sábado, 27 de julho de 2013

Tecnologias de convivência com semiárido mudam vida de famílias



Tatiana Félix
Adital
Tatiana Félix
Em uma região naturalmente seca onde chove apenas em alguns meses por ano, ter água para consumir e desenvolver atividades agrícolas em um ano inteiro era um verdadeiro desafio para os 22 milhões de habitantes que vivem no semiárido brasileiro. Pessoas andando quilômetros em busca de um pouco de água barrenta ou salobra em meio à terra seca e animais mortos era o retrato comum de um Brasil representado por 1.133 cidades espalhadas por nove estados.
Mas, com o desenvolvimento de diferentes tipos de tecnologias que captam e armazenam a água da chuva, a convivência com o semiárido transformou a vida de milhares de famílias, como a de José Maria da Costa e Expedita Almeida Fernanda. Moradores da comunidade Sítio Caiana, no município de Campo Grande, no Rio Grande do Norte (RN), o casal de agricultores viu sua vida mudar desde a instalação da primeira cisterna de placa de cimento (do Programa Um Milhão de Cisternas) para armazenar água de beber há cerca de dez anos, até a construção da ‘barraginha’ há um ano. "Antes era tudo difícil, a gente tinha que buscar água de jumento, no açude, e agora com a cisterna é bem mais fácil”, relembra dona Expedita.
Construída em chão de barro resistente, a ‘barraginha’ tem 5 metros de profundidade e armazena água da chuva para a produção de alimentos e criação de animais. Essa é uma das tecnologias que fazem parte do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), desenvolvido pela Articulação do Semiárido (ASA), que visa garantir às famílias a chamada "segunda água”, ou seja, aquela que servirá para as atividades de sustento da família. Além do caráter produtivo, o programa também tem o objetivo de garantir a segurança alimentar e nutricional, através do cultivo de alimentos em casa.
Para ter qualquer uma das tecnologias do P1+2 é necessário que a família já tenha a "primeira água”, garantida pela cisterna de placa de cimento do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que tem capacidade de armazenar 16 mil litros de água da chuva escoada pelas calhas do telhado da casa para consumo humano e que garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante os meses de estiagem (entre sete e oito meses).
Com apoio e financiamento do governo federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e patrocínio recente da Petrobras, a instalação das cisternas do P1+2não tem nenhum custo para o agricultor que precisa apenas querer ter a tecnologia e se comprometer em participar das capacitações para usá-la. Além disso, o beneficiado recebe um investimento no valor de mil reais que podem ser utilizados para a criação de animal de pequeno porte, para o plantio ou para melhorar a infraestrutura das atividades que já realiza.
Plantador de milho, feijão e sorgo (grão que serve para ração animal), José Maria preferiu receber seu investimento em sementes de alface e coentro, mudas de acerola e manga, arame farpado e duas cabras para ampliar sua produção de consumo familiar, onde apenas o excedente do feijão é vendido. Em menor escala, o agricultor também planta goiaba e acerola, frutas que permitem à dona Expedita fabricar e vender doces, conseguindo uma renda extra para a família. "Minha vida mudou 100% [com as cisternas] porque agora posso plantar meu coentro, meu pimentão e não precisa mais puxar água de jumento. O que é bom é que a água [da barragenzinha] é da gente mesmo. E eu tô rezando a Deus que a água dê para aguar minhas plantinhas até o final de agosto. Se ainda chover, dura um pouco mais”, ressalta Expedita.
Cisterna-calçadão
Um calçadão de 200m² em declínio deu à Antônio Nogueira de Paiva, desde de setembro de 2012, a possibilidade de captar água da chuva e encher uma cisterna com capacidade para 52 mil litros de água para usar na criação de gado e ovelha, e na plantação de feijão, milho e sorgo. Ele e sua família, que também vivem na Comunidade de Caiana, em Campo Grande (RN), foram mais alguns dos milhares de beneficiados com as tecnologias do P1+2.
Tatiana FélixEle recorda que antes, para aguar as plantas e dar de beber ao animal, tinha que buscar água no açude de carroça todos os dias e gastava cerca de três horas para fazer o serviço. "Agora basta bombear a água da cisterna-calçadão. Mudou muito a minha vida, pois essa cisterna garante água para o ano inteiro”, disse.
