segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O futuro da Itália depende da votação de Beppe Grillo


O futuro da Itália depende da votação de Beppe Grillo

O resultado da eleição italiana é incerto pela influência do comediante Beppe Grillo, que disputa o pleito. Nada está garantido. A centro-esquerda acaricia a vitória, mas não o poder. “Nos deem os meios para governar”, disse o ex-comunista Bersani em um de seus últimos atos eleitorais. A reportagem é de Eduardo Febbro, de Roma

Roma - O riso político e a fé ferida, as eleições legislativas realizadas neste domingo e nesta segunda-feira na Itália têm um perfil inédito: a crise que fez tremer os alicerces do Vaticano com as acusações de corrupção e pedofilia contra a cúria romana eclipsou em parte uma consulta eleitoral que pode levar a esquerda ao poder, mas cujo resultado, por paradoxal que seja, depende de um homem anti-sistema: o comediante Beppe Grillo, líder do movimento 5 estrelas. Beppe Grillo colocou nas cordas todas as forças políticas do país com uma metodologia simples e poderosa: uma página na internet, uma conta no twitter, um discurso contundente em cada um de seus comícios contra a corrupção e os funcionários da União Europeia e uma recusa sem concessões a se apresentar nos canais de televisão em um país onde os políticos dão a vida para ficar diante das câmeras.

A receita tocou o coração dos eleitores a tal ponto que a variável da vitória do candidato da esquerda, Pier Luigi Bersani, ou do retorno do inesgotável e esgotador ex-presidente do Conselho italiano, Silvio Berlusconi, depende deste comediante. Beppe Grillo atraiu milhões de cidadãos fartos de corrupção e dos conchavos pelas costas dos eleitores.

Enaltecidas e anômalas, as eleições italianas sofreram dois golpes imprevistos: o terremoto que sacudiu o Vaticano com a renúncia do Papa Bento XVI, anunciada pelo próprio em latim no dia 11 de fevereiro, e, no dia 8 de dezembro do ano passado, a imprevista irrupção de Berlusconi como candidato. Ninguém apostava no retorno do velho lobo da política italiana perseguido pelos tribunais. Não só voltou como, além disso, está praticamente empatado com o candidato do Partido Democrático, Pier Luigi Bersani, um homem que surgiu das primárias realizadas pelo PD em dezembro do ano passado. A única coisa que os italianos sabem com certeza é que o papa renunciará no próximo dia 28 de fevereiro. O resto é um salto no desconhecido.

O resultado da eleição é incerto pela influência de Beppe Grillo. Nada está garantido. A centro-esquerda acaricia a vitória, mas não o poder. “Nos deem os meios para governar”, disse Bersani em um de seus últimos atos eleitorais. Em cifras concretas e segundo as estimativas, Bersani pode obter 55% dos votos se ficar em primeiro. No entanto, maioria não significa governo porque isso vale para a Câmara de Deputados e não para o Senado, onde valem os cálculos regionais. A lei eleitoral é tão complicada que até seu autor, o senador da Liga do Norte, Roberto Calderoli, a qualificou como uma “porcaria”.

A Itália pode amanhecer na terça-feira em estado de completa ingovernabilidade devido a dois fatores: a complicação da lei e o afundamento do partido de centro, Scelta Cívica, liderado pelo atual presidente do Conselho, o centrista Mario Monti. Um resultado pobre do centro retiraria do PD a possibilidade de uma aliança decente e, com isso, na mesma semana, o Vaticano ficaria sem papa – renúncia no dia 28 de fevereiro – e a Itália sem governo. O país atravessa, porém, uma situação desesperadora. Um de cada três jovens não tem trabalho. A Itália, que é a terceira potência econômica da zona do euro, já está há dois anos mergulhada na recessão e tem uma dívida que representa 127,4% de seu PIB. A ingovernabilidade é um luxo ao qual o país não pode se dar. Contudo, a ameaça é real. Por isso, o ex-presidente do Conselho Italiano, Massimo D’Alemma (esquerda), não para de repetir: “precisamos nos mexer, senão isso vai terminar mal”.

A esquerda italiana vê escapar entre suas mãos uma vitória quase segura. O populismo de Berlusconi e sua inesperada campanha – a sexta desde 1994 -, somado à aparição de Beppe Grillo ofuscaram o “realismo do possível” defendido por Bersani. Um pouco como ocorreu na França com o hoje presidente socialista François Hollande, Bersani é o “homem normal” da política nacional, o representante de uma social democracia moderada, séria, sem encantos românticos, que promete um governo maduro e apaziguador. Ao seu lado levantaram voo a águia berlusconiana e a virulência anti-sistema de Beppe Grillo. Berlusconi não para de colocar sobre a mesa propostas delirantes como aquele que consiste em dizer que vai reembolsar “à vista ou com um cheque” uma parte dos impostos. Beppe Grillo não fica atrás quando promete “uma jornada semanal de 20 horas de trabalho e um salário mínimo de 1.100 euros”. O centrista e atual chefe de governo, Mario Monti, também protagonizou alguns episódios grotescos. O “Professor”, o pai do rigor à italiana, hipotecou seu crédito político com promessas demagógicas, o que explica em parte a queda vertiginosa de seu partido. Há algumas semanas, Monti anunciou que se ganhasse as eleições suprimiria um polêmico e custoso imposto sobre a propriedade...que ele mesmo impôs à sociedade.

Longe de desenhar um futuro distinto, as eleições deste domingo e segunda representam a ameaça de uma nova encruzilhada que, ao invés de tirar o país da estagnação, pode repetir as crises cíclicas de sempre. A esquerda do Partido Democrático busca mover as linhas do passado, sanear o sistema, equilibrar os alucinantes privilégios de uma classe política que funciona como uma casta impune, que detém todos os poderes e se encontra a anos luz do país que pretende governar. Sanear as contas públicas e promover justiça social: esse é o credo do PD. No entanto, a credibilidade da esquerda foi arranhada por conta de um escândalo que a atingiu em plena campanha, a do Banco Monte dei Paschi, a instituição bancária mais antiga do mundo (1472) e próxima ao PD. Como se isso não bastasse, a este se seguiu um outro escândalo, o da Finmeccanica, que atingiu também a Liga do Norte, partido aliado de Berlusconi.

Praticamente não sobrou um político com coroa de santo. E esta situação de caos e suspeitas favoreceu Beppe Grillo: “todo o sistema está caindo. Há uma prisão a cada quatro horas”, disse o comediante em um de seus comícios. Os eleitores, saturados de corrupção e comissões, o escutam como uma alternativa verossímil quando ataca os “caciques do PD”, o anão do Berlusconi” ou o “vampiro Monti”. Neste teatro agitado, Bersani explica que “não está contra aqueles que vão escutar Beppe Grillo. Entendemos sua raiva e desamor em relação à classe política. Mas isso é um estado de ânimo e não uma atitude política”. Estado de ânimo, rejeição permanente do sistema atual, cansaço dos joguinhos fáceis, seja qual for a explicação a Itália depende do resultado de um movimento como o de Grillo (18% das intenções de voto) cujo principal slogan é “tirem todos eles”.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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