domingo, 1 de setembro de 2013

Agroecologia: o Polo Sindical da Borborema


Agroecologia: o Polo Sindical da Borborema

O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo deve ser lançado neste mês pelo governo federal na Serra da Borborema, Paraíba. O local é um dos mais organizados do sertão e do semiárido nordestino, e começou a escrever a sua história entre os anos 1962 e 63, quando foram fundados os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais. Por Najar Tubino

O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) provavelmente será lançado na semana entre 16 e 20 de setembro, conforme informação de Selvino Heck, secretário-executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), se possível com a presença da presidenta Dilma Roussef, e na Serra da Borborema, Paraíba. O local é um dos mais organizados do sertão e do semiárido nordestino, integra 21 municípios, l5 sindicatos, l2 associações de assentados, 85 bancos de sementes comunitárias, envolvendo quatro mil famílias e começou a escrever a sua história entre os anos 1962 e 63, quando foram fundados os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais. Ou seja, na época da luta das Ligas Camponesas. Hoje, é considerado o Território da Borborema, onde são desenvolvidos muitos projetos com investimentos do governo federal, mas para as 150 comunidades que vivem na região – população de 65l mil habitantes, sendo 148mil na zona rural- é o Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema. Dos 21 municípios 10 têm assentamentos.

As propriedades na região tem uma média de dois a 10 hectares, sendo 8.842 contam com apenas 3,2% das terras, e 254 com 43,6%. São mais de 21mil estabelecimentos baseados na agricultura familiar. O Nordeste concentra quase a metade das propriedades com modo de produção baseado na família – cerca de dois milhões. O estado com maior número é a Bahia com 665 mil, seguido por Minas Gerais com 437 mil e o Rio Grande do Sul com 378 mil. O Nordeste ainda concentra a maior área do semiárido, com mais de um milhão de quilômetros quadrados distribuídos em nove estados.

Primeiras desapropriações
A luta no semiárido sempre foi por terra e água. Na Paraíba a situação ficou pior com a falência de 18 engenhos que deixou desempregados quatro mil trabalhadores. Com a dificuldade de acesso à água, desmatamento da caatinga, erosão, ameaça de desertificação, práticas agrícolas inadequadas e até mesmo salinização em áreas de irrigação, um grupo de trabalhadores e agricultores familiares começou a reagir. Em 1997 foram realizadas as cinco primeiras desapropriações, e em 1998 outras quatro. Em 2002 criaram o Fórum dos Assentamentos. Um ano depois conseguiram financiamento para bancar os viveiros de mudas nativas, o Banco Mãe das Sementes e as feiras agroecológicas.

Entre 2003 e 2007 foram apoiados 12 projetos do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais com uma verba aplicada de R$1,6 milhão. Os temas variam de sementes crioulas, recursos hídricos, cultivos ecológicos, criações de animais, saúde e alimentação saudável. A definição de Território também envolve a atuação das organizações em rede, de um lado as entidades da sociedade civil, principalmente dos trabalhadores rurais, assentados e agricultores familiares, de outro os representantes dos governos federal, estadual e municipal, além de entidades como a Embrapa, Emater e as universidades federal e estadual, institutos federais e escolas agrícolas.

Ao redor de casa
No Território da Borborema funcionam sete feiras agroecológicas – duas em Campina Grande, 1 em Esperança, 1 em Remígio, 1 em Lagoa Seca, 1 em Solânea, 1 em Massaranduba e 1 em Alagoa Nova. As primeiras experiências com agroecologia surgiram nos municípios de Remígio e Solânea, ainda na década de 1990. Depois as experiências foram se espalhando, os agricultores começaram a visitar projetos no Ceará e em Pernambuco e, posteriormente, até mesmo no exterior. As feiras comercializam 600 toneladas de alimentos por ano. O passado do Território envolvia a produção de sisal, fumo e cana-de-açúcar. Em 2009, a Souza Cruz ainda tentou expandir as lavouras de fumo no Território, mas foi bloqueada pelas organizações do Polo Sindical.

Um trabalho realizado pelo Centro de Geografia do Trabalho da Universidade Federal da Paraíba, com visitas de campo e entrevistas com 60 agricultores familiares na microrregião do Curimataú Oriental, envolve o agreste com uma área de Brejo (úmida) e outra semiárida. A média de precipitação de chuvas na região é de 800 a 1.000mm por ano, com intervalo de seca de cinco a seis meses. A retenção e a gestão dos recursos hídricos é pedra fundamental na prática da agroecologia. Não somente com a construção de cisternas de placas, colhem a água das chuvas, mas também com barragens subterrâneas, barreiro, tanque de pedra, cisterna calçadão. A meta de construir um milhão de cisternas no nordeste ainda não foi alcançada. Os números estão entre 500 e 600 mil. Os pesquisadores da UFPB identificaram o que eles chamam de mudança “ao redor da casa”,
“Com a instalação de cercas para a produção de verduras em hortas e plantas medicinais e a criação de aves. Fazem doces e geleias de frutas nativas, produzem multifarinha com produtos locais para complemento alimentar e produzem forragem – estoque de alimento verde – para os animais.”

