sábado, 31 de agosto de 2013

SP: Estéticas das Periferias começa hoje


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Em cinco dias, mais de 150 atrações, encontro quer ser travessia das várias culturas e linguagens da cidade. Outras Palavras vai participar de cobertura colaborativa
Da Redação
Elementos da mistura cultural da periferia de São Paulo estarão reunidos nos próximos dias, com entrada gratuita. Do Auditório do Ibirapuera à Cidade Tiradentes. Em sua terceira edição, o evento Estéticas das Periferias, idealizado pela Ação Educativa, curadoria de diversos artistas, produtores culturais da cidade e cada vez mais parceiros, começa já na tarde de hoje.
Serão 43 espaços culturais, 40 deles nas periferias e subúrbios. Destaque para os 16 CEUS, 8 Fábricas de Cultura, os roteiros do Ônibus- Biblioteca, CCJ,CFC de Cidade Tiradentes e CC da Penha. Consequentemente, as atividades também se multiplicaram: serão mais de 150 atrações espalhadas por toda a cidade. Hoje tem Treme Terra, Ilú Obá de Min, conversa com Toni C, Sarau do Binho, oficina de literatura com Allan da Rosa, entre outras. Baixe aqui o PDF da programação ou acesse o mapa das atrações no site.
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Na abertura, peça “Orfeu Mestiço”, do Treme Terra, vai interagir com outros grupos musicais
Outras Palavras vai participar da cobertura colaborativa das atividades, junto com outros coletivos de mídia – Periferia em MovimentoRevista Vaidapé, Coletivo Campana -, indivíduos independentes, além da equipe da comunicação da própria Ação. Qualquer um pode participar escrevendo para esteticasdasperiferias@acaoeducativa.org.
Em manifesto, o encontro se expressa:
“‘A vida é diferente da ponte pra cá’, diz os Racionais MC’s.
‘Nóis é ponte e atravessa qualquer rio’, desafia o poeta Marco Pezão.
A ponte é ao mesmo tempo metáfora do encontro e da separação. A Mostra Estéticas das Periferias quer a travessia, de lá para cá, de cá para lá, depende de onde se está.
Buscaremos o fluxo, o encontro, o diálogo. Queremos explorar conexões e conflitos, armas tramas urbanas. Artistas do Centro e da Periferia: Uni-vos!”

Enfim, Brasil começa a reconhecer agroecologia

 29 DE AGOSTO DE 2013

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Governo prepara-se para lançar Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Iniciativa é ainda tímida, mas já desperta ira dos monocultores
Por Najar Tubino, na Carta Maior
O governo federal lançará em breve o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), depois de mais de um ano de discussão com dezenas de entidades da sociedade civil e representantes de 10 ministérios. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas disse que o plano será importante não só para a agricultura familiar, mas para todo o país. Os investimentos em 134 iniciativas envolvendo 14 metas dentro de quatro eixos principais – produção, uso e conservação de recursos naturais, conhecimento, comercialização e consumo. O secretário Valter Bianchini, da Agricultura Familiar do MDA disse em Botucatu recentemente que o Planapo contará com um volume importante de recursos, na ordem de R$7 bilhões, e contará com diretrizes definidas até 2015. A Política Nacional de Agroecologia foi definida pelo decreto 7.794 no ano passado.
É um marco fundamental para o país, onde o agronegócio, por sua importância econômica, dita regras e condicionantes por todo lado. Recentemente um grupo de pesquisadores, dois deles ligados à Embrapa e um à Unicamp, lançaram as “Sete Teses do Mundo Rural”, uma cantilena que mais parece um panfleto da TFP – Tradição, Família e Propriedade –, de tão rançoso. Além do tradicional deslumbre da modernização da agricultura, que vive novos tempos, de inovação tecnológica acima de tudo, e consequente mudanças sociais, ditadas pela monetarização, o arrazoado decreta a falência das propriedades familiares, o fim da reforma agrária e define como quimérica e absurda a proposta de difundir as tecnologias chamadas alternativas.
Reforma agrária já era
“Em nenhum momento da história agrária os estabelecimentos rurais de menor porte econômico estiveram tão próximos da fronteira da marginalização… 2/3 dos estabelecimentos, quase três milhões de unidades, se apropriam de magros 3,3% da renda bruta do setor.” Esse é um dos trechos mais brilhantes das teses. Mas tem outro ainda mais revelador: “a história não terminou, mas o passado vai se apagando, desaparecem as teses sobre o campesinato, desaparecem alguns termos do passado, entre os quais a reforma agrária. O tema da reforma agrária perdeu sua relevância e a insistência, e correspondente alocação de recursos, em ações estatais nesse campo não encontra nenhuma justificativa razoável”.
