvador, e também o imenso programa de escolas públicas organizado no governo Pedro Ernesto no Distrito Federal, entre 1931-1936, no âmbito do “Movimento da Escola Nova”. Anos mais tarde, durante a redemocratização do Brasil (nos anos de 1980), Darcy e Maria Yedda assumiriam as responsabilidades pela Educação no Governo Leonel Brizola. Lançaram, então, o projeto de uma escola republicana, laica, obrigatória e de tempo integral para as crianças: os CIEPs. Na entrega à população do primeiro CIEP, após dias e noites – noites que passei em claro, cuidando de detalhes do prédio construído por Niemeyer – de intenso trabalho e críticas classistas de toda a imprensa, pude então ouvir Darcy ecoar, longe e perto, as ideias do “Doutor” Anísio: “Quanto mais pobre e carente sejam nossas crianças, mais ricos devem ser os instrumentos educacionais colocados ao seu alcance”. Praticávamos, então, a “Educação Emancipadora”.

A chance perdida

Neste mesmo dia um grande jornal carioca dizia em seu editorial: não 
precisamos de escolas “faraônicas”, precisamos de mais presídios (sic)! Havia, então, uma crítica furibunda contra a arquitetura “ soviética” de Niemeyer, sobre os “gastos” faraônicos com “escolões”, desdenhando o fato de se gastar dinheiro – e tanto dinheiro! – com pobres. Niemeyer manteve-se incrivelmente sereno, lembrando Anísio Teixeira, e reafirmando, em voz baixa e segura: as crianças merecem tudo de bom!

O mais incrível do – falso! – debate era o fato de que a moderna, bela e digna arquitetura dos CIEPS não era cara: com seus blocos em concreto, pré-moldados, a construção era rápida e eficaz, modelada em uma planta única. A oposição residia, em verdade, em serem escolas para “pobres!”.

A grande contribuição de Anísio Teixeira, presente nos “escolões” de Brizola, foi, sem dúvida, a crença que ele implantou, de forma generosa, nos corações dos amigos e alunos: somente a educação, a educação para todos, vence e supera a desigualdade social. Tratava-se, de forma clara e inspirativa, pela vez primeira, de dar “voz” aqueles condenados, pela miséria e pela ignorância, à opressão. Esta era a natureza da Educação Emancipadora, como queria Anísio Teixeira. Assim, a formação de professores compromissados com a mudança, o projeto inicial da FnFi, e as grandes escolas públicas, das escolas de Pedro Ernesto até os CIEPs, foram pensadas como resposta para a questão da superação do subdesenvolvimento. A presença de Anísio Teixeira – que se estendera nos anos de 1950-1960 na CAPES, no INEP e na idealização da UnB - foi uma marca insuperável na formação da UDF, da FnFI e, por fim, no projeto dos CIEPs. Nem sua estranha morte apagou esta presença [3].

Eram tempos de luta e ali estavam, juntos, Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro, Maria Yedda Linhares, Leonel Brizola e, pairando sobre todos, como um deus tutelar, Anísio Teixeira.

NOTAS

[1] Helio Vianna, filho de um comendador mineiro nascido em 1908 em Belo Horizonte, formou-se em Direito na antiga Faculdade Nacional de Direito, do Rio de Janeiro, mais tarde incorporada a UDF e Universidade do Brasil – e suas aulas e seu livro-texto guardaram sempre seu leguleio e apego ao formalismo, longe da heurística da História. Integrou-se, a convite de Plínio Salgado em 1931, na Ação Integralista Brasileira/AIB, onde era responsável pela versão integralista de textos e cursos de História do Brasil, chamada então “História pátria”, criando uma vulgata fascistizada da “História Nacional”. Com Lourival Fontes criou, e foi redator, da revista “Hierarquia”, onde defendia ideias e soluções de extrema-direita para o Brasil. Em 1939, em pleno Estado Novo, e graças a suas relações com o diretor do DIP, foi nomeado o primeiro catedrático de História do Brasil da FnFI. No cargo manteve uma postura repressiva a qualquer tentativa de organizar um setor de pesquisa, considerando seu livro “História do Brasil: 1822-1937”, que seguia, ainda em 1945, sua “História do Brasil Colonial”, como texto acabado e insuperável da História do Brasil. As características do ensino de História do Brasil, sob Helio Vianna, pontuavam claramente o ideário fascista do Integralismo: as origens puramente europeias do Brasil, a invisibilidade de índios e negros – exceto nas fantasias nacionalistas típicas do Integralismo para os índios – e uma grande ênfase nos chamados “Movimentos Nativistas”, pressupondo teleologicamente a existência de um Brasil desde a Aclamação de Amador Bueno até a instalação do Estado Nacional em 1937.

[2] Ver DO VALE, Nayara Galeno. Delgado de Carvalho e o Ensino de História: livros didáticos em tempos de reformas educacionais (1931-1946). Dissertação de Mestrado, PPGHIS/UFRJ, 2011.

[3] Vou aqui reproduzir um trecho de uma popular enciclopédia digital sobre a morte do “Doutor Anísio” visando marcar, não esquecer, as condições do ocorrido: “...Depois da última visita, ao lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Anísio desapareceu. Preocupada, sua família investigou seu paradeiro, sendo informada pelos militares de que ele se encontrava detido. Uma longa procura por informações teve início — repetindo um drama vivido por centenas de famílias brasileiras durante a ditadura militar. Mas, ao contrário das desencontradas informações e pistas falsas, seu corpo foi finalmente encontrado no fosso do elevador do prédio do imortal Aurélio, na Praia de Botafogo, no Rio. Dois dias haviam se passado de seu desaparecimento. Seu corpo não tinha sinais de queda, nem hematomas que a comprovassem. A versão oficial foi de "acidente". Calava-se, para um Brasil mergulhado em sombras, uma voz em defesa da educação — portador da "subversiva" ideia de um país melhor. Era o dia 14 de março de 1971” In:http://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADsio_Teixeira

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