Assim como para as outras famílias da região, também essa tecnologia social foi oferecida gratuitamente pelo Núcleo Sertão Verde, uma das três mil entidades que compõem a ASA. Mesmo sendo instalada por técnicos especializados, Antônio teve a ajuda de vizinhos para construir o calçamento. "Vimos que valia a pena aceitar essa tecnologia”, avalia sua esposa Francisca Genilsa Gurgel, quem também participou da capacitação para manuseio da nova cisterna. Com esse recurso, ela pretende investir no plantio de hortaliças para consumo familiar como cheiro verde e alface.
Dona Maria Nogueira, mãe do agricultor, com a experiência de quem já vive há 80 anos, afirmou que a chegada das cisternas veio para "melhorar a vida da gente”, já que "não tinha onde depositar a água”. "Agora temos água do lado de casa”, disse, lembrando-se do tempo em que tinha que buscar água no açude com a lata na cabeça.
Bomba d’água popular
Outras dez famílias da Comunidade Sítio Caiana cadastradas no P1+2 contam com a facilidade de obter água de um poço comunitário de 30 metros de profundidade através da Bomba d’água Popular (BAP). Apesar de ser uma grande roda, a BAP é leve e de fácil manuseio e só pode ser instalada em poços desativados com profundidade de até 80 metros. De acordo com Damiana Fernandes da Silva, uma das beneficiadas pela bomba, a tecnologia aproximou a água do banho e das plantas de sua casa, não sendo mais necessário sair tão cedo e enfrentar a fila para pegar água do açude. Graças ao recurso, ela mantém uma estufa com plantas medicinais e cultiva verduras e hortaliças. "Antes, tinha que comprar tudo e hoje podemos plantar”, afirma.
Na Comunidade Sítio Caiana, zona rural de Campo Grande (RN) vivem 80 famílias. Segundo dados do Núcleo Sertão Verde, em todo o município existem cerca de 100 tecnologias do Programa Uma Terra e Duas Águas e mais de 1.500 do Programa Um Milhão de Cisternas.
Parceria com a Petrobrás
O patrocínio da Petrobrás no valor de R$ 199 milhões, através do Programa Petrobrás Desenvolvimento & Cidadania, permitirá duplicar a construção de quatro tipos de tecnologias sociais de captação de água de chuva para a produção de alimentos e criação de animais do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) em um ano, para 20 mil novas unidades, que beneficiarão cerca de 100 mil pessoas. Essas tecnologias são a cisterna-enxurrada, cisterna-calçadão, barreiro trincheira e barragem subterrânea.
Para celebrar essa parceria e o avanço dessas tecnologias de convivência com o semiárido brasileiro, a ASA e a Petrobrás inauguram a instalação de novas cisternas nesta terça-feira (23), na comunidade de Canto de Amaro, no município de Areia Branca, no Rio Grande do Norte. Além da participação dos agricultores locais, o ato conta com a presença de centenas de agricultores do Ceará e Paraíba, e com uma Feira de Saberes e Sabores com produtos da agricultura familiar.
Atualmente, existem pouco mais de 18 mil tecnologias de captação e armazenamento da água da chuva para a produção de alimento e criação de animais do P1+2 em todo o semiárido.
Semiárido
O semiárido está presente em 1.133 cidades do Brasil, a maioria no Nordeste do país (Alagoas, Bahia, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte) e no Norte de Minas Gerais. Corresponde a aproximadamente 980 mil KM², onde vivem 22 milhões de pessoas, ou 11,8% da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Essa região é caracterizada pelo clima seco (semiárido) com precipitação média de chuvas entre 200 e 800mm concentrados em poucos meses do ano, favorecendo, por isso, longos períodos de estiagem. Para conviver com o déficit de água, as populações precisam ter reservatórios para captar e armazenar água da chuva, a fim de garantir a segurança hídrica no período seco.
Outra característica da região é a presença de sais nos solos, precipitados pela evaporação intensa, o que prejudica a produtividade agrícola. O semiárido é coberto pelo bioma caatinga, característico por arbustos espinhosos e florestas sazonalmente secas, rico em biodiversidade e em espécies endêmicas, ou seja, exclusivas dessa região já que não existem em nenhum outro lugar do planeta.

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