Poder, geopolítica e desenvolvimento
O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E, desde o início, foi um dos principais instrumentos de poder dos estados que se impuseram, transformando-se nas primeiras 'grandes potências' do sistema.
José Luís Fiori
“Em última instancia, os processos de desenvolvimento econômico também são lutas de dominação”.
Max Weber, Escritos Politicos I, Folios Ediciones, Mexico, 1982, pág. 18
O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E, desde o início, foi um dos principais instrumentos de poder dos estados que se impuseram, dentro e fora da Europa, transformando-se nas primeiras “grandes potências” do sistema. Durante os cinco séculos seguintes, o desenvolvimento destas “grandes potências” exerceu um efeito gravitacional e expansivo sobre todo o “sistema interestatal capitalista”, que foi ampliando suas fronteiras de maneira contínua, como se fosse um “universo em expansão”. Dentro deste “universo”, foram sendo criados e incorporados sucessivamente novos estados e economias nacionais que competem e se hierarquizam dinamicamente, podendo ser classificados em três grandes grupos:
i. Num primeiro grupo, situam-se os estados e as economias nacionais que adotam estratégias de integração direta, com relação às potencias líderes. Fala-se em “desenvolvimento a convite” ou “associado” para referir-se a estes países com acesso privilegiado aos mercados e aos capitais das grandes potências, obtidos em troca da submissão à sua política externa e à sua estratégia militar global. Como foi o caso do Canadá, Austrália e Nova Zelândia, antes e depois de sua independência e também, da Alemanha, Japão e Coréia, depois da Segunda Guerra Mundial, na condição de protetorados militares dos EUA.
ii. Num segundo grupo, se situam os países que questionam a hierarquia internacional e adotam estratégias de mudança do status quo e de crescimento acelerado, com o objetivo de mudar sua participação na distribuição internacional do poder e da riqueza. São projetos nacionais que podem ser bloqueados, e podem não conseguir superar as “barreiras à entrada” do “núcleo central”, impostas pelas grandes potências. Mas que também podem ter sucesso e dar origem a uma nova potencia regional ou global, como foi o caso dos EUA, na primeira metade do XX, e da China, neste início do século XXI.
iii. Por fim, num terceiro grupo, se incluem todos os demais países do “andar de baixo” ou a “periferia” política e econômica do sistema. São estados e economias que podem ter fortes ciclos de crescimento e ter industrias, mas que não tem condições ou não se propõem desafiar a ordem estabelecida, e aceitam sua posição política subalterna, dentro do sistema internacional de poder, e se mantem como fornecedores de commodities e bens industriais específicos, com é o caso do Chile, Colômbia e Peru, entre muitos outros.
Na outra ponta do sistema, o pequeno grupo das grandes potências “ganhadoras” também é hierarquizado e reproduz internamente – num outro patamar de poder - a mesma dinâmica competitiva de todo este universo. Mas mesmo assim, é possível identificar duas grandes regularidades na sua trajetória “vitoriosa”:
1º) todos enfrentaram, em algum momento, invasões externas, guerras civis ou rebeliões sociais, e estes acontecimentos contribuíram de uma forma ou outra, para o fortalecimento de suas identidades nacionais e para a mobilização de suas sociedades em torno de grandes projetos de defesa e/ou de projeção internacional. Por estarem situados dentro de tabuleiros geopolíticos altamente competitivos, estes países também compartiram um sentimento constante de “cerco” e de ameaça externa, que explica a centralidade dos seus sistemas de defesa na definição de suas politicas de desenvolvimento e industrialização, e sua permanente preocupação com a conquista e o controle monopólico das “tecnologias sensíveis” que foram decisivas para o seu sucesso de toda a sua economia nacional.
2º todos seus estados e seus grandes capitais privados “desrespeitaram” sistematicamente as regras e instituições competitivas de mercado que devem ser obedecidas obrigatoriamente pelos que estão situados nos degraus inferiores do sistema. Neste ponto se pode formular uma lei quase universal: quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os estados e os capitais que souberam navegar com sucesso na contramão das “leis do mercado”, ou seja, os “grandes predadores” que conseguem manter e renovar permanentemente o seu controle monopólico das “inovações”, e dos “lucros extraordinários”.
Este caminho dos “ganhadores” está aberto para todos os países? Não, porque a energia que move este sistema vem exatamente desta luta contínua, entre estados, economias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições e de monopólios que são desiguais, por definição. Mesmo assim, alguns estados podem modificar sua posição relativa dentro deste sistema, dependendo do seu território, dos seus recursos e da sua coesão social. E da existência de uma elite política capaz de assumir as grandes pressões sociais e o aumento dos desafios e provocações externas, como sinal de amadurecimento de uma país que já está preparado para sustentar uma estratégia de longo prazo, de questionamento do status quo internacional, e de desenvolvimento com mobilidade social generalizada.