É uma beleza. O Censo do IBGE, de 2006, o primeiro que coletou dados sobre a agricultura familiar no Brasil, aponta um número superior a 12 milhões de pessoas vivendo em mais de quatro milhões de estabelecimentos rurais, ocupando uma área de 80 milhões de hectares. Certamente estão todos condenados, na visão desses pesquisadores, especializados no “mundo rural”. Que na verdade é um mundinho de uma elite no país, muito poderosa, que movimenta bilhões de reais por ano – somente na exportação de carne foram quase seis bilhões de dólares em 2012. A soja envolve mais de 30 bilhões de dólares. É um mundo financiado por tradings internacionais, conhecidas pelas letras ABCD – de ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.
Falência de milhões
Vamos dizer que esse é o capitalismo na versão rural. Mas daí a decretar a liquidação da agricultura familiar que abastece o mercado interno e envolve milhões de pessoas já é um pouco acima da cota do razoável. Porém, é sintomático. Porque as Sete Teses foram lançadas justamente na hora que o governo federal lançará o Planapo. No momento em que os sojicultores comemoram 10 anos de implantação da inovação da Monsanto no mundo, e que depois de vencida a validade da patente, lança a segunda semente. Inclusive o próprio ministro da Agricultura brasileiro foi à China numa comitiva do agronegócio argumentar a favor da tecnologia da múlti. E ao mesmo tempo, a mesma Monsanto desistiu de produzir semente transgênica na União Europeia, seguindo a BASF, que já havia transferido seu centro de pesquisa da Alemanha para os Estados Unidos, concentrando seus negócios nas duas Américas.
Uma faceta do agronegócio todo mundo conhece – a produção intensiva – só é viável pela aplicação de fertilizantes químicos e de agrotóxicos. O que a Monsanto, Basf e Syngenta produziram nos últimos tempos foi uma semente frankenstein, onde o próprio veneno faz parte da planta. Porque as corporações vendem o veneno também. Por outro lado, se os resíduos de agrotóxicos causam doenças, principalmente vários tipos de câncer, as mesmas empresas produzem remédios para tratar as doenças. É um ciclo virtuoso. E nada se descobre sobre a influência dos transgênicos na saúde humana porque ninguém pesquisa, muito pelo contrário, as corporações boicotam qualquer iniciativa nesse sentido.
Princípio e não receita
Por isso, elas temem tanto a agroecologia, que muito mais do que uma técnica de plantio saudável, envolve princípios éticos, que valorizam a vida em primeiro lugar, tanto nossa, como das outras espécies, integradas ao ambiente natural. Por isso, os pesquisadores ligados ao agronegócio, e eles são maioria, tentam sempre desmerecer ou desmoralizar os princípios ecológicos. Não são produtivos, não são eficientes, não rendem economicamente. O que já virou uma falácia, quando se sabe que os negócios orgânicos no mundo giram em mais de US$50 bilhões, sendo que os principais consumidores são americanos e europeus. E o orgânico, nesse caso, é o certificado, com selo, exige auditorias, custos extras e um mercado elitizado e de exportação.
No Brasil, onde se estima que 100 mil propriedades usem práticas ecológicas e de agricultura orgânica, existe o conceito de produto ecológico. Ele é produzido por um grupo de agricultores identificados, com técnicas conhecidas e discutidas com consumidores e entidades representativas da sociedade civil. A Rede Ecovida, no sul do país, é um exemplo. Tem mais de 300 organizações de agricultores familiares e de consumidores reunidas em 26 núcleos, envolvendo os três estados do Sul, e funciona desde 1998. A comercialização ocorre em feiras ecológicas. Que, hoje em dia, se disseminaram pelo Brasil. Em Pernambuco, por exemplo, são 52, 14 somente em Recife e região metropolitana. A maioria dos agricultores familiares é da Zona da Mata, mas as feiras estão presentes no sertão, no agreste e no São Francisco.
Venda direta e mais barato
A feira, do latim feria, dia de festa, é um evento que acompanha a humanidade desde os primórdios. No Brasil, o primeiro registro em São Paulo é de 1914. Na década passada eram 867 na capital paulista atendendo 900 mil pessoas. Não são todas ecológicas, mas muitos produtores vendem suas mercadorias diretamente aos consumidores, fugindo do esquema das redes de supermercados – as três maiores Walmart, Carrefour e agora Casino, ex-Pão de Açúcar. A feira tem preço melhor, produto melhor, é um espaço de convivência e de troca de experiências. Não está na estatística. Nem no controle das corporações. Muito da produção vendida nas feiras vem das centrais de abastecimento, as Ceasas, um sistema criado na época dos militares, e que na década de 1980 foi transferido aos estados e municípios. Um trabalho da CONAB sobre o volume de mercadoria que passa pelos 72 entrepostos do atacado no Brasil dá uma ideia do mercado interno – são 18 milhões de toneladas de frutas, verduras e legumes. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, embora perca 30% do campo até a mesa do consumidor.
