terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Argentina: “O atraso de justiça não é denegação”


Argentina: “O atraso de justiça não é denegação”

O ministro do Supremo Tribunal pediu mais atividade ao juiz que deve sentenciar sobre a apelação do Grupo Clarín contra a adequação que estabelece a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual na Argentina (Ley de Medios). Ele advertiu contra a tormenta de liminares, comentou a sentença de Griesa e analisou os homicídios dolosos e a forma de reduzi-los. O artigo é de Martín Granovsky.

Buenos Aires - As grandes datas têm uma vantagem: ajudam a ilustrar um tema. E uma desvantagem: o simplificam demais. É o que parece acontecer com a próxima sexta-feira, sete de dezembro (o 7D), uma data que simboliza o cruzamento entre o artigo 161 da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, sobre a adequação dos proprietários de meios de comunicação com as normas de mercado sem posições dominantes, a liminar interposta pelo Grupo Clarín e a falta de decisão judicial sobre o fundo do assunto, a constitucionalidade do artigo. Raúl Zaffaroni, que não é somente um jurista, mas também ministro da Suprema Corte, analisa o tema e explica as últimas resoluções do máximo tribunal.

– Falta menos de uma semana para o famoso 7 de dezembro. O que deverá acontecer nesse dia?

– Vamos aos fatos. Até agora o que se decidiu na Corte é simplesmente não deixar lugar à via ensaiada pelo Clarín para um acesso, precisamente, à Corte. Também resolvemos dizer para o foro Civil e Comercial Federal: “Ponham-se em ordem e desemaranhem o que existe, com seu acréscimo de desculpas e rejeições”. Com relação ao juiz, que dite sentença o mais rápido que puder.

– Vocês indicaram a ele um dia para ditar sentença?

– Não, não podemos dizer a ele. O juiz tem prazos. O que se diz é que os prazos se encurtem.

– A última sentença da Suprema Corte sobre todas as circunstâncias que envolvem o artigo 161 da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que estabelece a adequação dos meios a novas participações de mercado, aprofunda ou muda a sentença da Corte do mês de maio de que as liminares deviam ter um prazo razoável?

– A sentença do dia 22 de maio continua vigente. O que se ensaiou agora por uma das partes reclamantes é uma via de entrada por um recurso não procedente. Dizemos que assim não se faz. Por isso não se abriu a instância. E aproveito para esclarecer que não houve resolução complementar. Na Suprema Corte foram assinadas as duas no mesmo momento. Por um lado, uma fórmula sacramental, e por outro lado uma resolução dizendo aos juízes que atuem.

– O que é uma fórmula sacramental?

– É como um carimbo. Uma fórmula habitual para dizer que um recurso não procede.

– E qual é o espírito da mensagem ao juiz?

–Coloco um exemplo prático. Que o juiz tire as fotocópias que tenha que tirar e que não se desligue do expediente. Que não feche agora o expediente completo e o mande para cima.

– Que não prolongue desnecessariamente procurando a segunda instância?

– A mensagem poderia ser lida assim: “Senhor, não enrole mais e escreva a sentença”. Certamente, chegar a essa sentença é algo que deve ser feito respeitando os prazos processuais segundo o estado da causa.

– Existe algum elemento a vista para tirar a conclusão de que o Poder Judiciário incorreu em denegação de justiça?

– Não, de forma alguma. Denegação de justiça não. Existe um retardo de justiça motivado por uma confusão de desculpas e rejeições. O atraso não é denegação. Salvo que se prolongue indefinidamente. Já sentenciamos contra a prolongação indefinida e também resolvemos pedir de forma concreta uma aceleração do trâmite, inclusive aproveitando a fundo o horário.

– Os juízes costumam dizer que não há uma legislação sobre o prazo de vigência de uma liminar. Em maio a Corte disse que uma liminar sem fim é como uma sentença de fundo. Seria conveniente para a Justiça que existisse uma legislação sobre liminares?

– Seria possível, na teoria, mas é muito difícil. As liminares regem matérias muito heterogêneas.

– Mas o critério da Corte é que a base das sentenças não sejam as liminares.

– Não podemos tolerar que todo o Direito se transforme em direito cautelar.

– O quê seria um direito cautelar?

