quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Devolver a Infância às Crianças-Soldado do Sudão


À medida que o processo de reintegração das crianças-soldado no Sul do Sudão se inicia, a renovação do compromisso, já prescrito, do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA) de libertar todas as crianças-soldado das suas fileiras pode indicar que dentro de dois anos as crianças já não farão parte dos grupos de milícias que operam no país.

Andrew Green
O SPLA, o braço armado do partido político do Sul do Sudão, o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, é um dos poucos agrupamentos militares nacionais no mundo que está na lista de partidos das Nações Unidas envolvidos em conflitos que recrutam e usam crianças-soldado. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) calcula que existam 2.000 crianças-soldado no Sul do Sudão. Apesar de nenhuma delas fazer parte do SPLA oficial, estão associadas a grupos de milícias que receberam amnistias do governo e que agora estão a ser integradas na estrutura militar nacional.

Se o SPLA seguir o plano de acção que elaborou e assinou - remoção de todas as crianças-soldado das milícias e esforços para lhes dar uma educação e oportunidades de formação - o país poderá sair da lista dentro de dois anos.

Para as crianças-soldado, contudo, o processo de reintegração poderá levar muito mais tempo, à medida que entram nas escolas ou adquirem competências que lhes proporcionem outras oportunidades para ganhar a vida fora dos quartéis militares.

Segundo Fatuma H. Ibrahim, directora da unidade de protecção das crianças da UNICEF no Sul do Sudão, o processo iniciar-se-á com a identificação e a garantia de libertação formal das crianças-soldado. Quando saírem, as crianças receberão roupa civil porque "o que pertence aos militares fica com os militares," disse. Os jovens, cuja idade varia os 12 e os 18 anos, irão participar em sessões de terapia de grupo com assistentes sociais para compreenderem como ficaram a fazer parte das milícias e falarem de qualquer tipo de violência que tenham presenciado. Ibrahim disse que cerca de um por cento irão "realmente precisar de alguma gestão clínica," embora as suas opções sejam limitadas num país com poucos recursos psiquiátricos. "É um problema muito grande. A maioria recebe medicamentos e não passa disso." Os membros da família também deverão reunir-se com os assistentes sociais para discutir a reintegração das crianças e garantir que elas serão bem-vindas e desencorajadas a regressar às fileiras militares.

"Os pais devem estar preparados para as receber," disse Ibrahim. Nalgumas comunidades no Sul do Sudão, isso implica uma cerimónia de transição simbólica.

Num país em guerra há mais de duas décadas, os militares oferecem uma das poucas oportunidades económicas viávieis para os jovens. Muitas das crianças que a UNICEF e os seus parceiros removem das fileiras seguiram esse padrão -procurando uma posição numa das milícias que lhes proporcione alguma segurança financeira para si e para a sua família. Um dos maiores desafios da UNICEF é oferecer oportunidades que dissuadam as crianças que já sairam das milícias a regressarem. Segundo Ibrahim, depois da realização de novas rondas de libertação, os jovens terão a oportunidade de escolher entre o regresso à escola, que muitos provavelmente irão escolher, ou aprenderem um ofício. O reduzido mercado de trabalho do país significa que os jovens mais velhos serão encorajados a adquirirem competências, como a carpintaria, cada vez mais procurada nas zonas urbanas em rápido crescimento. No futuro, receberão formação em duas competências, no caso de a primeira não ter procura no mercado de trabalho. A UNICEF e outras organizações trabalham igualmente no sentido de proporcionar incentivos para impedir que as crianças-soldado voltem a ingressar nas fileiras. Ibrahim referiu um projecto de criação de gado onde as crianças-soldado recebem uma cabra para cuidar e criar. Se a intenção é fazer com que o programa funcione, afirmou Ibrahim, os incentivos têm de ter algum significado. O novo plano de acção do Sul do Sudão foi assinado oficialmente no dia 16 de Março pelo Ministro da Defesa do país, pela força de manutenção de paz das Nações Unidas no Sul do Sudão (UNMISS), pela UNICEF, e pela Representante Especial do Secretário-Geral para as Crianças e Conflito Armado, Radhika Coomaraswamy. Desde que conquistou a independência no ano passado, o Sul do Sudão tem visto deflagrar violência esporádica por todo o país. No norte, as hostilidades com o Sudão tem sido constantes. E várias partes do país - especialmente o estado de Jonglei - têm testemunhado conflitos intertribais relacionados com o direito à terra e gado. Coomaraswamy afirmou que a maior parte das crianças-soldado vive no norte onde a violência tem sido mais consistente. O Sul do Sudão constava da lista das Nações Unidas muito antes da sua independência em Julho de 2010. A encarnação mais antiga do SPLA - o Movimento Popular de Libertação do Sudão - foi um dos grupos originais incluídos na lista elaborada em 2002. Em 2006, foi assinado um Acordo de Paz Global entre o norte e o Sul do Sudão, que colocou um ponto final em décadas de combates e abriu caminho para a independência do Sul do Sudão. Nessa altura, o SPLA comprometeu-se a um plano de acção cujo objectivo seria a libertação das crianças-soldado, apesar de nunca o ter concluído na íntegra. Em 2009, as organizações de acompanhamento não encontraram crianças-soldado no principal grupo do SPLA, apesar ainda haver crianças nos grupos de milícias. Coomaraswamy afirmou que o compromisso renovado emana "do poder da lista" e da pressão dos parceiros internacionais. E embora as Nações Unidas nunca tenham sancionado o Sul do Sudão devido à sua inclusão na lista, Coomaraswamy asseverou que havia sempre a possibilidade disso acontecer. A República Democrática do Congo (RDC), por exemplo, já sofreu sanções devido à sua inclusão na lista. Coomaraswamy disse ainda que actualmente o seu gabinete está em negociações com a RDC, Myanmar - também conhecido como Burma - e a Somália, únicos governos militares que ainda não assinaram um plano de acção. *Andrew Green em reportagem no Sul do Sudão com uma bolsa do Projecto Internacional de Notícias, um programa de jornalismo independente localizado em Washington, D.C.

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