quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os irmãos siameses


DEBATE ABERTO

Os irmãos siameses

Se o governo quisesse fazer alguma coisa realmente relevante deveria pensar numa aposentadoria especial para esportistas. Isso sim seria um reconhecimento a uma classe profissional que tem problemas específicos, como a breve duração de suas carreiras.

No Brasil, futebol e demagogia são quase irmãos siameses. Um está ligado ao outro pelo abdômen. E pelo bolso.

Os jogadores fazem demagogia com os clubes, beijando camisas e jurando amor eterno; os presidentes dos clubes fazem demagogia com seus conselheiros, dando-lhes camisas, camarotes e entradas grátis para shows; e mesmo a Globo faz demagogia com a CBF, não mostrando o lamentável passado político de José Maria Marin.

Todos tentam parecer bonzinhos. Mas na verdade eles têm uma segunda intenção. Que pode ser ganhar o apoio dos torcedores, os votos dos sócios ou os direitos de uma transmissão.

A demagogia mais recente foi feita nesta quinta-feira. Desta vez, pelo governo. Os ministros Aldo Rebelo, do Esporte, e Garibaldi Alves, da Previdência Social, assinaram uma portaria que dará 100 mil reais aos jogadores que fizeram parte das seleções brasileiras campeãs mundiais de 1958, 1962 e 1970. Mais uma pensão mensal de R$ 3.916,20 (menos a renda mensal dos contemplados).

Quem olhar a notícia de passagem pode pensar que o governo está dando valor ao nosso passado, premiando heróis esquecidos etc... Mas é pura demagogia. É apenas uma maneira de o governo ligar sua imagem à do futebol, e usando amados e antigos craques para isso. 

Em essência não há diferença entre esta premiação e os Fuscas dados por Maluf aos campeões da Copa do México. A não ser que os Fuscas eram mais baratos. São prêmios que visam mais enaltecer o premiador que o premiado. 

É claro que os jogadores que venceram copas são importantes. Mas eles não podem ser transformados em brasileiros especiais. Há milhões de outros cidadãos que precisam mais deste dinheiro que os ex-jogadores. Mesmo porque alguns destes, como Pelé, Zagallo, Carlos Alberto e Leão, são milionários.

Se o governo quisesse fazer alguma coisa realmente relevante deveria pensar numa aposentadoria especial para esportistas. Isso sim seria um reconhecimento a uma classe profissional que tem problemas específicos, como a breve duração de suas carreiras.

Além do mais, por que só premiar os jogadores vencedores? Os atletas de 1954 ou de 1966 se esforçaram menos? Será que eles, que ficaram mais longe da mídia, não precisariam ainda mais de uma premiação como esta?
E por que só o futebol? Por que o pessoal do atletismo, via de regra mais pobre que os boleiros, não foi incluído? Eles não merecem tanto quanto e não precisariam ainda mais? O prêmio é tão injusto e oportunista que Tostão, logo que foi feito o anúncio da intenção do governo, disse que não aceitaria o prêmio: “O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma? Além disso, todos os campeões foram premiados pelos títulos. Após a Copa de 1970, recebemos um bom dinheiro, de acordo com os valores de referência da época.”

Por fim, a CBF vive dizendo que é uma entidade privada, que tem autonomia, etc... Então não seria ela, a principal beneficiada com a conquista destas três Copas, que deveria arcar com esta premiação?

A atitude dos ministérios do Esporte e da Previdência Social foi lamentável. Uma jogada de marketing injusta com milhares de outros atletas e milhões de aposentados. 

Daqui a alguns meses teremos velhos craques de cabeça branca agradecendo a atitude do governo. Muitos pensarão que isso é justiça. Mas não. É apenas demagogia.

José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

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