segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

6 bilhões dizem “sim” ao Estado palestino


Votação da Assembleia Geral das Nações Unidas finalmente reconhece as fronteiras da palestina nos marcos territoriais anteriores a 1967, quando Israel avançou sobre este povo encurralando-os em seu próprio território.

Ricardo Alvarez
A luta continua. O passo dado no reconhecimento das fronteiras anteriores a 1967 tem grande força simbólica, representa um vetointernacional à política genocida e expansionista aplicada por Israel desde sua fundação, após a segunda Guerra Mundial em 1948 e que conta com apoio financeiro, político e bélico dos EUA.
O mapa abaixo evidencia o processo de invasão israelense nos territórios palestinos, transformando sua população, nas palavras de Noam Chomsky, na maior prisão à céu aberto do mundo.
O primeiro mapa mostra onde estavam palestinos e judeus na região antes da segunda Guerra Mundial. O segundo mapa descreve a proposta de divisão das terras elaborada pela ONU ao final de 1947, já privilegiando Israel (feita sob forte pressão internacional após o genocídio de judeus na Europa, em especial na Alemanha). O terceiro são as fronteiras após a guerra de 1967, resultando em significativa expansão territorial de Israel. O quarto mapa mostra situação atual.
Reconhecer as fronteiras pré 1967 é um avanço, mas ainda não se trata de fazer total justiça. Mesmo assim a votação na ONU é uma vitória inegável dos palestinos e vem carregada de pacote de simbolismos e indicações;
1 - As colônias de povoamento implantadas por Israel em território palestino são um grande obstáculo à paz na região. O reconhecimento internacional à existência palestina joga pilha sobre esta política invasora. Prevalecesse a razoabilidade na cabeça dos principais dirigentes dos falcões que comandam Israel, a saída seria o recuo imediato;
2 – Os 138 países que votaram a favor do Estado palestino representam quase 6 bilhões de habitantes do planeta (5,85 para ser mais exato). A vitória é, por si, acachapante, mas ganha em intensidade com o registro de 41 países que se abstiveram de votar. Estes, somados, representam 552 milhões de habitantes. Não é pouca coisa, pois do outro lado estavam, simplesmente, os Estados Unidos. Apenas nove países disseram “não” à proposta, com destaque para Canadá e Israel, além do citado EUA;
3 – O mundo deu um basta à Israel. O mundo deu um segundo basta ao seu protetor de décadas, os EUA. Mas não parece ser a leitura dos Senhores da Guerra que povoam ambos os lados. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, considerou que a elevação do estatuto da Palestina na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas como "contraprodutivo". Israel declarou que vai responder com novos assentamentos;
4 – Nem aliados históricos dos EUA estiveram ao seu lado, como a Alemanha, o Reino Unido e a Colômbia, que preferiram a abstenção. A persistência em difundir a violência e a guerra como o “único” caminho para a solução do conflito criou uma zona de permanente tensão que, aliada à crise econômica mundial, coloca em perigo uma eventual retomada do crescimento econômico;
 5 – A escolha de Israel em bombardear a Faixa de Gaza, colocando em marcha seu poderoso aparato militar diante um território combalido por décadas de bloqueio econômico, vincula-se às eleições nacionais no início de 2013. Nada melhor do que acender a chama nacionalista e colher os efeitos nas urnas, de um eleitor que se sente permanentemente inseguro. O resultado internacional foi o inverso do esperado: as nações na ONU não aceitaram esta chantagem. Espera-se que internamente os efeitos também se façam sentir noutro rumo;
6 – O retorno das mobilizações da Primavera Árabe no Egito, diante das medidas de concentração de poder e restrição das liberdades com a nova Constituição, o impasse político na Síria, que se não estivesse nestas condições estaria na carona do ocorrido e reclamando a devolução das colinas do Golã (ocupadas por Israel desde 1967) e as constantes ameaças de invasão do Irã combinam-se numa ameaça iminente de tensionamento crítico que pode resultar em desequilíbrio político em nações que conseguiram, até agora, reprimir violentamente os movimentos sociais e as reformas de base. Nações estas que contam com status de amizade íntima com os EUA, como a Arábia Saudita e o Kuwait. Alguns dos votantes na ONU olharam mais para o quadro geral do que o caso específico;
7 – Crises no Oriente Médio, em tempos passados, geraram altas no preço do petróleo. Foi assim nos anos 60 com a guerra dos Seis Dias, nos anos 70 com a guerra do Yom Kippur, nos anos 80 com a guerra Irã e Iraque e a guerra do Golfo e, mais recentemente, com a invasão dos EUA no Iraque.  Crise econômica e inflação (alta do preço do barril) não combinam. As travessuras ianques e sionistas atingiram seu ápice. Alguns dos votantes na ONU também deram atenção para esta possibilidade;
8 – O chefe de Estado dos EUA é, por tabela, um líder político mundial. Obama, recém-eleito e ainda não empossado no novo cargo, ficou com a broxa na mão, se isolou e começa mal sua nova gestão. Talvez um novo alinhamento político internacional esteja sendo gestado nas relações de poder entre as nações entre os nove que opuseram à proposta palestina. O Canadá (por afinidade de fronteira) e Israel (por amor ao expansionismo) não constituem em verdadeira surpresa, mas o que dizer dos Estados Federados da Micronésia, das Ilhas Marshall, Nauru, Palau ou Panamá, além da República Tcheca?
Os próximos passos prometem emoções fortes. O calendário futuro vai movimentar as pedras deste xadrez que parece estar revertendo uma correlação de forças até então favoráveis aos expansionistas e genocidas. A solidariedade aos palestinos e manifestação de indignação com os territórios invadidos é muito importante neste momento.
Não dá para entrar sustentar que se trata de uma briga religiosa, portanto alheia à nós, ao contrário, ela é de forte conteúdo político e geográfico: a devolução dos territórios aos palestinos não resolverá todos os problemas, mas certamente sem ela não há solução de paz possível.
Ricardo AlvarezGeógrafo, é professor e editor do site Controvérsia
www.controversia.com.br |www.controversia.com.br/blog

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