Por Ulisses Ferreira*
Com o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA e a junção de suas atribuições a do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS no novo ministério denominado Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social – MDSA, espere aí, enquanto escrevo esse artigo o presidente interino divulga novo decreto ligando as funções do MDA à Casa Civil. É importante fazer uma análise do papel que teve o MDA na formulação e execução de políticas para o fortalecimento da agricultura familiar, possibilitando assim o acompanhamento dos desdobramentos dessa decisão.
1982 - Criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF), regulamentado pelo Decreto nº 87.457/82, tinha como principal objetivo a implementação do Plano Nacional de Política Fundiária, que visava unificar a implantação dos projetos fundiários, ativar a execução de projetos para assegurar o cumprimento das metas prioritárias do governo na regularização fundiária e do Estatuto da Terra.
1985 - Criação do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), regulamentado pelo Decreto nº 91.214/85, com as seguintes áreas de competência: reforma agrária, discriminação e arrecadação de terras públicas, regularização fundiária, legitimação de posses, colonização em terras públicas e disciplinamento da colonização privada, lançamento e cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e da Contribuição de Melhoria referente a imóveis rurais e aquisição de imóveis rurais estrangeiros.
1989 – Extinção do MIRAD, por meio da Medida Provisória nº 29/89.
1990 - As competências do MIRAD foram incorporadas ao então Ministério da Agricultura.
1996 – Criação do Ministério Extraordinário de Política Fundiária (MEPF), por meio do Decreto nº 1.889/96.
1999 – Transformação do MEPF em Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar, por meio da Medida Provisória nº 1911-12/99. Ainda em 1999, foi alterado para Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar, pela Medida Provisória nº 1999-13/99.
2000 – Instituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário, regulamentado pelo Decreto nº 3.338/2000, depois revogado pelo Decreto nº 4.723/03, que manteve o nome do ministério e definiu suas competências.
Vale ressaltar que a extinção do MIRAD em 1989 e sua posterior recriação em 1996, para somente em 2000 ter o status de ministério, se deve em um primeiro momento a clara visão do Estado em 1989 de que a agricultura familiar não era produtiva e, por isso, políticas de apoio ao seu desenvolvimento não faziam sentido. Já em 1996, há uma forte pressão da sociedade que na época cobrava políticas de reforma agrária e principalmente a valorização dos trabalhadores da terra.
Desta forma, chama a atenção o fato de que apesar de ser um país comcaracterísticas agrícolas e ter uma grande capacidade produtiva até o início do século XXI nenhuma política de apoio aos agricultores familiares era desenvolvida em âmbito nacional, como consequência tínhamos miséria no campo e falta de alimentos para milhões de pessoas na cidade.
Vejam dados da época que apontam a concentração de terra e a relevância, pelo menos em número, da agricultura familiar.
Mais impressionante ainda é a comparação que se faz sobre a agricultura familiar e as grandes plantações, Dowbor (2001) destaca que as áreas de lavoura com os dados de área disponível por grupo de área. Assim, constatamos que com 6,5 milhões de hectares de cultura permanente e temporária, os pequenos agricultores, que dispõem de 10 milhões de hectares, lavram cerca de 65% da área dos seus estabelecimentos. No outro extremo os 50.000 grandes estabelecimentos que constituem 1% do total de estabelecimentos rurais e ocupam 44% do solo agrícola exploram efetivamente algo da ordem de 4 a 5% da área que controlam.
Isso é ainda mais preocupante se analisarmos o papel da agricultura familiar naeconomia brasileira. Apesar de ocupar 30,5% da área total dos estabelecimentos rurais, produzir 38% do Valor Bruto da Produção (VBP) nacional e ocupar 77% do total de pessoas que trabalham na agricultura, e ser responsável pela produção de 70% dos alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras, a agricultura familiar recebe apenas 30% de todo o recurso destinado ao financiamento das safras.
