A influência da divisão norte-sul na política britânica
As eleições municipais desta quinta-feira (2) serão um novo termômetro da temperatura política britânica em meio à crise. As sondagens indicam um resultado catastrófico para o primeiro ministro conservador David Cameron, mas podem resultar também em uma arma de dois gumes para a oposição trabalhista. Em um país dividido entre um norte trabalhista e um sul conservador, o trabalhista Ed Miliband precisa ganhar terreno nas zonas conservadoras. Por Marcelo Justo, de Londres.
Marcelo Justo
Londres - Condenado nas pesquisas e com uma economia que há três anos oscila entre a estagnação e a recessão, o primeiro ministro David Cameron enfrenta um desafio maior nas eleições municipais desta quinta-feira. As sondagens indicam um resultado catastrófico, mas podem resultar também em uma arma de dois gumes para a oposição trabalhista. Em um país dividido entre um norte trabalhista e um sul conservador, o trabalhista Ed Miliband precisa ganhar terreno nas zonas Tories – chave do êxito de Tony Blair entre 1997 e 2005 – para ter aspirações à vitória nas eleições nacionais de 2015.
Esta partição geográfica do Reino Unido se refletiu claramente em uma partida de futebol entre o Liverpool (norte) e Reading (Sul) no final de semana da morte da ex-primeiro-ministra Margaret Thatcher. Os torcedores do Liverpool aproveitaram uma rima do inglês para cantar “bailemos a conga que Maggie já não existe” (“Let us all do the Conga, Maggie is no longer {pronunciado “longa”}”). Já os torcedores do Reading vaiaram os do Liverpool e retrucaram:“we pay your benefits” (Nós pagamos os benefícios sociais para vocês”, sem se preocupar muito com a rima. Os conservadores tem apenas dois deputados no norte da Inglaterra e Escócia. Dos 197 deputados do sul inglês – excetuando Londres – só dez são trabalhistas.
As pesquisas que há mais de um ano dão uma sólida vantagem de dez pontos a Ed Miliband escondem essa disparidade. No norte, o trabalhismo tem uma vantagem de 30 pontos. No sul, está atrás dos conservadores. Não é uma simples divisão entre ricos e pobres. Segundo um estudo da fundação Policy Exchange, os ricos do norte são mais inclinados a votar pelo trabalhismo que os pobres do sul. Dado que o sistema eleitoral britânico não é proporcional – o parlamento não reflete a quantidade de votos de cada partido, mas sim a quantidade de distritos eleitorais conquistados por cada partido – Ed Miliband está obrigado a fincar pé no sul para ganhar uma maioria em nível nacional.
Essa é uma das grandes perguntas destas eleições municipais para a renovação de 2.300 cadeiras em 34 localidades inglesas. A votação em Londres e nos demais locais será em 2014, mas a forte presença de municípios do sul na votação desta quinta pode dar uma ideia das chances de Miliband conseguir o desempenho de Tony Blair em 1997: uma aliança entre a tradicional base de apoio trabalhista e a classe média (e média baixa) do sul. Nesta aliança é fundamental o voto flutuante – trabalhista que pode votar conservador e vice-versa. Segundo disse a The Economist Patrick Diamond, da fundação Policy Network, “a insegurança no trabalho tem substituído a motivação de muitos dos votos flutuantes trabalhistas”.
A crise econômica – duas recessões nos últimos três anos, crescimento nulo com inflação em torno de 3% - gerou um cardápio indigesto para muitos britânicos que se debatem entre o desemprego, o medo de perder o trabalho, o aumento do custo de vida e o congelamento salarial. Nos três anos de governo da coalizão conservadora-liberal democrata, que aplicou um dos planos de ajuste mais duros da Europa, o nível de vida caiu drasticamente.
Apesar disso, até bem pouco tempo, uma maioria dos britânicos seguia convencida de que o governo tinha que colocar as contas em ordem e que a austeridade era o caminho para fazer isso. As coisas parecem estar mudando. Uma sondagem publicada segunda-feira pelo The Independent mostra que 58% dos entrevistados acham que o atual plano econômico fracassou e que estão dispostos a votar na oposição nas eleições gerais de 2015.