Os pesquisadores registram no final do trabalho: ”todo o conjunto de experiências vem produzindo impactos importantes na economia da casa, na maior diversificação e produção de alimentos, no uso do solo, nas estratégias de armazenamento e gestão da água, na saúde, enfim, na melhoria da qualidade de vida destas famílias”. As propriedades, no geral, possuem benfeitorias, como curral, cocheira, cisternas, galinheiro e eletricidade.

Transformar ou ir embora
O Território da Borborema também é conhecido pela produção de frutas, sendo Matinhas considerado o município maior produtor de tangerina do Brasil. Eles identificam por Brejo, áreas mais úmidas. Tem o Brejo da banana, Brejo da Laranja o Brejo do Roçado, que é diversificado. Produziram, segundo o censo do IBGE (2006) 388.477 toneladas de frutas em 87 mil hectares. Além de banana, laranja tangerina, tem jaca,manga, caju, macaíba, coco, jabuticaba, cajá, entre outras.

É claro, que o Território da Borborema é um exemplo de organização dos trabalhadores rurais e da agricultura familiar. No Nordeste existem dezenas, talvez centenas. Muito mais pelo país. Esse é um movimento que já desencadeou uma transformação no cenário rural brasileiro. É o outro lado do agronegócio, mas que tem muito mais gente, uma produção saudável e justa, com capacidade de refazer o ambiente, reconstruir uma condição de vida que não existia mais, ou estava indo para o beleléu. Com a opção de ir embora para São Paulo ou Rio de Janeiro, ou qualquer outro centro.

Outra via de produção
O PLANAPO é uma oportunidade histórica para quem está empenhado nesta transformação, além de ser uma reivindicação da sociedade civil organizada em seu local de trabalho e moradia. Por isso mesmo, a tarefa daqui até 2015, data que estão previstas as ações do PLANAPO, é colocar em prática os projetos, que são muitos. Além das tradicionais verbas de custeio e investimentos, tem a extensão rural que é estratégica – previsto R$758 milhões-, mais tecnologias sociais e acesso à água de produção com R$600 milhões, também para fortalecimento de redes de agroecologia, do agroextrativismo e da produção orgânica com R$100 milhões e outros R$150 milhões na aquisição de recursos genéticos vegetais e animais, como sementes crioulas e R$65 milhões para pesquisa e extensão tecnológica. Isso fazendo um resumo superficial.

Na verdade, a agroecologia há muito deixou de ser alternativa, para ser outra via de produção de alimentos, sem agroquímicos e venenos. Muito mais do que isso, a consciência de trabalhadores rurais assentados e agricultores familiares, que são a maioria no campo brasileiro, expressará a forma de luta contra o agronegócio mundial, que se organiza num sistema de dominação tecnológica, principalmente, com corporações dos Estados Unidos. Os transgênicos surgiram em St. Louis, na sede da Monsanto há 20 anos. A primeira base de expansão e experimentação no campo foi o meio-oeste estadunidense. Depois as corporações compraram as empresas de sementes e, já em 2005, a Monsanto começou a comprar empresas que produzem sementes de hortigranjeiros.

Especuladores financeiros
Por outro lado, reconhecidos especuladores mundiais e integrantes do sistema financeiro começam a vislumbrar o campo como um grande negócio. Temos o exemplo de George Soros no Brasil, principal acionista da Cia. Agrícola Adecoagro, inaugurou a sua terceira usina de açúcar em abril de 2013, em Ivinhema (MS). Mas a Adecoagro produz milho, soja e algodão também no Uruguai e Argentina. Em 2012 faturou US$604,7 milhões. O ex-sócio de George Soros, Jim Rogers recentemente deu uma entrevista falando que os próximos 10, 20 anos serão terríveis para o setor financeiro, porque a alavancagem é muito grande e há muita competição. Por isso, ele está investindo em ativos agrícolas como fazendas de capital aberto na Austrália, Indonésia e África – onde existem 80 milhões de agricultores familiares.

Os Estados Unidos montaram o modelo tecnológico e químico, sempre com a participação europeia, onde a adubação química e os agrotóxicos, agora as sementes transgênicas formam o tripé de produção. Espalharam pelo mundo que não precisava ter gente no campo – somente 2% da população. Lógico, que na conta não entram os mais de dois milhões de imigrantes ilegais que trabalham nas fazendas dos EUA, 600 mil somente na Califórnia. Um modelo que nunca colocou o custo dos resíduos e do solo erodido e que vai embora com as chuvas todo ano – 25% das terras agrícolas do mundo estão degradadas, segundo a ONU. Muito menos as consequências da mudança climática e a destruição dos ecossistemas. A cobrança desta fatura está bem próxima de ser executada.

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