segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Agricultores peruanos viram "guardiões dos lagos" para resisitir à mineração. por Chrystelle Barbier



Em seus olhos há uma profunda determinação. Como se ela não tivesse outra escolha senão estar lá, nesse acampamento improvisado situado a 4.100 metros de altitude, no pico de uma das montanhas de Cajamarca, no norte do Peru. "Estamos aqui para defender nossa água", resume Maritza Bolaños. Nesse início de agosto, a agricultora aponta para um morro descoberto, atrás do qual se estende o Perol, um grande lago que serve de fonte para os rios que correm no vale ao redor.

Chrystelle Barbier
Um lago que Maritza Bolaños e seus vizinhos decidiram proteger do Conga, um imenso projeto de mina de ouro e de cobre a céu aberto no lugar do atual curso d'água. "Eles querem fazer do Perol uma imensa cratera, mas não deixaremos ninguém se aproximar dele", avisa a jovem.

Assim como Maritza Bolaños, cerca de quarenta moradores de Sorochuco, o distrito ao qual pertence essa parte dos Andes, estão direto no acampamento e cuidam para que nenhuma máquina da mina se aproxime do lago. Entre eles há homens, mulheres e crianças vindos dos quatro cantos do distrito.
Para esses moradores, a luta contra o Conga começou em 2011
No Peru, eles são conhecidos como os "guardiões dos lagos". "Foi feito um revezamento a cada três dias para que houvesse sempre gente presente", explica Maria Teresa Medina, outra agricultora que deixou sua filha e seus campos para cumprir seu turno de vigília.
Para esses moradores de Sorochuco, a luta contra o Conga começou em 2011. Assim como milhares de habitantes de Cajamarca, eles protestaram durante meses contra o projeto de mineração que, segundo eles, colocará em risco seus recursos hídricos.
Considerado o mais importante investimento do setor --US$ 4,8 bilhões (R$ 11,5 bilhões) em 19 anos--, o Conga prevê a extinção de cinco lagos situados a mais de 4.000 metros de altitude. Lagos que darão lugar a uma imensa mina a céu aberto e a um espaço destinado aos detritos e às águas residuais. "Só que nossa água vem do Perol", assinala Maruja Ortiz, uma comerciante de Sorochuco, convicta de que se o Conga entrar em operação, não haverá mais água para a agricultura que sustenta a região.
A batalha recomeçou em junho
Diante de um número cada vez maior de protestos, a empresa americana Newmont, principal acionista do Conga, suspendeu suas operações no final de 2011, mas foi somente em agosto de 2012, quando o governo confirmou a "suspensão" do projeto após a morte de cinco manifestantes, que a população de fato parou de se mobilizar.
Tranquilizados por esse anúncio, os habitantes de Sorochuco voltaram a suas atividades. Mas a luta recomeçou em junho, após as declarações de diretores do Conga, anunciando a construção em breve da reserva do Perol.
Isso porque embora o projeto da mina tenha sido oficialmente suspenso, a empresa recebeu a autorização de construir reservas de água. Para a Newmont, essas reservas provarão aos habitantes que elas podem alimentar os vales com água e, portanto, que o projeto Conga não é um risco para a região. Segundo a empresa, "a reserva do Perol terá uma capacidade de 800 mil metros cúbicos e poderá fornecer água o ano todo, mesmo em período de seca, algo que o lago não faz hoje".
Jovens indianos brincam debaixo de um fonte d"água no parque aquático Jal Vihar, em Hyderabad, nesta sexta-feira, Dia Mundial da Água
"Uma reserva artificial não pode substituir um lago natural"
O argumento não parece convencer a população local. "Quem vai cuidar da manutenção quando a mina não estiver mais lá?", pergunta Maritza Bolaños. Convencida de que "uma reserva artificial não pode substituir um lago natural que funciona há milênios", assim como muitos de seus vizinhos ela é contra a ideia de a Newmont transferir a água do lago para a reserva.
No dia 17 de junho, mais de 4.000 habitantes de Sorochuco foram até o Perol. No local, eles encontraram rastros de máquinas. Foi o suficiente para retomar a luta e instalar um acampamento acima do local onde a mina pretendia construir a reserva.
Sem recursos, os habitantes instalaram ali lonas de plástico à guisa de tendas para proteger os colchões que eles foram subindo aos poucos. "Sofremos com a chuva e o frio", conta Fabian Chávez, que trabalha na construção civil e teve de tirar dias de folga para cumprir sua vigília.
"A luta é conduzida por nós, os camponeses"
Para a Newmont, os "guardiões dos lagos" não passariam de um "grupo de quinze pessoas". A empresa afirma que centenas de pessoas que vivem nos arredores apoiam o projeto de mineração. Na imprensa local, os "guardiões" também são muitas vezes acusados de serem manipulados por grupos anti-mineradores.
"A luta é conduzida por nós, os camponeses", contesta Maritza Bolaños, que, no entanto, reconhece que o clima no distrito tem estado ruim desde o Conga. "É verdade que a mina trará alguns empregos, mas será que eles valem a destruição do ambiente do qual precisamos para a agricultura?", critica Maruja Ortiz. Em Sorochuco, os opositores da mina estão decididos a não baixar a guarda.
Tradutor: UOL

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