É uma constatação cruel mas necessária: atualmente, existem dois partidos de direita na França. Um partido de tendência neofascista, a UMP, ao tempero FN; e um partido neoliberal que ainda usa o nome socialista, mas só por preguiça.
Gérard Mordillat
Gérard Mordillat
O senhor Valls, por sinal, sugeriu a mudança do nome, consciente de que o termo «socialista» é atualmente vazio de sentido para ele e seus assemelhados, como o termo «gaullista» para os senhores Sarkozy, Copé, Fillon e consortes. Aliás, a propósito dos socialistas, tornou-se banal falar de «a esquerda de direita», o que obriga os comentaristas a distinguir certas declarações individuais como de «socialistas de esquerda». Haveria, portanto, socialistas que recusam o próprio nome de socialistas – homens de direita disfarçados de homens de esquerda, se se prefere – e socialistas que, contra a maioria de seu próprio partido, tentam preservar a herança de Jaurès.
Quer dizer, a confusão governa. Nas eleições municipais que se anunciam, essa confusão corre o risco de aumentar, pois, em Paris, de qualquer jeito, o PCF decidiu apresentar uma lista comum, desde o primeiro turno, com o PS. Mais com qual PS?
Com o daqueles que têm assento no governo ou com alguns irredutíveis para os quais o «socialismo», segundo Jaurès, trabalha «para a realização da humanidade». Uma humanidade que «ainda não existe ou apenas se insinua. No interior de cada nação, ela está comprometida, rachada, pelo antagonismo de classe, pela inevitável luta entre uma oligarquia capitalista e o proletariado. Só o socialismo, absorvendo todas as classes na propriedade comum dos meios de trabalho, resolverá esse antagonismo e fará de cada nação, enfim reconciliada com consigo mesma, uma parcela da humanidade».
A armadilha está aí.
Se votamos pelo socialismo «municipal» e, desse modo, por milagre, o partido da rosa evita assim a derrota anunciada, o governo verá nisso a adesão dos cidadãos à sua política; ao contrário, se é a Berezina, os mesmos socialistas «de governo» dirão que esse voto é sem significação, senão que puramente local, e continuarão com sua insuportável política. Num caso como no outro, o eleitor será roubado em seu voto, como foi após o referendo a propósito do tratado constitucional rejeitado por uma enorme maioria de franceses (incluída aí uma maioria de militantes socialistas) e repassada ao Parlamento nos mesmos termos sob o nome de tratado de Lisboa, com o apoio maciço dos eleitos socialistas. Uma denegação da democracia que «nem toda a água do mar poderia apagar», disse Lautréamont.
Mas tudo isso é sem importância.
A urgência seria impedir o Front National, nas próximas eleições municipais e europeias, de votar útil. E, desde já, o coro dos «socialistas» de governo entona a pleno pulmão a necessidade, que faz lei. Mas, ao mesmo tempo, quando os cidadãos não votam segundo o desejo dos «socialistas» de governo, seu voto é desprezado, anulado; mas, ao mesmo tempo, o senhor Valls tem proposta e até mesmo uma ação em perfeito acordo com as ideias da senhora Le Pen, de Ciotti, Guéant, Hortefeux e dos outros, acrescentando a isso a hipocrisia de expulsar, de perseguir em nome da «humanidade».
Então, como poderíamos, uma vez mais, votar útil, ainda confiar nos «socialistas» de governo?
Nós não podemos. Não podemos mais. Não podemos ser ao mesmo tempo os críticos mais determinados e os aliados de circunstância dos socialistas municipais que, por seu silêncio – de fato –, fazem perdurar uma política abertamente de direita, antissocial e contra a seguridade social. Em nome de não sei qual moral de circunstância, a confusão não deve ser cultivada, não pode mais ser. Ela não está mais em questão. Hoje em dia, os «socialistas» de governo não são mais simplesmente falsos irmãos, nem adversários, mas inimigos (de classe) que devemos enfrentar, custe o que custar. Uma cadeira no conselho municipal de qualquer cidade que seja não vale que abdiquemos de nossas convicções, de nossa vontade de transformar o mundo e de realizar a humanidade que Jaurès desejava. Valer dizer que é preciso ter a coragem de romper claramente com esse «socialismo» em pele de coelho, que é feito de demagogia e mentiras. Essa ruptura política é salutar mesmo para nossos camaradas socialistas, esses militantes espremidos entre a aflição e a indignação com isso que se pratica hoje em dia na França em nome do «socialismo». As posições são claras: os «socialistas» de governo são descaradamente um partido de direita e, nos cabe incarnar a esquerda com atos, deixar de ser amáveis e compreensivos, e nos endereçar contra eles e suas réplicas de l’UMP-FN. Como diria o outro: a mudança é agora!
Gérard Mordillat é escritor e cineasta

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