Fonte: MDA
Ao analisar a evolução do financiamento das safras no período de 2002 a 2016 fica claro o quanto o MDA foi importante em levar e representar as reivindicações de 4 milhões de famílias de agricultoras(es). Notem que de 2003, com o fortalecimento do MDA, até 2015 os recursos destinados à agricultura familiar aumentaram significativamente, e vejam que os recursos para a chamada agricultura empresarial cresceram da mesma forma, ou seja, não estamos aqui buscando eleger um modelo de produção ideal, sabemos que tanto a agricultura empresarial quanto a familiar tem sua importância. O que é tratado nesse artigo é a forma como o MDA conseguiu capitanear forças para uma população de 12 milhões de brasileiros que são fundamentais para a economia do país, de muitos estados e, principalmente, para o abastecimento de alimentos saudáveis na mesa da população.
Neste sentido, vale conhecer as competências do MDA até a sua extinção definida em seus principais programas:
• Crédito Rural
• Proteção da produção
• Assistência técnica
• Comercialização
• Acesso a terra
• Agroecologia e Produção Orgânica
• Biodisel
• Mulheres e Jovens Rurais
• Povos e Comunidades Tradicionais
Nesses 16 anos de existência do ministério, o MDA tornou-se referência no Brasil e no mundo em políticas voltadas ao seu principal público alvo, com conquistas importantes como a lei do PAA, a Lei do PNAE a ampliação, desburocratização e diversificação do crédito do Pronaf, com o lançamento do SIPAF - que é o selo Aqui Tem Agricultura Familiar tão reconhecido no mercado nacional -, a abertura de mercados internacionais diversos para cooperativas da agricultura familiar, a inserção da temática da agricultura familiar em linhas de pesquisa da Embrapa, o incentivo a organização de produtores em associações e/ou cooperativas, a aprovação da lei da assistência técnica e extensão rural – ATER, a criação conjunta com órgãos como a FAO de políticas mundiais de combate a pobreza e a fome através de programas que apoiem a agricultura familiar.
Esses são alguns pontos importantes e mostram que, em uma primeira análise, o fim do MDA é sim uma lamentável perda para a agricultura familiar. Em 16 anos o MDA conseguiu erguer o pequeno produtor mas, certamente, não foi capaz de deixar consolidada a política para tornar a sociedade capaz de ver no mesmo patamar grandes empresários e agricultores familiares.
Ao ser relegado a um status de Secretaria Especial da Casa Civil o primeiro impacto é não ter a pasta da agricultura familiar acesso direto ao presidente da República. Suas reivindicações serão repassadas a um ministro que poderá filtrar o que acreditar ser mais urgente entre as suas diversas funções, pois não tem a obrigação exclusiva de fortalecimento da agricultura familiar.
Perde, também, se a junção diz respeito ao entendimento equivocado de que a agricultura familiar não tem importância produtiva e sim social. Se essa for a linha de pensamento do atual governo, configura-se em um retrocesso histórico desde quando em 1989 foi extinta a MIRAD.
Perdemos, ainda, porque todos os avanços alcançados estavam caminhando para um entendimento dos agricultores familiares de que as políticas não eram um benefício mas, sim, um direito, pois com a consolidação de muitas dessas políticas em leis a garantia da continuidade era evidenciada.
Há também um desalinhamento, pois quando o mundo inteiro assina Os novos objetivos do Milênio e define a fome zero e a agricultura sustentável como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), o Brasil pode estar retrocedendo ao acreditar que apoio a agricultura familiar não é uma política de desenvolvimento e, sim, uma política social.
Finalmente temo, e nesse ponto apenas um achismo sem nenhuma capacidade de comprovação, que o fim do MDA tenha sido um golpe dado pelo presidente interino para mostrar que está se deslocando das políticas do governo petista. Se essa for a linha de pensamento, ou seja, não dar continuidade àquilo que era do outro governo, mesmo que isso signifique acabar com programas que foram comprovadamente eficientes, fico profundamente preocupado pois esse tipo de política pública é tudo o que qualquer gestor que busca a eficiência na gestão pública teria que combater. Temos que ter continuidade, com ajustes, melhorias, mas para mim, diante do exposto, a extinção do MDA é um retrocesso e preocupa o fato dos agricultores familiares não estarem sendo informados devidamente.
*Ulisses Ferreira é especialista em cafeicultura sustentável e consultor de associações e certificações agrícolas.