Max Weber, Escritos Politicos I, Folios Ediciones, Mexico, 1982, pág. 18
O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E, desde o início, foi um dos principais instrumentos de poder dos estados que se impuseram, dentro e fora da Europa, transformando-se nas primeiras “grandes potências” do sistema. Durante os cinco séculos seguintes, o desenvolvimento destas “grandes potências” exerceu um efeito gravitacional e expansivo sobre todo o “sistema interestatal capitalista”, que foi ampliando suas fronteiras de maneira contínua, como se fosse um “universo em expansão”. Dentro deste “universo”, foram sendo criados e incorporados sucessivamente novos estados e economias nacionais que competem e se hierarquizam dinamicamente, podendo ser classificados em três grandes grupos:
i. Num primeiro grupo, situam-se os estados e as economias nacionais que adotam estratégias de integração direta, com relação às potencias líderes. Fala-se em “desenvolvimento a convite” ou “associado” para referir-se a estes países com acesso privilegiado aos mercados e aos capitais das grandes potências, obtidos em troca da submissão à sua política externa e à sua estratégia militar global. Como foi o caso do Canadá, Austrália e Nova Zelândia, antes e depois de sua independência e também, da Alemanha, Japão e Coréia, depois da Segunda Guerra Mundial, na condição de protetorados militares dos EUA.
ii. Num segundo grupo, se situam os países que questionam a hierarquia internacional e adotam estratégias de mudança do status quo e de crescimento acelerado, com o objetivo de mudar sua participação na distribuição internacional do poder e da riqueza. São projetos nacionais que podem ser bloqueados, e podem não conseguir superar as “barreiras à entrada” do “núcleo central”, impostas pelas grandes potências. Mas que também podem ter sucesso e dar origem a uma nova potencia regional ou global, como foi o caso dos EUA, na primeira metade do XX, e da China, neste início do século XXI.
iii. Por fim, num terceiro grupo, se incluem todos os demais países do “andar de baixo” ou a “periferia” política e econômica do sistema. São estados e economias que podem ter fortes ciclos de crescimento e ter industrias, mas que não tem condições ou não se propõem desafiar a ordem estabelecida, e aceitam sua posição política subalterna, dentro do sistema internacional de poder, e se mantem como fornecedores de commodities e bens industriais específicos, com é o caso do Chile, Colômbia e Peru, entre muitos outros.
Na outra ponta do sistema, o pequeno grupo das grandes potências “ganhadoras” também é hierarquizado e reproduz internamente – num outro patamar de poder - a mesma dinâmica competitiva de todo este universo. Mas mesmo assim, é possível identificar duas grandes regularidades na sua trajetória “vitoriosa”:
1º) todos enfrentaram, em algum momento, invasões externas, guerras civis ou rebeliões sociais, e estes acontecimentos contribuíram de uma forma ou outra, para o fortalecimento de suas identidades nacionais e para a mobilização de suas sociedades em torno de grandes projetos de defesa e/ou de projeção internacional. Por estarem situados dentro de tabuleiros geopolíticos altamente competitivos, estes países também compartiram um sentimento constante de “cerco” e de ameaça externa, que explica a centralidade dos seus sistemas de defesa na definição de suas politicas de desenvolvimento e industrialização, e sua permanente preocupação com a conquista e o controle monopólico das “tecnologias sensíveis” que foram decisivas para o seu sucesso de toda a sua economia nacional.
2º todos seus estados e seus grandes capitais privados “desrespeitaram” sistematicamente as regras e instituições competitivas de mercado que devem ser obedecidas obrigatoriamente pelos que estão situados nos degraus inferiores do sistema. Neste ponto se pode formular uma lei quase universal: quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os estados e os capitais que souberam navegar com sucesso na contramão das “leis do mercado”, ou seja, os “grandes predadores” que conseguem manter e renovar permanentemente o seu controle monopólico das “inovações”, e dos “lucros extraordinários”.
Este caminho dos “ganhadores” está aberto para todos os países? Não, porque a energia que move este sistema vem exatamente desta luta contínua, entre estados, economias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições e de monopólios que são desiguais, por definição. Mesmo assim, alguns estados podem modificar sua posição relativa dentro deste sistema, dependendo do seu território, dos seus recursos e da sua coesão social. E da existência de uma elite política capaz de assumir as grandes pressões sociais e o aumento dos desafios e provocações externas, como sinal de amadurecimento de uma país que já está preparado para sustentar uma estratégia de longo prazo, de questionamento do status quo internacional, e de desenvolvimento com mobilidade social generalizada.
(*) José Luis Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". (www.poderglobal.net)
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