A Associação das Centrais de Abastecimento encaminharam o Plano Nacional ao governo federal, com objetivo de melhorar a infraestrutura, fiscalizar os produtos, cuidar de embalagens, melhorar a sanidade, informar os produtores – são 22 mil cadastrados e 200 mil funcionários nos 72 entrepostos-, entre muitas outras coisas. Inclusive a criação de um índice geral de preços.
“-Nenhum dos institutos de pesquisa reflete diretamente as oscilações nas centrais de abastecimento… esta carência de informação e acompanhamento faz com que a natural sazonalidade na comercialização deste tipo de produto adquira proporções grandiosas gerando assim grande desconforto e desinformação a toda a população”. Diz o documento do Plano Nacional de Abastecimento. O tomate está aí para não deixar dúvidas.
Quanto vale o mercado interno de frutas, verduras e legumes, sem contar a produção vendida diretamente aos consumidores, e que não passa por centrais: R$21 bilhões, em 2011. Imagina se o Brasil fosse importar isso, ou seja, a balança agrícola é totalmente favorável, porque o mercado interno está abastecido. Com exceção do trigo – 50% importado – o resto é produção local. E, crescendo de 20 a 50% ao ano, a produção ecológica vai ganhando espaço. Um caminho traçado por centenas de organizações de agricultores e agricultoras familiares, por assentados e assentadas e por comunidades tradicionais quilombolas e indígenas. É o outro mundo rural, afinal, no campo não vivem apenas fazendeiros e sojicultores, muito pelo contrário, a maioria deles mora na cidade ou nas capitais do centro do país.
Enquanto os porta-vozes do agronegócio vão difundindo a ideologia retrógrada da “inovação tecnológica”, propriedade de uma única empresa, que tinha por meta transformar as sementes do mundo em vários tipos de frankenstein, o povo da agroecologia e dos assentados se organiza. No início do mês aconteceu o III Encontro Internacional de Agroecologia da América Latina em Botucatu (SP), com mais de dois mil participantes. Na mesma época a 12ª Jornada de Agroecologia do MST ocorria em Maringá e Paiçandu, no Paraná, com mais de três mil participantes. Em Luziânia, a partir do dia 15 de agosto, 800 delegados de 18 estados da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (FETRAF), se reuniram no III Congresso para discutir a diversidade da agricultura familiar, a organização produtiva, agroecologia, política para o semiárido e reforma agrária. No Brasil os assentamentos ocupam 43 milhões de hectares, a maior parte no norte e no nordeste.
Para não deixar de falar em inovação tecnológica a última na área da pecuária de corte: os confinadores, que engordam boi em 90 dias, vão usar anabolizante, ou como dizem os modernos – promotor de crescimento. Coisa que os americanos fazem há muito tempo. Justamente o diferencial do Brasil era a carne produzida com capim. Trocaram por uma arroba a mais – de inchaço na verdade –, em troca poderão perder metade do mercado externo. Totalmente inovador

Em crise de manutenção, Metrô-SP põe trens com falhas para circular


colisão metrô
Registros produzidos por condutores mostram que empresa ignora problemas de segurança em composições da mesma frota cujo trem descarrilou no início de agosto
Por Tadeu Breda
Voltaram se agravar, semana passada, os sinais de problemas crescentes na manutenção do metrô de São Paulo e de riscos concretos à segurança dos usuários. A Companhia do Metropolitano (Metrô)  ignorou falhas apontadas por funcionários e colocou em circulação, na noite da última sexta-feira (23), pelo menos um trem com defeito na Linha 3 Vermelha. A “solução” teria sido adotada para contornar um desfalque de sete composições no trecho, todas afastadas por problemas técnicos. Registros no diário de condutores e telas de monitoramento do sistema metroviário revelam ainda que, na semana passada, dois trens da chamada frota K foram retirados e recolocados em circulação pelo menos seis vezes em cinco dias – também devido a falhas.
