quinta-feira, 7 de março de 2013

Jon Sobrino: ‘Não me importa que o papa seja negro, europeu; me importa que se arrisque pelos pobres’


06.03.13
 - Mundo

 
Enrique Conde
Noticias de Navarra
Adital
Tradução: ADITAL
Visitou Pamplona durante o ciclo de conferências organizado pelos Jesuítas pelos 50 anos do Concílio Vaticano II. A sala estava lotada e não cabia mais ninguém; todos queriam ouvir a Jon Sobrino, que falou sobre "A Igreja dos Pobres. O pacto das catacumbas”, um título revelador de um homem com frequentes com a hierarquia eclesiástica
Pamplona. Jon Sobrino diz que o importante não é o motivo pelo qual Ratzinger renunciou, pois vê normal que ele sentisse certa "solidão ante Deus, porque não tinha outro papa acima dele para aconselhá-lo” ou quem será seu sucessor; mas, o absoluto, o relevante, é "Deus e a fome”. Fala carregado de ironia e diz que temia que em seu discurso fosse mudada um letra e pensassem que na realidade queria falar de Deus e do homem. Porque, precisamente quando lia Ratzinger, em 1966, em Frankfurt, "que escrevia muito bem”; porém, era muito sensível à desumanização, à produzida pelo desaparecimento de Deus; porém, não dos pobres. Não parece que compreendeu a fome das pessoas”. Além disso, após tantos anos com esse discurso distinto, cristão, sem dúvida, esclarece que "já nem me perguntam o que é a Teologia da Libertação”. "É Deus e a fome”, responde.
O senhor disse em alguma ocasião que a Igreja, como Jesus na cruz, tem que começar pelos derrotados. No entanto, parece que em algum momento essa trilha foi perdida.
Claro que foi perdida, como as democracias... Quando leio os jornais, há muitas verdades que, no fundo, são contra o que os bispos fazem, ou sobre o papa que acaba de renunciar; e se fez bem ou se fez mal; porém, sinceramente isso não me parece o mais importante. O mais importante é ó que nós podemos fazer como seres humanos. Eu falava aqui em construir uma igreja dos pobres, onde os pobres se sintam como se estivessem em suas casas. Que agora não sintam isso é outro assunto. Que os emigrantes, por exemplo nos Estados Unidos, encontrem nos cristãos e em outros, algo que lhes ajude de fato, e que quando são atacados, que alguém os defenda, e que os cristãos e cristãs se arrisquem.
O que podem arriscar?
Tempo, fama, dinheiro, inclusive, a vida, como os mártires que existiram, como Dom Romero, em El Salvador. No contexto atual do novo papa, sobre se será negro, europeu, o que se lê nos jornais todos os dias, sei lá mais o que... O que me importa é que seja alguém que arrisque pelos pobres deste mundo e que nisso se pareça a Jesus e nós o ajudemos a parecer-se com Jesus, apesar de que o critiquemos, de vez em quando. A Igreja dos povos soa estranho e uma Europa dos pobres soa pior, certo? Não que não existam pobres na Europa, pois existem; mas, porque a Europa não se sinta que seu futuro é a abundância e ter mais e não cair nas desgraças da África; essa é a impressão que eu tenho.
Que a Europa se sinta solidária com os pobres da África, da América Latina e da Europa... Que pensem o mundo a partir dos pobres para desfrutar com eles. O futebol, a quantidade de bens materiais que se investe no esporte de elite, que tem todos os traços de ser uma indústria multinacional com o qual as maiorias se divertem e esquecem seus pesares... Porém, que todos esses recursos da humanidade, não é que haja um presidente que tenha muitos milhões e ele com seus milhões paga tal ou qual; não, esses milhões são de todos.
Em várias citações o senhor repete que a Igreja deve estar no Terceiro Mundo
No Terceiro Mundo geográfico que chamamos. Claro que sim, lá deve estar e lá está. O que quero dizer é que aqui, nesses países que não são o Terceiro Mundo, apesar de que têm suas crises e dores, a Igreja deve ser solidária com o que existe de Terceiro Mundo nesses países e lutar contra o que há de primeiro mundo em ditos países. O que faz o Primeiro Mundo? Oprime o Terceiro Mundo.
Em sua opinião, o novo papa deveria parecer com Jesus de Nazaré...
Leia o Evangelho de Marcos. Aí Jesus de Nazaré vai aparecendo; se junta com o profeta João Batista e começa a anunciar uma boa notícia. Deus está com os pobres, começa a fazer milagres, que são mal compreendidos; a fazer o bem; a curar os enfermos; anima aos possuídos pelo demônio; e defende as multidões pobres da ação dos escribas, dos fariseus, de um sumo sacerdote, dos que tinham poder sagrado e político em Jerusalém naquele tempo. Não digo que o papa seja como este. Porém, o papa e os bispos, os padres e os teólogos devemos ir por esse caminho.
A maneira de eleger o papa deveria ser mudada?
Tomara que mude para uma melhor participação.O Papa é o bispo de Roma. Haveria que buscar mecanismos para que fosse eleito pelos 1.2 bilhão de católicos; porém, eu gostaria de chegasse esse tempo.
A Igreja evoluiu muito na última década?
Não sei. Creio que na última década… Levamos muito tempo sem mudanças. Mas, vejo que o esporte de elite evoluiu muito em uma indústria que produz uma infinidade de dinheiro, que agrega outras subindústrias, tais como a da moda, do turismo...Está mudando. Será para melhor do que antes? Veremos. Isso humaniza mais? Duvido. Para ser presidente de um clube talvez seja preciso ter grande concentração de capital infinito... Que tem de mau ter tanto capital? Não acho correto em um mundo de pobres como o nosso.
O Sr. considera que o esporte de elite desumaniza à sociedade?
Para mim, em conjunto, sim.
O poder tem sido o maior inimigo da Igreja?
A Igreja tem sido e é uma instituição que também tem poder; mas, nem todos na Igreja têm poder. Na Idade Média, papas e imperadores brigavam muito pelo poder. A Igreja como instituição tem inimigos quando se coloca a serviço dos pobres, de pobres democratas...
Que mensagem o sr. gostaria que transcendesse de sua obra?
Há um grupo de bispos (Casaldáliga, Romero), um grupo de cristãos importantes que se dedicaram à libertação dos pobres, dos oprimidos... Há teólogos que tentamos formular isso em conceitos. A mensagem é que devemos considerar como absoluto a duas coisas e somente duas coisas: os que somos crentes e Deus e a fome. Tudo é relativo, menos Deus e a fome, e que quando sentimos fome, que relativizemos de onde somos, o que estudamos, se estamos em regime democrático... E que ponhamos tudo o demais para que nesse mundo não haja fome. Agora, na Europa, pode-se ver cenas terríveis de gente que vai buscando comida; porém, a fome é o normal em muitas partes do mundo. Se superamos a fome, é porque podemos comer; e se podemos comer, faremos todos juntos, europeus e africanos. Devemos saber que temos parentes na África; um é parente distante... Esse seria um legado para todos. Porém, se não nos vemos como irmãos, alguém ganhará; uns se alegrarão; outros sofrerão. O que importa é a humanização; é que somos irmãos.
O que o Sr. Sentiu ao descobrir a fome?
Que nunca havia tido fome; pensei no que temos, em colocar-nos ao serviço das pessoas... E, em seguida, em agradecer, porque muitos dos que têm fome nos dão mais do que nós lhes damos.

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