Julio Fontán, diretor da instituição e filho do casal que fundou o colégio, esteve no Brasil a convite do Instituto Natura, falando sobre o trabalho na Colômbia e conhecendo casos inovadores do país. Em entrevista ao Porvir, ele conta como surgiu o modelo de ensino e defende o uso da tecnologia como ferramenta de empoderamento para o aprendizado dos estudantes. Segundo Fontán, infelizmente, muitas escolas ainda não estão preparadas para adotar um modelo como o colombiano por conta do “medo e comodismo dos professores”, o que impede que as crianças se tornem mais autônomas. “Muitas vezes, os alunos não têm senso de realidade e são excluídos da tomada de decisão sobre seu processo educativo; simplesmente fazem coisas prontas”, diz. Confira abaixo a conversa com o especialista.
ed63 ‘Aluno deve decidir sobre seu processo educativo’
Como surgiu a ideia do modelo Fontán?
O projeto começou em 1957, na Colômbia, com os meus pais, que eram psicólogos catalães. Na época, eles abriram um consultório de psicologia do aprendizado. As crianças iam para lá e meus pais as ajudavam a resolver seus problemas de aprendizagem. Chegou um momento em que os estudantes não queriam mais voltar à escola e preferiam ficar no consultório. Lá, eles trabalhavam os conteúdos autonomamente e, como forma de validação dos estudos escreviam, uma espécie de relatório, mostrando o que haviam aprendido. Já nos anos 1970, os alunos passaram realmente a estudar no consultório e abandonaram a escola.
Como o modelo passou a ser reconhecido pelo Ministério de Educação?
Nos anos 80, o Ministério de Educação visitou o consultório para conhecer o que estávamos fazendo já que apenas 26% dos alunos do país eram aprovados nos testes nacionais de avaliação de desempenho, enquanto os estudantes do consultório alcançavam 98% de aprovação. O MEC passou a acompanhar nossas metodologias e os especialistas ficaram encantados com o sistema. Em 1987, o ministério reconheceu o modelo como “primeira instituição de inovação educativa da Colômbia”. A metodologia chegou inclusive a inspirar algumas diretrizes do ministério.
O que é preciso para que essas escolas, de fato, se tornem inovadoras?
Inovar nunca pode ser o resultado, mas aquilo que está disposto a realizar. Quem está do outro lado são crianças e qualquer processo imposto pode interferir diretamente na qualidade de vida delas. Inovar em educação é uma coisa séria. Normalmente as escolas adotam certos sistemas de ensino que simplesmente dão as respostas às crianças ou então criam modelos a partir de uma teoria X; que Piaget disse isso ou aquilo e, por isso, deve ser assim ou assado. É como na medicina, que não se pode brincar com a saúde dos pacientes. Na educação é a mesma coisa: não podemos brincar com o futuro das crianças. A inovação tem que partir da pesquisa e da prática, não de ideias fabulosas ditas por alguém, como costuma acontecer.
Como as crianças desenvolvem o autodidatismo?
As crianças estão sempre aprendendo, assim como nós, desde que nos levantamos até a hora que dormimos, desde que nascemos até o momento que morremos. Aprender quer dizer que a gente vai se armando, e cada vez mais vamos fazendo mapas mentais maiores. O problema é que todo mundo esquece o que passa no cérebro da criança. Acreditam que se não ensinarmos as crianças, elas não aprendem. Mas, na verdade, elas estão sempre aprendendo. Um exemplo que costumo dizer é imaginar o caso de um aluno que chega ao colégio e faz um teste para identificarmos o que ele conhece sobre história. Talvez ele conheça alguns presidentes, como surgiu o país, algo de Napoleão… Mas quando fazemos um diagnóstico do “pensamento de avaliação em história” nos damos conta de que ele não domina a temporalidade, ou seja, para ele, o que aconteceu há 50 anos é o mesmo que há 500. Ele não consegue distinguir o que foi antes ou depois. Não consegue perceber a causalidade da história, o que vai gerando o que. Isso mostra que o simulacro de aprender história numa aula acaba não fazendo sentido. E o mesmo acontece com quase todas as outras áreas. É a diferença em se pensar o ensino a partir de como uma criança aprende no lugar de começar do que se quer transmitir. É o que normalmente se passa em todos os países. Dizem que a educação é um direito e colocam na lei. No entanto, para isso, precisam de um currículo em que isso possa ser cumprido. A preocupação precisa ser com as crianças, não com o governo e com o currículo. É preciso se preocupar para que cada criança tenha qualidade de vida. Para que a educação seja trabalhada realmente para gerar oportunidades para todos, é preciso desenvolver as potencialidades e diferenças de cada estudante.
O que as escolas precisam para implantar um modelo como o Fontán?
Primeiro, é preciso que os professores percam o medo. Os educadores estão cômodos: vão dar aulas, terminam e voltam para casa. As crianças vão mal porque o problema é sempre delas. Elas precisam se adaptar ao currículo e, se não conseguem, têm problemas, precisam ser levadas ao psicólogo, a professores particulares. A realidade é que todos os alunos são diferentes. O problema não é deles. Um estudante com síndrome de down, por exemplo, se tiver o que precisa dentro de sua realidade, será uma criança feliz e produtiva na escola. Ele não tem um problema, mas uma diferença. O problema somos nós quem criamos, nós que não damos o que ela precisa.
Como deve ser então um modelo de ensino ideal para potencializar as habilidades de cada estudante?
Uma das tragédias da educação é que o desenvolvimento intelectual funciona muito mal. Os educadores querem simplesmente ensinar um conteúdo e fazer com que os alunos, impostamente, o aprendam. Não importa quem seja a criança, o que gosta ela quer ser, o que está passando. O sistema educativo já impõe as metas, quando é preciso que cada criança construa a sua. O ideal é fazer com que professor e aluno possam planejar, construindo minuto a minuto, o que tem que fazer. Muitas vezes, os alunos não têm senso de realidade e são excluídos da tomada de decisão sobre seu processo educativo; simplesmente fazem coisas prontas. Isso acaba não gerando um sentido de responsabilidade. A posição que o sistema impõe às crianças é sumariamente aversiva. Não permite que eles desenvolvam o que têm de desenvolver para poder encarar o mundo.
Como você avalia o papel da tecnologia no processo de aprendizado dos estudantes?
A questão mais importante não é como a tecnologia transforma a pedagogia, mas como a pedagogia usa tecnologia como ferramenta. Temos à nossa disposição muitas informações oriundas da internet e precisamos usá-las para não perdê-las. No caso do nosso modelo, que usa uma metodologia chamada Serf (Sistema Educativo Relacional Fontán), centrada na realidade de cada estudante e em que cada um deles tem um projeto educativo pessoal, a tecnologia é indispensável para que eles possam montar e trabalhar seus currículos.