– Um direito pelas dúvidas. Estendamos o campo de análise. Se tivermos 60% de processados nas cadeias quer dizer que também os temos pelas dúvidas. No lugar de sentenças, medidas pelas dúvidas. Não é conveniente. Em matéria civil, as coisas são diferentes. Uma liminar tem a vantagem de que se podem derrubar.

– Umas medidas compensam as outras.

– Sim. Mas isso não se pode levar assim no mais para o Direito Administrativo.

– Por quê?

– O Direito Administrativo puramente cautelar pode parar a administração pública. Seria necessária uma regulação, mas não é fácil obtê-la. O problema aqui é que se trasladou um sistema de cautelares da Justiça que trata sobre temas privados ao plano do Direito Administrativo. Isso é preocupante.

– Quando começou esse traslado massivo de um foro a outro?

– Há muitos anos. Antes, obter uma liminar em Direito Administrativo era difícil. Nada simples. Em um momento se produziu uma catarata de liminares como motivo do corralito (contenção dos depósitos).

– Ou seja, decisões judiciais posteriores a dezembro de 2001. Já são mais de dez anos.

– Foi como uma tormenta de verão de liminares que seguiu e terminou com uma época na qual alguns temas se manejavam com mais prudência.

– Já que apareceu a palavra “prudência”. Foi prudente a câmara de Nova York que suspendeu a aplicação da sentença do juiz Thomas Griesa?

– Resolveu a coisa bastante bem. De qualquer forma, eu venho insistindo em que seria conveniente que, para o futuro, revisássemos a extensão da nossa jurisdição em benefício de tribunais estrangeiros. Temos que pensá-lo em uma eventual reforma constitucional ou submeter a jurisdição a outros controles. Se não, é cessão de soberania. Porque a jurisdição é um atributo de soberania. Claro que deve ser feito com a devida prudência. Ao contrair a dívida originária e ainda por cima ceder jurisdições, essa prudência não existiu. A soberania do povo é a fonte dos três poderes do Estado.

– Existe uma tensão entre a internacionalização e essa soberania.

– Tensão existe, claro. Mas o sistema internacional funciona desta forma. Não existe internacionalmente um procedimento para o caso de falência de um Estado. Mas quando há uma pressuposição de falência, se convoca os credores. Isso se faz em todos os lugares. Griesa deveria ter dito que 7% dos que adquiriram bônus e na época não aceitaram nenhuma das permutas deveriam receber o mesmo que antes a maioria tinha aceitado. Se, caso contrário, se aceita o critério Griesa, ninguém irá recuperar uma dívida nunca mais.

– Na Argentina ou no mundo?

– Hoje o tema das dívidas é mundial. Existem dívidas astronômicas e impagáveis porque comprometem em muitos casos inclusive mais do que o PIB de um país. Se aparece um louco como Griesa e diz que quem não aceitou tem que cobrar a totalidade, não se poderá resolver nunca uma situação de falência de um Estado. Isso alarma todo o sistema financeiro. Griesa não tem sentido da realidade econômica.

–Também é ruim a vigência de jurisdição do Ciadi?

–Também. Comprometemo-nos a extensões de jurisdição e, além disso, nos submetemos a organismos onde sabemos o tipo de predomínio que existe. Cuidado. Daqui em diante, quando alguém quiser ceder mais soberania, comecemos a engessar a mão dos que assinem.

– Na apresentação dos trabalhos do Instituto de Investigações da Suprema Corte sobre homicídios dolosos difundidos na última quinta-feira, o texto diz que “a República Argentina passou por situações gravíssimas de violência institucional e social, mas que na atualidade não registra cifras alarmantes de criminalidade em relação às da região”.

– Sim. Também considero que é o momento de começarmos a nos ocupar do dano real do delito, porque ninguém pode prever o que desconhece.

– Os dados do Instituto de Investigações da Corte Suprema sobre homicídios na Capital Federal, La Plata, San Martín, Tres de Febrero e José C. Paz dão o primeiro lugar ao desentendimento ou à briga como motivação do homicídio doloso.

– Sim, ou um conflito pessoal que não é intrafamiliar. Existe uma hipótese com relação a isso. Como se geram economias violentas de subsistência ao redor das favelas, muitos conflitos podem estar provocados por estas economias de sobrevivência relacionada com tóxicos. Mas pode haver outras explicações. Vamos continuar trabalhando com toda a Grande Buenos Aires para descobrir. Conseguimos a cooperação das universidades da região metropolitana. Todas têm cursos de ciências sociais. Então, usemos todas as metodologias. Inclusive a análise qualitativa para entender as bases dos conflitos.

