Estudo com recém-nascidos sugere que processo de aquisição da fala começa ainda dentro da barriga da mãe, quando o feto ouve e aprende certos sons e palavras que escuta do exterior.
Sofia Moutinho
Sofia Moutinho
Recém-nascidos tiveram sua reação medida por um exame de eletroencefalograma enquanto ouviam palavras que suas mães escutaram durante a gravidez
A partir da 27ª semana de gravidez, os fetos ouvem os primeiros sons do interior do útero e também do ambiente externo
A ideia era verificar se depois do nascimento os bebês se lembrariam e reconheceriam o som ouvido tantas vezes dentro do útero. “Usamos esse som sem significado como uma pseudopalavra”, explica o líder da pesquisa, o neurocientista Eino Partanen. “Escolhemos uma palavra relativamente longa para tornar desafiante para os pequenos cérebros dos bebês aprendê-la.”
Depois dos partos, os pesquisadores submeteram os bebês novamente à gravação, mas dessa vez alteraram algumas das palavras de ‘tatata’ para ‘tatota’. A reação dos recém-nascidos foi monitorada por um eletroencefalograma, exame que registra a atividade elétrica do cérebro.
Os bebês que não ouviram a gravação durante a gravidez não mostraram nenhuma atividade diferente no cérebro ao escutar as palavras. Já os bebês que ouviram a gravação ainda no útero mostraram elevada atividade cerebral ao escutar a gravação. E não foi só isso.
Os pesquisadores observaram ainda que os bebês identificaram a mudança das palavras pela adição da vogal ‘o’. A percepção da alteração foi vista no eletroencefalograma que apontou a ativação de um conhecido mecanismo cerebral de detecção automática de mudanças. Esse mecanismo é deflagrado quando uma pessoa percebe uma alteração em uma sequência conhecida de números ou frases, por exemplo.
“Nossos resultados sugerem que o cérebro do feto é capaz de aprender sons antes de nascer e que mantém a memória desses sons depois do parto”, diz Partanen. “Nós conseguimos ver os efeitos neurais do aprendizado do feto e, com isso, poderemos entender mais detalhadamente esse processo, que, com certeza, pode influenciar na aquisição de linguagem mais para frente, na infância.”
Agora, o pesquisador e sua equipe pretendem conduzir mais testes para saber por quanto tempo a memória dos sons aprendidos no útero se mantém. Outros estudos já demonstraram que características como o sotaque de uma língua são aprendidas ainda no útero e também continuam depois do nascimento. Uma pesquisa alemã mostrou que bebês alemães e franceses reproduzem no choro os padrões de entonação de seus idiomas.
Conversa saudável
A pesquisa também comprova que a corriqueira conversa dos pais e parentes com o bebê durante a gravidez pode ser uma experiência de fato benéfica. “Escutar uma grande variedade de vozes dentro do útero pode ter efeitos positivos, preparando o cérebro para discriminar as sutis características da linguagem e potencializando a aquisição da fala”, diz o neurocientista. “Além disso, ouvir sons do ambiente exterior e a voz dos pais ajuda o feto a formar laços e se sentir seguro.”
Certos sons podem atrapalhar o desenvolvimento cerebral do feto
Partanen ressalta, no entanto, que, do mesmo modo que a voz dos pais pode ser benéfica, há outros sons que atrapalham o desenvolvimento cerebral do feto. Segundo ele, sons contínuos que não mantêm uma estrutura e os chamados ruídos brancos (sons de várias frequências combinados) são prejudiciais para a maturação do córtex auditivo.
“Se o feto ficar exposto a ambientes barulhentos, por exemplo, essa experiência pode causar uma organização anormal do sistema auditivo central, o que mais tarde pode afetar a percepção e o aprendizado da fala”, diz. “Precisamos estar atentos a isso e cuidar para que o ambiente ao redor do feto seja o mais agradável possível.”
Sofia MoutinhoCiência Hoje On-line
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