Com o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA e a junção de suas atribuições a do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS no novo ministério denominado Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social – MDSA, espere aí, enquanto escrevo esse artigo o presidente interino divulga novo decreto ligando as funções do MDA à Casa Civil. É importante fazer uma análise do papel que teve o MDA na formulação e execução de políticas para o fortalecimento da agricultura familiar, possibilitando assim o acompanhamento dos desdobramentos dessa decisão.
- (Lembre todas as mudanças feitas pelo governo interino com relação a agricultura familiar: Temer transfere Agricultura Familiar, Desenvolvimento Agrário e Incra para Casa Civil)
1982 - Criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF), regulamentado pelo Decreto nº 87.457/82, tinha como principal objetivo a implementação do Plano Nacional de Política Fundiária, que visava unificar a implantação dos projetos fundiários, ativar a execução de projetos para assegurar o cumprimento das metas prioritárias do governo na regularização fundiária e do Estatuto da Terra.
1985 - Criação do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), regulamentado pelo Decreto nº 91.214/85, com as seguintes áreas de competência: reforma agrária, discriminação e arrecadação de terras públicas, regularização fundiária, legitimação de posses, colonização em terras públicas e disciplinamento da colonização privada, lançamento e cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e da Contribuição de Melhoria referente a imóveis rurais e aquisição de imóveis rurais estrangeiros.
1989 – Extinção do MIRAD, por meio da Medida Provisória nº 29/89.
1990 - As competências do MIRAD foram incorporadas ao então Ministério da Agricultura.
1996 – Criação do Ministério Extraordinário de Política Fundiária (MEPF), por meio do Decreto nº 1.889/96.
1999 – Transformação do MEPF em Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar, por meio da Medida Provisória nº 1911-12/99. Ainda em 1999, foi alterado para Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar, pela Medida Provisória nº 1999-13/99.
2000 – Instituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário, regulamentado pelo Decreto nº 3.338/2000, depois revogado pelo Decreto nº 4.723/03, que manteve o nome do ministério e definiu suas competências.
Vale ressaltar que a extinção do MIRAD em 1989 e sua posterior recriação em 1996, para somente em 2000 ter o status de ministério, se deve em um primeiro momento a clara visão do Estado em 1989 de que a agricultura familiar não era produtiva e, por isso, políticas de apoio ao seu desenvolvimento não faziam sentido. Já em 1996, há uma forte pressão da sociedade que na época cobrava políticas de reforma agrária e principalmente a valorização dos trabalhadores da terra.
Desta forma, chama a atenção o fato de que apesar de ser um país comcaracterísticas agrícolas e ter uma grande capacidade produtiva até o início do século XXI nenhuma política de apoio aos agricultores familiares era desenvolvida em âmbito nacional, como consequência tínhamos miséria no campo e falta de alimentos para milhões de pessoas na cidade.
Vejam dados da época que apontam a concentração de terra e a relevância, pelo menos em número, da agricultura familiar.
Estabelecimentos recenseados com declaração de área das lavouras (1985)
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1989, p. 292
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1989, p. 292
Mais impressionante ainda é a comparação que se faz sobre a agricultura familiar e as grandes plantações, Dowbor (2001) destaca que as áreas de lavoura com os dados de área disponível por grupo de área. Assim, constatamos que com 6,5 milhões de hectares de cultura permanente e temporária, os pequenos agricultores, que dispõem de 10 milhões de hectares, lavram cerca de 65% da área dos seus estabelecimentos. No outro extremo os 50.000 grandes estabelecimentos que constituem 1% do total de estabelecimentos rurais e ocupam 44% do solo agrícola exploram efetivamente algo da ordem de 4 a 5% da área que controlam.
Isso é ainda mais preocupante se analisarmos o papel da agricultura familiar naeconomia brasileira. Apesar de ocupar 30,5% da área total dos estabelecimentos rurais, produzir 38% do Valor Bruto da Produção (VBP) nacional e ocupar 77% do total de pessoas que trabalham na agricultura, e ser responsável pela produção de 70% dos alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras, a agricultura familiar recebe apenas 30% de todo o recurso destinado ao financiamento das safras.