O primeiro ministro David Cameron tem um problema adicional em seu flanco direito: o partido nacionalista e “eurofóbico” UKIP. O UKIP vem retirando apoio dos conservadores com seu discurso antieuropeu, anti-imigração e em defesa dos valores tradicionais (rechaça o casamento gay). Segundo The Independent, uma de cada dez pessoas que votaram em 2010 apoia hoje o UKIP. Nem sequer a morte de Margaret Thatcher, que diminuiu um pouco a distância em relação à oposição trabalhista, conseguiu reverter a queda de popularidade do governo. A pesquisa citada calcula que o trabalhismo ganharia hoje uma cômoda maioria parlamentar nas eleições gerais. As eleições municipais desta quinta serão um novo termômetro da temperatura política britânica em meio à crise.
Tradução: Katarina Peixoto
Esta partição geográfica do Reino Unido se refletiu claramente em uma partida de futebol entre o Liverpool (norte) e Reading (Sul) no final de semana da morte da ex-primeiro-ministra Margaret Thatcher. Os torcedores do Liverpool aproveitaram uma rima do inglês para cantar “bailemos a conga que Maggie já não existe” (“Let us all do the Conga, Maggie is no longer {pronunciado “longa”}”). Já os torcedores do Reading vaiaram os do Liverpool e retrucaram:“we pay your benefits” (Nós pagamos os benefícios sociais para vocês”, sem se preocupar muito com a rima. Os conservadores tem apenas dois deputados no norte da Inglaterra e Escócia. Dos 197 deputados do sul inglês – excetuando Londres – só dez são trabalhistas.
As pesquisas que há mais de um ano dão uma sólida vantagem de dez pontos a Ed Miliband escondem essa disparidade. No norte, o trabalhismo tem uma vantagem de 30 pontos. No sul, está atrás dos conservadores. Não é uma simples divisão entre ricos e pobres. Segundo um estudo da fundação Policy Exchange, os ricos do norte são mais inclinados a votar pelo trabalhismo que os pobres do sul. Dado que o sistema eleitoral britânico não é proporcional – o parlamento não reflete a quantidade de votos de cada partido, mas sim a quantidade de distritos eleitorais conquistados por cada partido – Ed Miliband está obrigado a fincar pé no sul para ganhar uma maioria em nível nacional.
Essa é uma das grandes perguntas destas eleições municipais para a renovação de 2.300 cadeiras em 34 localidades inglesas. A votação em Londres e nos demais locais será em 2014, mas a forte presença de municípios do sul na votação desta quinta pode dar uma ideia das chances de Miliband conseguir o desempenho de Tony Blair em 1997: uma aliança entre a tradicional base de apoio trabalhista e a classe média (e média baixa) do sul. Nesta aliança é fundamental o voto flutuante – trabalhista que pode votar conservador e vice-versa. Segundo disse a The Economist Patrick Diamond, da fundação Policy Network, “a insegurança no trabalho tem substituído a motivação de muitos dos votos flutuantes trabalhistas”.
A crise econômica – duas recessões nos últimos três anos, crescimento nulo com inflação em torno de 3% - gerou um cardápio indigesto para muitos britânicos que se debatem entre o desemprego, o medo de perder o trabalho, o aumento do custo de vida e o congelamento salarial. Nos três anos de governo da coalizão conservadora-liberal democrata, que aplicou um dos planos de ajuste mais duros da Europa, o nível de vida caiu drasticamente.
Apesar disso, até bem pouco tempo, uma maioria dos britânicos seguia convencida de que o governo tinha que colocar as contas em ordem e que a austeridade era o caminho para fazer isso. As coisas parecem estar mudando. Uma sondagem publicada segunda-feira pelo The Independent mostra que 58% dos entrevistados acham que o atual plano econômico fracassou e que estão dispostos a votar na oposição nas eleições gerais de 2015.
O primeiro ministro David Cameron tem um problema adicional em seu flanco direito: o partido nacionalista e “eurofóbico” UKIP. O UKIP vem retirando apoio dos conservadores com seu discurso antieuropeu, anti-imigração e em defesa dos valores tradicionais (rechaça o casamento gay). Segundo The Independent, uma de cada dez pessoas que votaram em 2010 apoia hoje o UKIP. Nem sequer a morte de Margaret Thatcher, que diminuiu um pouco a distância em relação à oposição trabalhista, conseguiu reverter a queda de popularidade do governo. A pesquisa citada calcula que o trabalhismo ganharia hoje uma cômoda maioria parlamentar nas eleições gerais. As eleições municipais desta quinta serão um novo termômetro da temperatura política britânica em meio à crise.
Tradução: Katarina Peixoto
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