segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Nossos Inimigos e Nossos Heróis


 
         Quando exercia o cargo de prefeito em Palmeira dos Indios, o escritor Graciliano Ramos se viu envolvido naquilo que podemos chamar de bela enrascada. Lutava com exíguos recursos para dar à cidade uma aparência digna. “O estado sanitário é bom. O posto de higiene, instalado em 1928, presta serviços consideráveis à população. Cães, porcos e outros bichos incômodos não tornaram a aparecer nas ruas. A cidade está limpa.” Informava em seu famoso relatório ao governador Álvaro Paes.
         No entanto chegar a este requinte de higienização para a cidade lhe custou algumas brigas, pois muitos eram aqueles que não abriam mão de criar porcos, cães, cavalos, bodes e até vacas pelas ruas, inclusive o comerciante Sebastião Ramos, a quem o prefeito mandou multar por desobedecer ao código de postura. O senhor foi se ver com o alcaide. “É verdade que o senhor mandou me multar?” “É, sim.” “Mas eu sou seu pai!” “Pois aprenda que prefeito não tem pai.” E manteve a punição até que o pai mandou recolher os porcos que corriam livremente entre os cidadãos de fato.
         Em Paraty, impressionou-me o número de cães que circulavam soltos pelas ruas durante a Flip. Não me pareceram cães vadios, e como a festa homenageava nosso escritor, passei a acreditar que tudo não era senão uma singela homenagem a Baleia, a mais decantada de nossas cachorras literárias, pois assim se faz a vida de quem sabe manter o diferencial na sociedade do espetáculo.
Para encantar o turista, Paraty procura até se manter como uma cidade limpa, apesar da maré que cotidianamente sobe para além das pedras do calçamento centenário.
         Em Alagoas a situação é bem outra. Toda ação positiva esbarra na falta de sentimento republicano de nossa elite. Essa gente cria privilégios absurdos e sai mundo a fora gritando seus supostos direitos inatacáveis e afrontando o homem comum. A famigerada pergunta – sabe com que está falando? – é uma das frases mais ouvidas em nossa rotina.
         Contra isso lutou, e ainda luta, a juventude que se espraia por todos os cantos do  país. Indiscutivelmente estamos numa nova era, e tomara que ela invada de vez a consciência do alagoano, do verdadeiro alagoano que, sem privilégio nenhum, recorre aos próprios braços, à própria inteligência, aos próprios sentimentos para construir uma vida sempre melhor.
         Estes são nossos heróis reais. Vivem na luta diária para conquistar com dignidade e honestidade o pão para a fome e a cultura para o crescimento humano.
         O problema é que eles remam contra a maré insana que teima em dilapidar nosso estado. Vejo sempre estas malditas ações na área do patrimônio histórico. Enquanto Paraty preserva seu casario para garantir uma fonte de renda inesgotável para o povo caiçara, nesta parte de cá da terra privatizamos até as praias. Nosso patrimônio imaterial – pastoris, cheganças, guerreiros – já sequer mendigam o apoio do poder público, pois as tais secretarias de cultura usam toda a verba disponível para bancar altos cachês de bandas rebolativas que nada nos dizem, que em nada nos orgulham.
         Neste eterno jogo de mocinhos e bandidos, nos alenta a movimentação das ruas. Aos olhos da juventude, nada mais neste país pode ficar impune, ou imune à pressão da consciência livre. Os jovens estão fazendo uma nova história, e quem constrói sua hora sabe buscar as lições do passado para alicerçar em solo fértil um futuro dignamente belo.                
*Francisco Alberto Sales é  médico e Diretor da  Fundação  Casa do Penedo

Nenhum comentário:

Postar um comentário