A frota K possui 25 composições, que estão sendo reformadas desde 2010 pelo consórcio MTTrens, formado pelas empresas MPE, Temoinsa e TTrens – esta última envolvida nas denúncias de cartel em conluio com governos tucanos em São Paulo. Pertence a essa frota a composição que descarrilou na manhã do dia 5 de agosto, nas proximidades da estação Palmeiras-Barra Funda, na Linha 3 Vermelha. Havia passageiros, mas, felizmente, ninguém se feriu. Segundo o Sindicato dos Metroviários, o acidente foi provocado pela ruptura de uma peça chamada “truque” ou “truck”, termo técnico que designa o sistema composto por rodas, tração, frenagem e rolamentos do trem.
Devido ao acidente do dia 5, que atingiu a composição K07, o Metrô recolheu todas as unidades da frota K para testes e manutenções. A empresa, porém, voltou a colocar em operação duas delas – os trens K10 e K14 – na segunda e terça-feira, dias 19 e 20 de agosto. Um dia depois, na quarta (21), ambas voltaram a ser encostadas. Na quinta (22), entraram novamente em circulação. Com a persistência das falhas, detectadas pelos condutores e denunciadas ao controle operacional, no mesmo dia os trens foram recolhidos para novos testes. Os defeitos foram confirmados, e as máquinas permaneceram no pátio.
Na sexta-feira (23), porém, deparado com o afluxo de passageiros no horário de pico, o Metrô decidiu colocar novamente o K14 para atender os usuários – falhas constantes teriam deixado a frota da Linha 3 Vermelha com um desfalque de sete composições, e a eficiência do serviço estava comprometida. O K14, porém, não conseguiu operar dentro de limites aceitáveis de segurança e teve de ser encostado mais uma vez. Só que no meio da noite a empresa resolveu colocá-lo novamente para atender a população, mesmo com irregularidades. Ainda ontem (26), o K14 continuava apresentando defeitos. “Ruídos anormais” motivaram novo check up: um dos discos de freio estava solto.
Registros oficiais elaborados pelos condutores mostram que o K14 sofreu ao menos 16 falhas entre os dias 20 e 23 de agosto. No sábado (24) há registro de um defeito “grave”: o sinalizador de descarrilamento deixara de funcionar. Isso significa que, caso a composição saísse dos trilhos, como ocorreu no último dia 5, o condutor não seria avisado sobre o acidente e, portanto, não teria condições de acionar imediatamente os freios de emergência. Essa mesma falha ocorreu quando do último descarrilamento, um dos poucos na história do Metrô, e a pessoa que conduzia o trem só percebeu que havia algo errado quando viu usuários correndo pela passagem de fuga.
Isso mostra outra falha preocupante: a cabine tampouco sinalizou para o condutor que as alavancas da saída de emergência haviam sido acionadas, permitindo aos usuários que abrissem as portas, deixassem os vagões e descessem à via. Normalmente, o painel de controle tem de avisar o condutor sobre a abertura das portas. Uma das possíveis consequências desse tipo de falha fora observada no dia 5: apesar de descarrilado e com as saídas de emergência acionadas, o trem continuou em frente, danificando o trilho eletrificado, provocando curto-circuitos, estouros e fumaça, e colocando em risco a vida de passageiros e funcionários do Metrô.
Procurada pela reportagem para comentar as falhas, a empresa mais uma vez silenciou.

QUANDO A XENOFOBIA VESTE DE BRANCO.

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“Se ser ‘Ceará Moleque’ é vaiar médicos estrangeiros, afasto-me por inteiro de sua valia como modo de expressão, porque isto me cheira a fascismo
Por Rosemberg Cariry
(Este texto é dedicado ao Dr. Luiz Teixeira Neto e
à memória do Dr. Caetano Ximenes de Aragão,
dois médicos-poetas e humanistas,
que muito me ensinaram da vida e da solidariedade).
Um choque profundo, uma sensação de mal-estar, uma vontade de vomitar… Algo me atingiu em cheio, acho que não no corpo, mas no espírito. Não posso precisar o que senti naquele momento, em que vi, pela TV, o constrangimento que alguns médicos cearenses infligiram aos aqui aportados médicos estrangeiros, em franca ação de hostilidade. Esses senhores, vestidos de branco, em nome dos seus interesses corporativos e econômicos  fizeram um espécie de “corredor polonês”, por onde os médicos estrangeiros, que vieram para trabalhar pela saúde da população, nos mais distantes e miseráveis rincões do país, foram obrigados a passar, entre vaias e xingamentos. Talvez o melhor termo para traduzir o que senti seja a palavra VERGONHA. Acreditem, fui acometido de uma profunda vergonha, ao ver um ato de tamanha hostilização e incivilidade acontecer na minha terra, sob a tutela do Sindicato dos Médicos do Ceará. Pensei comigo: chegamos ao fundo do poço!
