terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A falta de vontade política nas decisões sobre o conflito Israel X Palestina


O que esse povo mais reivindica é a liberdade a essa população, através do fim da ocupação e a constituição de um Estado palestino, para que assim possa se negociar a paz de maneira justa e igual, frisam Eduardo Minossi de Oliveira e Érico Teixeira de Loyola

Thamiris Magalhães

“Resumir tudo o que vivenciei na Palestina é difícil, pois morar lá e conviver com a luta diária do povo é uma experiência única. Aprende-se muito por ser um local com uma cultura diferenciada da ocidental e também pelos tristes fatos que víamos. E o que mais me chamou a atenção foi isto: a força de vontade do povo para ter uma vida normal”, lembra o geógrafo Eduardo Minossi de Oliveira. Já o advogado licenciado Érico Teixeira de Loyola recorda que a convivência com as pessoas, e a oportunidade de acompanhar os esforços de palestinos e israelenses pela paz foi algo incrível. “Além disso, foi também fundamental para mim a chance que tivemos de desmistificar alguns estereótipos, experimentando a realidade de uma ocupação militar ‘por dentro’, sem intermediários”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ambos, que estiveram presentes na Palestina como observadores de direitos humanos através do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel – PAEPI/EAPPI, relembram momentos que marcaram para sempre suas vidas no local e contam um pouco o que, de fato, está em jogo no conflito envolvendo Israel e a Palestina. “Embora haja um amplo arcabouço legal reconhecendo a ilegalidade da ocupação assim como da expansão das colônias na Cisjordânia, parece não haver vontade política para executar as decisões sobre o tema”, continua Érico de Loyola. 

Eduardo Minossi de Oliveira é graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.Érico Teixeira de Loyola é graduado em Direito pela mesma Universidade. Ambos estiveram presentes na Palestina como observadores de direitos humanos através do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel – PAEPI/EAPPI, coordenado pelo Conselho Mundial de Igrejas – CMI.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De modo geral, como resumem suas estadas nos territórios palestinos? O que mais lhes chamou atenção no local?

Eduardo Minossi de Oliveira –
 Resumir tudo o que vivenciei na Palestina é difícil, pois morar lá e conviver com a luta diária do povo é uma experiência única. Aprende-se muito por ser um local com uma cultura diferenciada da cultura ocidental e também pelos tristes fatos que víamos. E o que mais me chamou a atenção foi isto: a força de vontade do povo para ter uma vida normal.
Érico Teixeira de Loyola – Creio que a convivência com as pessoas e a oportunidade de acompanhar os esforços de palestinos e israelenses pela paz foi algo incrível. Além disso, foi também fundamental para mim a chance que tivemos de desmistificar alguns estereótipos, experimentando a realidade de uma ocupação militar “por dentro”, sem intermediários.

IHU On-Line – Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo mais reivindica?

Eduardo Minossi de Oliveira –
 Todos os principais problemas enfrentados pela população advêm da ocupação dos territórios palestinos por parte de Israel, que ocorre desde 1967. Viver em um território ocupado por outro país é ter dificuldade de acesso a todos os direitos básicos, não poder participar de decisões ou reivindicar melhorias, e estar sempre exposto às arbitrariedades por parte das forças de ocupação.
O que esse povo mais reivindica é a liberdade a essa população, através do fim da ocupação e a constituição de um estado palestino, para que assim possa se negociar a paz de maneira justa e igual.

IHU On-Line – Qual o real papel da religião no conflito Israel/Palestina? Há uma posição consensual entre judeus ortodoxos e reformistas diante do conflito? Em geral, como as correntes judaicas veem o conflito?

Érico Teixeira de Loyola – 
Estou bem longe de ser um expert no tema. Porém, de modo geral me pareceu que a religião é uma espécie de camada externa do conflito, que é, na realidade, muito mais político e econômico. A religião, tanto do lado muçulmano como do judaico, e até mesmo do cristão, é geralmente a chave para a radicalização, mas não para a disputa em si. É até um pouco irônico pensar dessa forma, mas a Autoridade Palestina, representada pelo Fatah, propõe-se a ser secular, ao passo que o Estado de Israel se diz o “lar dos judeus”. Quer dizer, aparentemente quem pode melhor manobrar essa questão religiosa a seu favor é o governo israelense, que inegavelmente se vale dos interesses dos grupos mais radicais para colocar em marcha o processo de ocupação e anexação.
Aliás, quanto aos grupos judaicos, nota-se a diferença de postura entre os judeus mais liberais, como aqueles que vivem em Tel Aviv, e os mais ortodoxos, como os que residem em Jerusalém, no que diz respeito a hábitos, vestes, rigidez na observância aos preceitos religiosos, etc. No entanto, quando se chega à “Questão Palestina”, pareceu-me que o tema da segurança fala mais alto, e, aí, há uma opinião corrente, que é habilmente explorada e alimentada pelo governo e pelas forças armadas, no sentido de que a existência do Estado está sempre em risco; por isso, qualquer medida que engendre um pouco de flexibilização e aproximação é normalmente vista com muita desconfiança, independentemente da corrente religiosa.

IHU On-Line – De que maneira você vê a solução para o conflito? Faz-se necessário o estabelecimento de dois estados independentes? Ou que outra solução você daria?

