terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Da Rússia, com temor


Queda de meteoro chamou a atenção do mundo para a importância do monitoramento do espaço e mexeu com a imaginação – e a ganância – de muita gente.

Marcelo Garcia
Da Rússia, com temor
Pedaços pequeninos de meteorito foram tudo que restou da rocha que recolocou a defesa da Terra contra corpos celestes na ordem do dia
Na sexta-feira passada (15/02), um cenário comum em filmes-catástrofe se tornou um pouco mais real: o choque de um asteroide surgido ‘do nada’ contra a Terra deixou o mundo mais preocupado com nosso futuro. Além de fazer 1.200 feridos, causar um prejuízo estimado de 25 milhões de euros e deixar o bolso de alguns espertinhos um pouco mais cheio na Rússia, o evento chamou atenção para uma necessidade já apontada há décadas pela ciência: encontrar estratégias para evitar possíveis choques de grandes proporções com a Terra.  
O evento chamou atenção para uma necessidade já apontada há décadas pela ciência: encontrar estratégias para evitar choques de grandes proporções com a Terra 
Após estimativas iniciais mais modestas, o meteoro se revelou maior do que o previsto: tinha 17 metros de diâmetro e cerca de 10 mil toneladas. Sua explosão, entre 30 e 50 km de altitude, liberou energia equivalente a mais de 30 bombas atômicas. Os primeiros fragmentos recolhidos – pequenas rochas com diâmetro em torno de um centímetro encontradas ao redor do congelado lago Chebarkul – mostraram que o meteoro era um condrito, o tipo mais comum de meteorito encontrado na Terra. Embora a queda tenha criado um buraco de oito metros de diâmetro na superfície do lago, mergulhadores russosnão encontraram fragmentos maiores em seu interior. Acima da superfície, o saldo foi de milhares de janelas partidas, cerca de 300 edifícios afetados. 
Durante toda a semana, houve muito alarde sobre o episódio, especialmente por parte do governo russo. O chefe do Comitê de Assuntos Exteriores do Parlamento, Alexei Pushkov, chegou a declarar, via Twitter, que “em vez de lutar na Terra, as pessoas deveriam criar um sistema conjunto de defesa dos asteroides” e o presidente Vladimir Putin convocou Estados Unidos e China para criar um sistema de defesa contra esses corpos celestes. Um grupo de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) também propôs a adoção de um plano de coordenação internacional para detectar asteroides potencialmente perigosos e projetar missões espaciais capazes de desviar sua trajetória.
Espaço monitorado
O astrônomo brasileiro Fernando Roig, do Observatório Nacional (ON), ressalta a importância de aprimorar sistemas de defesa contra asteroides e destaca que a discussão atual reflete o que muitas iniciativas já fazem nesse sentido. O Brasil, por exemplo, possui um projeto de monitoramento de asteroides, o Impacton, do ON, que, embora não funcione como um sistema de alerta, visa estudar as propriedades de objetos conhecidos para entender melhor sua composição, seu comportamento e sua origem. 
Asteroides