Posso compreender toda a mística que se faz em torno do “Ceará Moleque” e do sentido cultural do uso da vaia, ao longo de toda a nossa história. Porém, se ser “Ceará Moleque” é vaiar médicos estrangeiros, afasto-me por inteiro de sua valia como modo de expressão, porque isto me cheira muito mais a xenofobia e a fascismo.  Quanto ao significado deste ato, como ação política, podem os senhores sindicalistas ter a certeza de que atraíram para si o desprezo de milhões de cearenses e de brasileiros. Em todo canto deste imenso Brasil, nos últimos dias, não se comenta outra coisa, a não ser esta atitude vergonhosa.
Eu sou de um tempo em que os médicos eram conhecidos pela civilidade, pela erudição, pelo humanismo, pelo saber profundo que nascia de uma vocação, do ser e do construir-se na vida dentro de uma comunidade de destinos. A maioria destes médicos de boa cepa, pois, além de grandes profissionais, eram ainda homens que cultivavam as artes, que sabiam filosofia, que refletiam sobre a vida e o destino da humanidade, colocando a ética como um bem supremo.
Eram homens sábios, homens de tal grandeza, dos quais as comunidades se orgulhavam, chegando a nomear ruas e praças para que as futuras gerações deles se lembrassem, quando eles deixavam o nosso convívio. Quem na vida não conheceu um desses médicos, também escritores, poetas ou filósofos, com os seus ensinamento de caráter iniciático na vida e nas artes? Quem poderia imaginar um médico desta envergadura espiritual vaiando um colega estrangeiro, em um ato cheio de ódio e xenofobia? Impossível imaginar!
Mas o que acontece hoje? No Ceará, alguns médicos hostilizam, de forma escandalosa, estrangeiros com ameaças e xingamentos. É bem possível, que as universidades, sobretudo as universidade e faculdades particulares, fábricas de lucro e de técnicos destituídos de cultura e de humanismo, estejam produzindo estes “monstrinhos vestidos de branco”, analfabetos de qualquer humanismo, incapazes de ler a dimensão humana de um romance de Dostoievsky ou a metafísica de um conto de Guimarães Rosa. Falar em Darcy Ribeiro, Ariano Suassuna, Gilberto Freire, Graciliano Ramos ou Euclides da Cunha, perto deles, é falar em javanês. Pobres médicos-tecnocratas, jogados a um convívio viciado e naturalizado com a indústria farmacêutica, quantas vezes submetidos aos grandes laboratórios que, em nome do lucro e da ganância capitalista, erguem o seu reinado da morte, travestidos de tecnologias arrojadas e mascarados de patentes.
Quando vi estes jovens médicos, feito moleques incultos e incivilizados, vaiando e xingando os seus colegas estrangeiros de profissão, pensei comigo mesmo: esperem, mas não somos todos netos de estrangeiros? Não vivemos em um país que nasceu de um grande encontro de povos e culturas? Não é esta a grande característica do nosso país? Não é a generosidade e a hospitalidade o nosso maior tesouro? A cena brutal e humilhante imposta aos médicos estrangeiros, fez-me imaginar os nossos avós estrangeiros sendo vaiados, forçados a passar pela humilhação do xingamentos e do preconceito, nos corredores poloneses armados pelos “reacionários nacionalistas” da época (filhos também de estrangeiros).
Não devíamos receber estes irmãos cubanos, espanhóis, portugueses, ucranianos, venezuelanos, mexicanos e de tantos outros países, com água de coco e maracatu? Não devíamos recebê-los ao som de violas e rodas de coco? Não deveríamos aplaudir aqueles que quisessem ficar e ajudar na construção da grande nação, da mesma forma que fizeram os nossos avós, que aqui chegando, casaram-se com gente de todas as raças e nos fizeram mestiços e multiculturais? Não somos nós os herdeiros de mil e um povos e de mil uma culturas?
O que aconteceu no Ceará neste triste episódio ficará registrado nos anais da nossa história como o Dia da Vergonha, o dia em que o fascismo triunfou sobre a solidariedade e a universalidade que tem marcado, por definição cultural, o espírito do povo cearense e brasileiro.