Érico Teixeira de Loyola – 
Historicamente, o estabelecimento de dois Estados é a solução preconizada pela comunidade internacional. No entanto, há vozes, e elas não são poucas, advogando a criação de um só Estado. Aliás, a maneira como a ocupação se encontra consolidada põe em sérias dúvidas a viabilidade de um Estado Palestino.

One State Solution
No entanto, acredito que a questão do chamado One State Solution precisa ser equacionada de forma a garantir o surgimento de um Estado verdadeiramente pluralista e democrático. Afinal, Israel, hoje, tem recursos de poder muito superiores aos dos palestinos, e suas bases políticas ressaltam o caráter do “lar judeu” àquele país.

Nesse caso, ocorre a seguinte pergunta: é possível ter um Estado judeu, um lar judeu, que seja, ao mesmo tempo, um Estado que represente muçulmanos e cristãos e que colabore para a integração de todos? É possível, por outro lado, ter uma Jerusalém que pertença exclusivamente ao Estado de Israel? A questão não é simples, mas o regime hoje vigente, que mais divide do que une, certamente não colabora para isso.

IHU On-Line – Qual a posição do Brasil em relação ao conflito israelo-palestino? Em sua opinião, o país adota uma postura coerente de busca pela resolução do conflito?

Érico Teixeira de Loyola – 
O Brasil, desde a criação da Organização das Nações Unidas – ONU, tem um compromisso com o estabelecimento de dois Estados na região. Isso, aliás, é uma marca da nossa política externa, revelada, por exemplo, no apoio do país ao pedido de ingresso da Palestina na ONU. No entanto, talvez por nosso perfil mais pragmático em termos de política externa, vê-se que o Brasil evita tomar atitudes que realmente desafiem a ocupação. Por medidas desafiadoras eu não quero dizer radicalizar e abrir mão do nosso perfil negociador, como cortar relações com Israel, pois isso não levaria a nada. Mas, definitivamente, falta criatividade no que tange, por exemplo, o apoio a iniciativas que façam valer os Acordos de Oslo e encaminhem a criação de um Estado Palestino soberano.

Investimento em projetos humanitários

Uma tendência internacional, por exemplo, é investir em projetos humanitários em áreas consideradas “C”, onde Israel, segundo os referidos Acordos, tem controle civil e militar, dificultando a construção de edificações palestinas. O Brasil, conforme nos foi repassado quando visitamos a representação em Ramallah, tem muitos projetos em centros urbanos (Ramallah é um deles), mas não investe muito na região do Vale do Rio Jordão, uma das que hoje se encontra quase sob controle completo de Israel. Ora, isso não oferece nenhum desafio ao governo israelense; pelo contrário, de alguma forma apenas consolida a situação como ela se encontra.

Falta atitude mais proativa e eficaz

Outra possibilidade seria seguir os passos da África do Sul e distinguir produtos israelenses daqueles produzidos nas colônias situadas nos territórios ocupados, que são reiteradamente consideradas ilegais pelo Direito Internacional. Seria uma iniciativa simples, mas que chamaria a atenção para a ilegalidade do processo expansionista levado a cabo naquela região e para a questão palestina. Em síntese, creio que a política externa se mostra relativamente coerente com o discurso. No entanto, o que falta é uma atitude mais proativa e eficaz.

IHU On-Line – Como o Direito Internacional interpreta o fato de Israel ter ignorado a resolução da ONU ao invadir território palestino em 1967, dando continuidade à política de assentamentos irregulares na região? 

Érico Teixeira de Loyola – 
A ocupação, assim como a expansão das colônias israelenses, é reputada ilegal conforme as Convenções de Genebra e as inúmeras decisões da ONU sobre o tema. Já a Resolução n. 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aliás, de novembro de 1967, produzida logo depois da Guerra dos Seis Dias, deixa isso bem claro ao afirmar que a ocupação constitui uma violação aos princípios da Carta da ONU e um risco à obtenção de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio.

A postura israelense viola o Direito Internacional

A partir daí, inúmeras resoluções foram emitidas, tanto pelo Conselho de Segurança como pela Assembleia Geral, reiterando a ilegalidade da conduta de Israel, reafirmando a ideia da coexistência de dois Estados na região e chamando a atenção para a irregularidade na contínua expansão das colônias. Aliás, o amplo apoio dado ao pedido de adesão da Palestina à ONU, conforme as fronteiras pré-Guerra dos Seis Dias – pelo menos no âmbito da Assembleia Geral –, é prova de que há um amplo consenso a respeito da matéria, ou seja, de que a postura israelense viola o Direito Internacional.
Também a Corte Internacional de Justiça, em 2004, no exercício de suas prerrogativas consultivas, emitiu opinião reconhecendo que a construção da barreira de separação em território palestino assim como a expansão das colônias naquele território configurava uma flagrante violação à Quarta Convenção de Genebra e uma anexação de facto do território palestino. No entanto, apesar de determinado pela Corte o “redesenho” do trajeto do muro, de forma a que seguisse as fronteiras de 1967, nada foi feito, apesar dos inúmeros apelos da Assembleia Geral.

Vontade política escassa 

Ou seja, embora haja um amplo arcabouço legal reconhecendo a ilegalidade da ocupação, assim como da expansão das colônias na Cisjordânia, parece não haver vontade política para executar as decisões sobre o tema.

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