– Uma hipótese de trabalho é de que exista um fenômeno de controle territorial e disputas violentas pelo narcotráfico?

– Exatamente. É uma das hipóteses. É necessário entrar para ver na investigação se é confirmada ou não a hipótese. Mas quando falo de tóxicos, falo também de álcool e de fenômenos cotidianos. Tanto em 2010 quanto em 2011 existe uma alta incidência de álcool que se pode descobrir quando avança o ano. Em outro nível de análise, quando começam os operativos da Polícia Rodoviária e Guarda Naval, os homicídios diminuem.

Na cidade de Buenos Aires os homicídios dolosos se concentram nos bairros do Sul. No departamento judicial de San Martín, segundo dados do Instituto, nos bairros de emergência.

– Sim. No resto a incidência do homicídio doloso é menor. Em La Plata estão um pouco mais distribuídos porque La Plata não tem grandes bairros de emergência, mas sim pequenos bairros deste tipo. Existem 14 municípios. A densidade populacional é menor e inclusive tem zonas rurais.

– As hipóteses de trabalho avançaram na forma de reduzir os homicídios com motivo de briga?

– É obvio que é necessário tomar medidas de prevenção primária. A urbanização. Pavimentar, colocar luz, polícia, escola, esgoto, água potável. Melhorar as construções. Desenvolver projetos de moradia. E, quanto à prevenção secundária, os dados mostram que quando se melhoram os serviços existe um efeito positivo.

– O estudo revela que, como motivo de homicídio, o roubo não é o principal.

– Baixou, sim. Na cidade de Buenos Aires fica muito claro. Nos outros casos veremos. Mas a conclusão sobre a localização dos homicídios dolosos é muito clara: temos que reclamar que não haja homicídios de primeira e homicídios de segunda. Concentrar a atenção nas zonas com maior índice de crimes, que são as zonas de ocupações irregulares. O resto tem um índice de homicídios que não é para festejar, porque nunca temos que ser superficiais com este tema, mas representam três homicídios dolosos por cada cem mil habitantes. É o índice do Canadá ou da Europa.

– Voltemos à hipótese da territorialização do narcotráfico. Estão os casos dos Estados do norte do México, ou o de São Paulo.

– É simplesmente uma hipótese, porque justamente vejo o que acontece em outras cidades da América Latina. Na Argentina, de qualquer maneira, a incidência seria muito menor se comparada com outros países. Mas insisto nas vítimas de primeira e de segunda. No índice, os estrangeiros que são vítimas de homicídio doloso estão acima de 33% na cidade de Buenos Aires. Quando falo de prevenção primária, digo que na medida em que vamos reduzindo a exclusão social e avancemos com a urbanização, reduziremos o exército de reserva para o recrutamento de organizações ilícitas. Hoje, tendo em conta que a cidade de Buenos Aires tem 160 mil habitantes de bairros precários, não estamos frente a um número inatingível se queremos fazer políticas públicas. Estamos perfeitamente a tempo para entrar com tudo na urbanização e na prevenção primária. Enquanto isso, temos que melhorar a prevenção secundária.

– Não piora a situação das fronteiras o uso, por exemplo, da Polícia Rodoviária em zonas da Grande Buenos Aires ou da Capital Federal?

– Não sei se nosso problema é de estradas. Temos que controlar aviões. A situação geopolítica não é tão grave com respeito ao tráfico. O tráfico formiga tem que ser controlado, mas a chave é que não se gere uma rota alternativa em nível internacional.

– A situação em Rosário, com os homicídios dos últimos meses, também revela enfrentamentos territoriais?

– No ano passado, a Suprema Corte de Santa Fé fez um levantamento com cifras de 2010. O resultado era insólito. O índice de homicídios era maior em Santa Fé que em Rosário. Algum criminologista importante da universidade do Litoral me explicou. Os pobres se matam entre eles, não saem a matar gente por outro lado. A inundação de Santa Fé arrasou os bairros precários, que estavam em terrenos baixos. Isso distribuiu a população pelo resto da cidade e provocou uma vitimização em toda a cidade. Inclusive falei sobre isso com o atual governador e ele me confirmou o diagnóstico. Por isso: basta de homicídios de primeira e homicídios de segunda.

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