Acredito que os médicos cearenses, humanistas e éticos, farão uma “Carta de Desagravo”, pedindo desculpas aos colegas estrangeiros que aqui chegaram. Da minha parte, como cidadão cearense, torno público que não compartilho com esta vileza e, em meu próprio nome, peço desculpas aos médicos estrangeiros hostilizados, acreditando que este pedido de desculpas é o pedido de milhões de cearenses e de brasileiros que padecem nos mais profundos sertões, praias, florestas e montanhas, sem médicos e solidariedade nenhuma por parte daqueles que deviam ter como missão o sagrado dever do amor e da solidariedade, acima da sede do lucro e da ascensão social.
Para concluir este meu simples ato de indignação, cito um fato cotidiano. Discutia o grave acontecimento com um motorista de táxi e dizia a ele que iria escrever sobre o assunto. Do alto da sua sabedoria, o motorista de táxi, aconselhou-me: “Escreva não. Um dia o senhor pode chegar em um hospital, cair nas mãos de um deles e eles podem desligar os aparelhos”. Eu que preparava-me para fazer duras acusações contra os “vândalos vestidos de branco”, terminei defendendo-os, quando de pronto respondi: “Nisto eu não posso acreditar! Sei sim, que estes médicos que hostilizaram os médicos estrangeiros, com vaias e xingamentos, agem como moleques, como xenófobos pequeno-burgueses e corporativistas, mas não acredito que as faculdades de medicina do meu país estejam também forjando potenciais assassinos”. Acreditar nisto seria descrer não apenas da medicina, mas da sua deontologia, como princípio e garantia de regulação ética das normas que regulam esta profissão, cunhada, desde os seus primórdios, para proteger e salvar a vida humana.
De qualquer forma, cito o fato, para que estes equivocados “médicos-moleques” saibam qual o conceito que terminaram por cravar no coração das pessoas, com tal espetáculo público de despreparo profissional.

Rosemberg 
Cariry 
é cineasta

Transporte: como reduzir a tarifa já


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Estudos da FGV demonstram: numa cidade como S.Paulo, imposto de R$0,50 sobre cada litro da gasolina baratearia a passagem em 40%
Por Oded Grajew*, no Rede Nossa São Paulo
O aumento no valor da tarifa prejudica a competitividade do próprio sistema de transporte coletivo.
Num círculo vicioso, o rápido aumento da frota de automóveis particulares provoca: a redução dos passageiros do transporte público, o aumento do custo devido aos congestionamentos e o consequente crescimento do valor das passagens.
Nas manifestações recentes ocorridas em todo o país, uma das principais cobranças dos cidadãos e das organizações da sociedade tem como foco o transporte público.
As reivindicações por melhora na qualidade dos serviços e redução do preço da passagem para os usuários motivaram os primeiros atos.
Entretanto, o desafio que se coloca com urgência é o de encontrar novas fontes de financiamento para o setor. Hoje, os usuários diretos dos serviços são os principais atingidos pelo alto custo da tarifa.
Nos últimos anos, a adoção de políticas e investimentos que priorizam o transporte privado em detrimento do transporte público gerou um sistemático encarecimento das tarifas.
Segundo um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as famílias brasileiras 10% mais pobres já gastam 10,7% da renda com transporte público. Já as 10% mais ricas aplicam apenas 0,5% para esse fim.
O mesmo trabalho registrou que, entre os brasileiros com menor renda, cerca de 30% não usam o transporte coletivo por falta de dinheiro para pagar a passagem.
O transporte individual motorizado é o principal gerador de acidentes nas cidades.
O uso desmedido do carro gera maior poluição atmosférica dos gases do efeito estufa –o que, além de danos ambientais, afeta diretamente a saúde da população.
Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo encomendada ao Ibope, o paulistano perde, em média, 2h30 todos os dias nos congestionamentos. Isso gera perdas econômicas da ordem de R$ 50 bilhões anuais, segundo cálculos da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A piora nas condições de mobilidade contribui para o quadro de insatisfação com o trânsito. O transporte público coletivo beneficia não apenas os seus usuários diretos, mas toda a população e o ambiente.
A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) apresentou recentemente a proposta de municipalização da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), um imposto sobre a gasolina.
A ideia é que a arrecadação desse tributo seja feita em cada município e integralmente investida para baratear a passagem de ônibus em todas as cidades brasileiras. A aplicação dos recursos seria fiscalizada pela sociedade.
Estudos da FGV mostram que um imposto de 50 centavos sobre cada litro da gasolina baratearia a passagem em R$ 1,20, o que, em São Paulo, passaria de R$ 3 para R$ 1,80.
Outros estudos demonstram que essa medida seria deflacionária, já que o preço da passagem de ônibus tem um peso maior do que a gasolina no calculo da inflação.
Além disso, seria importante instrumento de promoção da justiça social, já que beneficia diretamente a renda das pessoas que ganham até 12 salários mínimos, ou seja, 78% dos brasileiros.