Fonte: MDA
Ao analisar a evolução do financiamento das safras no período de 2002 a 2016 fica claro o quanto o MDA foi importante em levar e representar as reivindicações de 4 milhões de famílias de agricultoras(es). Notem que de 2003, com o fortalecimento do MDA, até 2015 os recursos destinados à agricultura familiar aumentaram significativamente, e vejam que os recursos para a chamada agricultura empresarial cresceram da mesma forma, ou seja, não estamos aqui buscando eleger um modelo de produção ideal, sabemos que tanto a agricultura empresarial quanto a familiar tem sua importância. O que é tratado nesse artigo é a forma como o MDA conseguiu capitanear forças para uma população de 12 milhões de brasileiros que são fundamentais para a economia do país, de muitos estados e, principalmente, para o abastecimento de alimentos saudáveis na mesa da população.
Neste sentido, vale conhecer as competências do MDA até a sua extinção definida em seus principais programas:
• Crédito Rural
• Proteção da produção
• Assistência técnica
• Comercialização
• Acesso a terra
• Agroecologia e Produção Orgânica
• Biodisel
• Mulheres e Jovens Rurais
• Povos e Comunidades Tradicionais
Nesses 16 anos de existência do ministério, o MDA tornou-se referência no Brasil e no mundo em políticas voltadas ao seu principal público alvo, com conquistas importantes como a lei do PAA, a Lei do PNAE a ampliação, desburocratização e diversificação do crédito do Pronaf, com o lançamento do SIPAF - que é o selo Aqui Tem Agricultura Familiar tão reconhecido no mercado nacional -, a abertura de mercados internacionais diversos para cooperativas da agricultura familiar, a inserção da temática da agricultura familiar em linhas de pesquisa da Embrapa, o incentivo a organização de produtores em associações e/ou cooperativas, a aprovação da lei da assistência técnica e extensão rural – ATER, a criação conjunta com órgãos como a FAO de políticas mundiais de combate a pobreza e a fome através de programas que apoiem a agricultura familiar.
Esses são alguns pontos importantes e mostram que, em uma primeira análise, o fim do MDA é sim uma lamentável perda para a agricultura familiar. Em 16 anos o MDA conseguiu erguer o pequeno produtor mas, certamente, não foi capaz de deixar consolidada a política para tornar a sociedade capaz de ver no mesmo patamar grandes empresários e agricultores familiares.
Ao ser relegado a um status de Secretaria Especial da Casa Civil o primeiro impacto é não ter a pasta da agricultura familiar acesso direto ao presidente da República. Suas reivindicações serão repassadas a um ministro que poderá filtrar o que acreditar ser mais urgente entre as suas diversas funções, pois não tem a obrigação exclusiva de fortalecimento da agricultura familiar.
Perde, também, se a junção diz respeito ao entendimento equivocado de que a agricultura familiar não tem importância produtiva e sim social. Se essa for a linha de pensamento do atual governo, configura-se em um retrocesso histórico desde quando em 1989 foi extinta a MIRAD.
Perdemos, ainda, porque todos os avanços alcançados estavam caminhando para um entendimento dos agricultores familiares de que as políticas não eram um benefício mas, sim, um direito, pois com a consolidação de muitas dessas políticas em leis a garantia da continuidade era evidenciada.
Há também um desalinhamento, pois quando o mundo inteiro assina Os novos objetivos do Milênio e define a fome zero e a agricultura sustentável como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), o Brasil pode estar retrocedendo ao acreditar que apoio a agricultura familiar não é uma política de desenvolvimento e, sim, uma política social.
Finalmente temo, e nesse ponto apenas um achismo sem nenhuma capacidade de comprovação, que o fim do MDA tenha sido um golpe dado pelo presidente interino para mostrar que está se deslocando das políticas do governo petista. Se essa for a linha de pensamento, ou seja, não dar continuidade àquilo que era do outro governo, mesmo que isso signifique acabar com programas que foram comprovadamente eficientes, fico profundamente preocupado pois esse tipo de política pública é tudo o que qualquer gestor que busca a eficiência na gestão pública teria que combater. Temos que ter continuidade, com ajustes, melhorias, mas para mim, diante do exposto, a extinção do MDA é um retrocesso e preocupa o fato dos agricultores familiares não estarem sendo informados devidamente.
*Ulisses Ferreira é especialista em cafeicultura sustentável e consultor de associações e certificações agrícolas.