sexta-feira, 23 de agosto de 2013

"CUT não mudou porque quis", diz pesquisador



O sociólogo do trabalho Ricardo Antunes estuda sindicalismo e estava no Congresso de Fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983. Hoje, a central tem 3.806 entidades filiadas e, de acordo com os dados mais recentes do Ministério do Trabalho, de 2011, representa 36,7% dos trabalhadores sindicalizados. Em entrevista concedida ao Valor, Antunes analisa as mudanças da CUT ao longo dos últimos 30 anos.

Camilla Veras Mota
As mudanças estruturais da Central foram uma adaptação àstransformações econômicas e sociais ou aconteceram de maneira mais proativa?
Nesses últimos 30 anos, o país viveu um furacão. Não foi só no Brasil, ele teve uma dimensão global. No caso brasileiro, acentuou-se fortemente a partir dos anos 90, quando combinou um movimento dúplice bastante articulado entre reestruturação produtiva em escala ampla e um ideário neoliberal muito privatista e "desregulamentador". A combinação dos dois elementos afetou profundamente o mundo do trabalho. Aumentaram a informalidade, a terceirização, a "feminização" da força de trabalho e houve mudanças geracionais importantes – o operário da indústria automobilística hoje é diferente daquele que existia há 30 anos.
Como isso afetou o movimento sindical e a CUT?
Afetou duramente os sindicatos, especialmente aqueles das épocas taylorista e fordista, como os que existiam em São Bernardo do Campo. A CUT não mudou porque quis, nem só porque as condições de trabalho mudaram. É uma combinação difícil entre mudanças no mundo da produção e vindas do cenário político e ideológico. Fundamentalmente, a CUT nasceu com um projeto contrário a essa estrutura sindical verticalizada e atrelada ao Estado. Era claramente contra o sindicalismo de Estado, contra o imposto sindical, contra o enquadramento que permitia que o Estado reconhecesse as centrais. Esse projeto mais autônomo, independente e classista foi sendo solapado ao longo dos anos 90 pela intensidade do neoliberalismo e da reestruturação produtiva.
Como o senhor vê a oposição da Força Sindical?
O dualismo sindical se tornou mais forte no Brasil quando a Força nasceu, nos anos 1990. Na época, era uma central que aceitava o ideário neoliberal, era a favor das privatizações, do desmonte dos direitos dos funcionários públicos. Depois ela mudou, por muitos motivos também – quando percebeu que perderia apoio se não lutasse pelos trabalhadores, inclusive os do funcionalismo público, mas isso é outra história. A CUT, de certo modo, passou a ter como polo de confrontação a Força Sindical. As demais organizações se articularam em outras centrais. Hoje temos uma espécie de pluralismo sindical de cúpula, com as duas mais fortes, mas, com a exceção do Conlutas e do movimento Intersindical, as demais são próximas do governo.
Mesmo com a queda das taxas de sindicalização no Brasil, a CUT ainda é a central mais representativa do país. Por quê?
A dessindicalização ocorreu, com raras exceções, em todos os países que passaram pela onda da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, como Inglaterra, França e Itália. Há uma nova morfologia do trabalho: os terceirizados informais (que são entre 8 e 11 milhões dos trabalhadores brasileiros), as mulheres, a precarização. As plantas fabris agora são da "engenharia liofilizada", que elimina substâncias vivas. A CUT se mantém forte porque está fincada em setores importantes. O problema é que ela tem uma política próxima ao que era uma socialdemocracia sindical – negocial, institucionalista – em um período em que não há mais socialdemocracia sindical.

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