Pelo acima exposto, por gerar enormes benefícios econômicos, sociais e ambientais à população brasileira, a Rede Nossa São Paulo lança nos próximos dias um abaixo-assinado on-line para receber adesões de organizações e cidadãos em apoio à municipalização da Cide para financiar o transporte público.
Baixar o preço das passagens de ônibus em todo o Brasil está nas mãos da presidente e do Congresso Nacional. É só querer!
*ODED GRAJEW, 69, empresário, é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (2003)

Espionagem: o truque sujo dos ingleses


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Edward Snowden denuncia: serviço secreto começou a vazar seu próprios segredos, para jogar opinião pública contra quem denuncia vigilância
Por Cauê Seignemartin Ameni
Há dois anos, os governos e exércitos ocidentais têm atacado furiosamente quem revela seus segredos esgrimindo um argumento básico. Mesmo quando comprovam ataque sistemático dos Estados à privacidade dos cidadãos, estas revelações seriam indesejáveis — porque colocariam em risco a vida de soldados que lutam contra “o inimigo”. Acaba de surgir um fato que demonstra a falsidade deste argumento. Num texto publicado sexta-feira passada (23/8), o jornalista Glenn Greenwald, do jornal britânico The Guardian, sugere que o serviço secreto britânico está, ele próprio, vazando segredos que podem atingir militares britânicos. Tudo para incriminar Edward Snowden.
O foco da polêmica é uma suposta base de espionagem inglesa no Oriente Médio, que seria encarregada de monitorar em massa telefonemas e comunicações via internet. Sua existência foi denunciada por outro jornal britânico, The Independent. Este, porém, atribuiu a revelação do segredo a Snowden. A autoria é falsa. Na mesma sexta, Glenn publicou, em seu blog, mensagem de Snowden, assegurando: “Jamais falei, trabalhei ou forneci qualquer tipo de material ao The Independent”.
Nesse caso, quem seria a fonte da revelação? O próprio Snowden especula: “Tudo faz crer que o governo britânico tenta criar a impressão de que as revelações publicadas noGuardian (…) seriam danosas. Para ‘demonstrá-lo’, vaza para o The Independent informação intencionalmente danosa, atribuindo-a a outros”.
Ao que tudo indicada, os governos tentarão acuar cada vez o jornalismo investigativo pós-wikileaks. Se os jornalistas não são intimidados por portar material confidencial — mesmo que seja de enorme interesse publico –, são acusados de colaborar com os inimigos “terroristas”. Mas o que fazer quando o próprio Estado alimenta o terrorismo para defender seus interesses?
Leia abaixo a tradução na integra da matéria.
Snowden:  “Governo britânico está vazando segredos dele mesmo!” 
Por Glenn GreenwaldThe Guardian (24/8/2013) | Tradução Vila Vudu
O jornal Independent publicou matéria hoje – cujo conteúdo, como o jornal diz repetidas vezes, viria de “documentos obtidos da Agência Nacional de Segurança dos EUA por Edward Snowden” – na qual revela que “britânicos dirigem uma estação secreta de monitoramento no Oriente Médio para interceptar e processar vastas quantidades de e-mails, chamadas telefônicas e tráfego na web a serviço de agências de inteligência ocidentais.” É a primeira vez que o Independent publica qualquer revelação supostamente extraída de documentos da ASN-EUA, e esse é o tipo de ‘revelação’ que os jornalistas que trabalham diretamente com Edward Snowden têm cuidadosamente evitado até o momento.
A pergunta óbvia é: quem é a fonte dessa ‘revelação’? Hoje cedo, Snowden disse que quer deixar bem claro que a fonte do Independent não é ele:
“Jamais falei com, trabalhei com, ou forneci qualquer tipo de material jornalístico ao jornal The Independent. A meu pedido, todos os jornalistas com os quais trabalhei têm sido criteriosos e têm cuidado atentamente para que só se revelem informações que devam ser de conhecimento público e que não ponham em perigo nenhuma pessoa e nenhum local. Pessoas em todos os níveis da sociedade até e inclusive o presidente dos EUA reconheceram a contribuição desse critério e desse cuidado com as revelações, para um necessário debate público, e muito nos orgulhamos de que sempre tenha sido assim.
Tudo faz crer que o governo britânico tenta agora criar a impressão de que as revelações publicadas no Guardian e no Washington Post seriam danosas. Para ‘demonstrá-lo’, vaza para o The Independent informação intencionalmente danosa, atribuindo-a a outros.
