segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A pouca diferença entre as classes explica a baixíssima criminalidade da Islândia



Pela primeira vez na história da Islândia – país que tem uma das mais baixas taxas de criminalidade do planeta – policiais armados mataram um suspeito em uma operação.

BBC Brasil

A tranquila capital

A tranquila capital
A vítima foi um homem de 59 anos, que não teve a identidade divulgada. Ele foi morto a tiros na segunda-feira na capital Reykjavik.
O suspeito fez disparos com uma espingarda dentro de seu apartamento, supostamente contra policiais que tentaram invadir o imóvel. O homem acabou sendo morto a tiros pelas forças especiais.
A motivação do atirador ainda não está clara, segundo a polícia. Os policiais do grupo tático que atacou o suspeito estão recebendo acompanhamento de psicólogos.
A BBC publicou no mês de maio um texto do estudante de direito americano Andrew Clark, que investigou como um dos países com um dos maiores índices de armas por habitantes tem uma das mais baixas taxas de criminalidade do mundo. Leia abaixo:
Na companhia de estranhos
Embora eu tenha crescido na Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos (onde neva com frequência no inverno), senti uma sensação diferente ao ver as nevascas islandesas. Era algo paralisante, com rajadas de vento épicas que faziam com que os flocos de neve parecessem navalhas.
Quando deixei minhas malas no solo coberto de neve da capital, Reykjavik, um homem se aproximou de mim em um jipe.
“Quer subir?”, perguntou-me.
Aquilo parecia uma loucura. Quem entraria no carro de um desconhecido?
Mas, apesar do que já me disseram sobre pegar carona com estranhos, pulei na parte traseira do veículo sabendo que nada de mal aconteceria.
Pois, afinal de contas, eu estava na Islândia. Eu ficaria por lá uma semana com o intuito de estudar os baixos índices de criminalidade do país. Essa era minha segunda viagem a essa gélida nação em seis meses.
Passei os últimos três anos na Universidade de Suffolk, no Estado americano de Boston, estudando direito internacional.
Antes de minha primeira visita a Reykjavik, em agosto de 2012, já havia definido o tema da minha tese: faria um estudo sobre a Convenção de Genebra para a guerra cibernética.
Mas aquela semana na Islândia mudou meus planos. Estava agradavelmente surpreso com o que vi.
Qual é o segredo?
Os crimes violentos eram praticamente inexistentes na Islândia. As pessoas pareciam despreocupadas com sua segurança ou a de seus filhos, a ponto de deixar as crianças sozinhas na rua.
Passei temporadas na Noruega, na Suíça e na Dinamarca, mas agora esses países pareciam tomados pelo crime, em comparação com a Islândia.
De volta aos Estados Unidos, mudei o tema de minha tese. Queria saber qual era o segredo da Islândia.
Francamente, não há uma resposta perfeita para explicar por que o país está entre os que detêm os menores índices de criminalidade do mundo.
Segundo o UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes), a taxa de homicídios na Islândia entre os anos de 1999 e 2009 nunca foi mais alta que 1,8 por 100 mil habitantes.
Os Estados Unidos, por sua vez, registraram no mesmo período taxas de homicídio anuais de 5 a 5,8 casos para cada 100 mil habitantes.
No Brasil, a taxa é ainda maior, de 23 homicídios por 100 mil habitantes.
Pouca diferença de classes
Depois de conversar com professores, autoridades, advogados e jornalistas, os fatores do sucesso da Islândia nessa área começaram a ser delineados – embora seja impossível determinar em que medida cada um deles contribui para o resultado final.
Em primeiro lugar, quase não há diferença entre as classes alta, média e baixa na Islândia. Por causa disso, praticamente inexiste tensão econômica entre classes – algo raro em outros países.
Um trabalho de um estudante da Universidade do Missouri que analisou o sistema de classes islandês descobriu que somente 1,1% dos participantes do levantamento se descreviam como classe alta e apenas 1,5% como classe baixa.
Os 97% restantes se identificaram como classe média, ou trabalhadora.
Em uma das minhas três visitas ao Parlamento islandês, me reuni com Bjorgvin Sigurdsson, ex-presidente do grupo parlamentar da Aliança Social Democrata.
Para ele e para a maioria dos islandeses com quem falei, a igualdade é a principal causa da quase ausência de crimes.
“Aqui os filhos dos magnatas vão aos mesmos colégios que o restante das crianças”, afirmou Sigurdsson.
Para ele, os sistemas de serviços públicos e de educação do país promovem a igualdade.
Os poucos crimes que acontecem no país geralmente não envolvem armas de fogo, apesar dos islandeses possuírem muitas.
A página de internet GunPolicy.org estima que haja aproximadamente 90 mil armas no país – cuja população é de cerca de 300 mil pessoas.
Isso faz com que a Islândia figure na 15ª posição no ranking mundial de posse legal de armas de fogo per capita.
Mas adquirir uma arma de fogo não é fácil no país. O processo inclui um exame médico e uma prova escrita.
A polícia também não anda armada. Os únicos agentes que podem portar armas de fogo são uma força especial chamada “Esquadrão Viking”, que atua em poucas ocasiões.
Além disso, o tráfico de drogas na Islândia é pouco expressivo. Segundo um relatório da UNODC, o consumo de cocaína por cidadãos com idades entre 15 e 64 anos é de 0,9%; o de ecstasy, 0,5% e o de anfetaminas, 0,7%.
Também há uma tradição na Islândia de denunciar os crimes diante de qualquer indício ou agir para freá-los logo no início, antes que a situação piore.
No momento, a polícia está combatendo o crime organizado enquanto o Parlamento discute leis para ajudar a desmantelar essas redes criminosas.
Quando as drogas pareciam ser um problema em expansão no país, o Parlamento estabeleceu uma política antidrogas independente e um tribunal especial para lidar com o problema. Isso aconteceu em 1973. Nos dez primeiros anos de funcionamento do tribunal, 90% dos casos foram resolvidos com multas.
Esses são os segredos da Islândia, que poderiam orientar outros países que buscam soluções para seus problemas de delinquência.
Por isso, enquanto eu subia naquela manhã no jipe daquele homem que sorriu para mim e perguntou se eu precisava de ajuda com as malas, me senti seguro, mesmo não sabendo quem ele era.

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