Maria Encarnação Sposito, professora livre-docente de geografia urbana na Universidade Estadual Paulista (Unesp), entende que as manifestações do Movimento Passe Livre mostram a necessidade de um debate sobre a função social das cidades. Embora tenham ocorrido melhorias na renda de boa parte da população, com mais pessoas tendo acesso a bens - automóveis e eletrônicos - e ao crédito para compra da casa própria, há, ao mesmo tempo, uma piora das condições espaciais e de mobilidade.
Valor Econômico
Valor Econômico
Valor: Os protestos jogam luz à discussão sobre como estão estruturadas as cidades?
Valor: Como isso se evidencia?
Valor: Esses protestos dizem respeito ao direito à cidade?
Valor: A senhora costuma utilizar o termo "fragmentação urbana"...
Encarnação: A fragmentação é quando não há mais espaços de uso de todas as classes sociais numa cidade. Claro que isso sempre é exagerado, porque há circunstâncias em que diferentes classes se unem num espaço público. Mas hoje há uma diminuição das possibilidades desse encontro. E isso é ruim porque significa que a cidade de quem anda de automóvel é uma e a cidade de quem anda de transporte coletivo, outra. Existem várias cidades.
Encarnação: Ele é duas coisas: reflexo e condição. O transporte coletivo ainda funciona segundo uma lógica do tipo centro-periferia, em que a articulação do sistema se dá no centro principal da cidade. Em uma metrópole como São Paulo, o sistema é em grande parte radial. O ônibus sai do bairro para o centro ou ele sai de bairro para outro bairro, passando pelo centro. Enquanto a cidade é multicêntrica: há muitos centros. Uma Avenida Paulista é um centro; um shopping center é um centro. Enfim, há muitas áreas de concentração de atividades. O carro vai aonde se quer, mas o transporte público não. Quem usa o coletivo está refém do desenho do sistema e depende do centro, porque é até lá que os ônibus vão. Mas para quem está de carro, é possível fazer escolhas com maior liberdade. Então, é uma cidade que separa.
Valor: Como avaliar o que está por vir?
Encarnação: Como a sociedade está se organizando de forma muito diferente, como não é mais o sindicato ou o partido político que conduzem o processo de organização social, é muito mais difícil também compreender como ele vai transcorrer. Ele é menos hierarquizado, menos sistematizado. E assim como se organiza rápido pode se desorganizar rapidamente. Não sei se cabe dizer "de direita ou de esquerda", mas mostra que é uma organização diferente e por isso é mais difícil dizer o que vai acontecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário