quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Nascidos na África


Na televisão, programa desvenda os vários aspectos do continente africano, jogando múltiplas visões de sua diversidade

AMILTON PINHEIRO
A guineense Dina Adão, uma das apresentadoras do programa
Nos tempos áureos do Globo Repórter, da Globo, no final da década de 70, o programa era feito por documentaristas e cineastas que usavam da linguagem do cinema e de sua qualidade técnica para fazer as reportagens que iam ao ar, tocando, inclusive, em assuntos espinhosos para um país que passava pela censura de uma ditadura militar, como a miséria e a luta dos sem-terra. O programa mostrava um país repleto de injustiças e misérias, mas, ao mesmo tempo, falava da riqueza de sua cultura, de suas potencialidades econômicas, da alegria e da batalha de seu povo mais humilde. Documentaristas e cineastas, como Jorge Bodanzky, Eduardo Coutinho, João Batista de Andrade e Hermano Penna, aprimoraram os olhares de suas câmeras na atração e fizeram história. Dentro dessa mesma premissa, o programa Nova África, em sua segunda temporada na TV Brasil, utiliza dos recursos de cinema (documentaristas dirigem os episódios) para realizar os episódios que vão ao ar todas as sextas-feiras, às 22 horas, abordando e ao mesmo tempo desmistificando a diversidade cultural, econômica, social e religiosa de países que compõem o continente africano.
O programa é apresentado por três profissionais: a jornalista brasileira Aline Macari, o também brasileiro e músico Márcio Werneck e a guineense Dina Adão que, além de jornalista, é atriz. Mostrar as diferenças entre os países africanos é um dos objetivos do Nova África, pois é usual para aqueles que não nasceram no continente africano pensarem que todos os países são iguais. Há muitas semelhanças, mas também diferenças significativas que são importantes para entender a riqueza desses lugares e de sua gente. Outra preocupação da atração da TV Brasil é apresentar uma África pulsante e vigorosa, bem diferente do que é estampando nos noticiários do mundo inteiro (miséria, doenças, guerras civis, ditadores, corrupção, mortes) ao longo dessas últimas décadas. Outros olhares sobre um dos continentes que mais crescem atualmente e que mesmo com as dificuldades está encontrando soluções econômicas e sociais para si. Ou seja, desmistificar a ideia de que a África é um continente condenado e inviável economicamente. Especialistas, autoridades e representantes da sua cultura são entrevistados para discutir os assuntos tratados em cada episódio. São personalidades como Nelson Mandela, o escritor J.M. Coetzee, o poeta Gabriel Mariano e a ativista e ambientalista Wangari Maathai - a primeira mulher africana a ganhar um prêmio Nobel da Paz.
A luta contra os modismos
O Nova África mostra para nós brasileiros esses novos aspectos do continente africano que desconhecemos hoje. Apesar da estreita relação com a África, incorporamos no nosso imaginário uma África de males e inviabilidade econômica e acabamos por nos distanciar dos verdadeiros elementos que constituíram nosso povo e nossa nação. "Quando reafirmo que o Brasil tem as suas origens na África, quero mostrar que as semelhanças são muitas: o povo, as culturas, a língua que nos unem, a gastronomia, o clima, a mesma alegria estampada no rosto dos africanos está estampada no rosto dos brasileiros, a amabilidade africana está no Brasil, o acolhimento brasileiro está na África, o savoir fair africano está no Brasil", entende Dina Adão, de 43 anos. Confira abaixo a entrevista com a apresentadora guineense.
De que maneira o Nova África contribuirá para conhecermos mais o continente?
Para começar, a segunda temporada já foi muito bem pensada pela TV Brasil e muito bem produzida pela Cinevideo. O conteúdo é positivo e sem estereótipo, é outra visão da África, diferente daquela da violência, fome e miséria. Essa nova temporada foi muito abrangente, percorreu mais de 30 países, mostrando a evolução do continente em todos os aspectos, desde a economia até a arte, cultura e moda. O envolvimento de africanos no projeto também foi algo muito importante na construção da nova temporada. A participação de uma repórter africana - eu, Dina Adão, a de Moreira Chonguica, músico moçambicano que compôs toda a trilha sonora, além da equipe técnica e de conteúdo, contribuiu para mostrar aos brasileiros literalmente a "Nova África" que surge, e o melhor, contada por meio dos seus filhos africanos, pois assim como só vocês brasileiros podem nos contar sobre as realidades e evoluções do seu país, nós também, africanos, temos muito mais para mostrar além do olhar dos estrangeiros. Projetos dessa natureza só podem contribuir para que os brasileiros conheçam melhor a África. E aproveito esta oportunidade para dizer que nós, africanos, também queremos conhecer o Brasil dos brasileiros, por isso, por que não programas da mesma natureza no sentido oposto? Eu adoro o Brasil!
Vendedoras de rua em Maputo, Moçambique
Que "nova" África vocês querem mostrar? 
Um continente em pleno crescimento, uma África viva, sem estereótipo, longe de preconceitos, simplesmente uma África real, suas circunstâncias e o seu povo. Um programa realizado pelos filhos do Brasil através dos olhos dos filhos da África. Porque todos sabem que no ombro do Brasil pesa o mesmo preconceito que pesa sobre o continente africano. Para muitos que não conhecem a África, o nosso continente se resume em guerra, miséria, fome e doenças. E para muitos que não conhecem o Brasil, o país é só samba, mulher bonita, Carnaval e a praia de Copacabana. Não, não, não! O Brasil é muito mais que tudo isso. Portanto, o Nova África quer mostrar o que realmente é a África. E para mim, que sabia que o Brasil não era só isso, essa minha viagem me ajudou a consolidar essa realidade. O Brasil tem um povo bom, adoro-vos, o vosso mosaico cultural e invejável.
Recentemente, o escritor Agualusa disse que o Brasil já teve uma relação cultural muito mais próxima com os países africanos, mas hoje ele acha que estamos nos distanciando. Ele cita, por exemplo, que a literatura contemporânea brasileira não fala da África. O que você pensa a respeito?
Concordo com o seu ponto de vista, mas, o mundo é uma bola, gira. Na sequência muda também a intensidade nas alianças e nas cooperações entre povos e países, tudo isso se baseia nos interesses, mas a única certeza que eu tenho, e guardo a sete chaves, é que o Brasil tem as suas origens na África, ninguém pode escamotear isso. A nova temporada do programa está testemunhando isso, apesar dos compromissos da globalização.

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