O governo britânico tem de explicar o raciocínio que o levou à decisão de vazar informação que, se fosse vazada por cidadão privado, o governo britânico processaria o vazador por prática de ato criminoso.”
Em outras palavras: exatamente quando há grande escândalo contra a exploração abusiva e ilegal, pela Grã-Bretanha, de sua ‘Lei para o terrorismo’ [orig. Terrorism Act] – com a opinião pública contra o uso dessa lei para deter David Miranda –, e exatamente quando o governo britânico tenta convencer um tribunal de que haveria graves perigos à segurança pública naqueles documentos, aí, repentinamente, aparece num jornal o tipo de vazamento ‘perfeito’ que serve ao argumento do governo britânico, mas jamais aconteceu.
Isso é o que Snowden faz questão de deixar bem claro: apesar da tentativa, pelo Independent, de fazer crer que assim seja, ele, Snowden, não é a fonte em que se baseia a matéria hoje publicada. Assim sendo, quem é a fonte?
O governo dos EUA já várias vezes usou essa tática: atacar agressivamente os que revelem informação incriminante ou embaraçosa sobre o governo, em nome de proteger a santidade da informação sigilosa, enquanto, ao mesmo tempo, o próprio governo vaza fartamente informação secreta, sempre que o vazamento serve aos seus interesses políticos.
Outra questão a discutir, sobre o artigo do Independent: ali se sugere fortemente que haveria algum acordo para restringir a publicação em curso, pelo Guardian, de documentos da Agência Nacional de Segurança. Falando em meu próprio nome, quero deixar bem claro o seguinte: Não firmei, não tenho conhecimento e não estou submetido a nenhum tipo de acordo que imponha qualquer limitação ao tipo de divulgação que estou dando àqueles documentos. Jamais, em nenhum caso, aceitaria quaisquer limitações. Como já disse várias vezes, táticas de abuso e de intimidação, do tipo a que todos assistimos essa semana, não me deterão no trabalho que estou fazendo e não deterão os que estão trabalhando comigo. Estou trabalhando pesado em várias novas matérias sobre a Agência de Segurança Nacional e pretendo publicá-las no momento em que estiverem concluídas.
Questão relacionada a essa
A todos, na mídia e fora dela, que argumentam que a posse e transporte de informação secreta seja crime: Estão dizendo que acreditam que não só Daniel Ellsberg cometeu crime, mas também todos os repórteres e editores do New York Times também cometeram crime sempre que receberam, possuíram, transportaram e publicaram as milhares de páginas de documentos top-secret conhecidos como “Papéis do Pentágono”?
Creem também que o Washington Post cometeu crime quando recebeu e publicou informação top-secret de que o governo Bush mantinha uma rede de ‘buracos negros’ da CIA pelo mundo, ou quando o New York Times revelou, em 2005, o programa top- secret pelo qual a Agência de Segurança Nacional dos EUA criara um programa de escuta clandestina sem autorização judicial para espionar cidadãos norte-americanos?
Ou estamos ante alguma espécie recém inventada de padrão de criminalidade que só se aplica às nossas matérias sobre a Agência Nacional de Segurança? Será que os profissionais da mídia que pregam que possuir ou transmitir informação sigilosa seria crime realmente não compreendem o precedente que estão construindo contra o jornalismo investigativo?
ATUALIZAÇÃO
Oliver Wright, do Independent, acaba de tuitar o seguinte: “Para conhecimento de todos: o Independent não foi ‘vazado’ nem ‘conversado’ pelo governo, para publicar a matéria de capa de hoje.”
Deixando de lado o fato de que a matéria do Independent cita como fonte “um alto funcionário de Whitehall”, ninguém disse que teriam sido ‘conversados’ para publicar coisa alguma. A questão é: a informação não partiu de Snowden nem de qualquer dos jornalistas com os quais ele trabalha e trabalhou. O Independent revelou informação secreta – bastante significativa – sem informação sobre a fonte. Viram os documentos? Nesse caso, dado que não lhes foram entregues por Snowden nem pelos jornalistas com quem Snowden trabalha, que lhes deu acesso a eles? Não me interessa, evidentemente, que identifiquem suas fontes, mas é indispensável alguma indicação sobre o que daria fundamento àquelas revelações, porque, pelo próprio conteúdo, são informações que só valem pelo valor da fonte. Deve-se supor que não publicariam informação daquela gravidade sem ver os documentos ou sem alguma confirmação de alguém que os tivesse visto. O número de pessoas que poderiam ter visto documentos com aquele conteúdo é muito restrito e inclui, evidentemente, o próprio governo britânico.