Apesar dos esforços das agências espaciais, ainda há muito a ser feito para monitorar todos os asteroides potencialmente perigosos para o nosso planeta. A identificação prévia pode ser fundamental para evitar desastres.
“Existe um bom investimento na identificação de asteroides potencialmente perigosos e hoje já conhecemos quase todos os objetos com 1km ou mais de comprimento”, explica. “Em colaboração com outras agências espaciais, a Nasa pretende catalogar, até 2020, 90% dos asteroides próximos à Terra com mais de 140 metros de diâmetro.”
Roig vê um certo exagero na reação russa. “O evento de Chelyabinsk não foi incomum, mas é muito improvável que pudesse ser previsto e também que se repita atingindo outra área povoada e ferindo um grande número de pessoas, já que boa parte da superfície do planeta é desabitada”, afirma. “No fundo, o governo russo não está dizendo nada diferente do que a comunidade científica vem cobrando há mais de 20 anos.”
Além das agências espaciais, a iniciativa privada também tem investido no monitoramento dos asteroides. A fundação sem fins lucrativos B612, por exemplo, criada por cientistas, empresários e ex-astronautas, pretende construir um satélite para ficar em órbita do Sol. A partir do seu ponto de vista privilegiado, ele poderá ajudar a identificar asteroides perigosos em rota de colisão com a Terra.
Desviar, não destruir
Maior do que a dificuldade para identificar corpos considerados pequenos, o grande problema na defesa do planeta contra objetos espaciais é a criação de soluções viáveis para evitar impactos catastróficos. “Hoje, há algumas ideias sobre como se poderia desviar um asteroide em rota de colisão com a Terra, mas ainda não saíram do papel devido às dificuldades tecnológicas envolvidas”, avalia Roig.
Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, o astrônomo Alan Fitzsimmons, do projeto europeu NEOShield, divide em três as formas de afastar asteroides perigosos: um empurrãozinho, um chute e uma explosão – a escolha depende de fatores como o tamanho e a composição do corpo e o tempo antes da colisão. 
Se a previsão for antecipada, um leve desvio pode resolver o problema. “Uma técnica promissora é o trator de gravidade, que utiliza a atração gravitacional de uma nave posicionada próxima ao asteroide para desviar sua trajetória”. O ‘chute’ consiste em acertar a rocha com uma espaçonave para mudar sua rota. Por fim, em situações desesperadoras, uma explosão nuclear pode desviá-la – mas é preciso ter cuidado para não despedaçar o asteroide, o que aumentaria a quantidade de destroços caindo na Terra. 
Assista ao vídeo sobre estratégia idealizada no MIT para desviar asteroides com 'paintball'
No ano passado, um estudante do MIT propôs outra estratégia, inusitada, na qual armas de paintball seriam usadas para prevenir o choque. No espaço, a aplicação de algumas toneladas de tinta sobre o asteroide criaria uma espécie de camada refletora, que aumentaria a pressão da radiação solar sobre ele e, com isso, alteraria o seu curso. Outra estratégia, mais pirotécnica, pretende utilizar raios laser alimentados pelo Sol para destruir asteroides em rota de colisão com a Terra.
As muitas histórias do meteoro 
Além de colocar a pesquisa espacial na ordem do dia, a história do asteroide atraiu oportunistas de plantão. A região do lago Chebarkul, por exemplo, recebeu uma leva de visitantes em busca de algum souvenier espacial. Aliás, não é difícil encontrar à venda na internet supostos fragmentos do meteoro, que podem custar até dois mil dólares o grama – 40 vezes mais do que o ouro. O complicado é garantir a autenticidade da peças...  
O pânico gerado pelo evento também parece ter mexido com a imaginação de muita gente. Na noite da própria sexta-feira, moradores da Califórnia, nos Estados Unidos, e de Cuba afirmaram ter visto outra bola de fogo cruzando os céus. Nada foi comprovado, mas os especialistas acreditam tratar-se de um meteoro pequeno como os que queimam habitualmente na atmosfera várias vezes ao dia.
O fato, no entanto, alimentou as teorias conspiratórias que denunciam um ataque secreto norte-americano, num arroubo ultrapassado de Guerra Fria. E o Brasil também teve sua própria história de meteoritos: moradores do Rio de Janeiro avistaram um estranho objeto queimando no céu.
Confira uma compilação de imagens da queda gravadas por câmeras a bordo dos carros russo. Mas qual o motivo de tanta vigilância?
Outra questão que chamou atenção no episódio foi a quantidade de câmeras a bordo de carros russos que gravaram a queda do meteoro. Na verdade, elas servem para evitar a corrupção policial nas estradas e até para se livrar de espertinhos que se atiram na frente de carros para fraudar o seguro. De qualquer forma, essa profusão de registros, aliada à análise mais detalhada dos fragmentos encontrados, poderá ajudara esclarecer a origem da rocha, reconstruindo sua trajetória no espaço. O trabalho não é simples, mas ajuda a determinar se o corpo chegou a ser detectado por algum sistema de monitoramento existente. 
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line

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