A data de 8 de dezembro marca o nascimento de Camille Claudel (1864-1943). O cinema
parece apreciar a trágica vida desta escultora, tanto que, recentemente, levou sua vida duas
vezes às telas.
Milton Ribeiro
Milton Ribeiro
De forma esquemática, a biografia de Camille pode ser resumida assim: ela era uma talentosa escultora que, quando tornou-se amante de Rodin, caiu em desgraça junto à sociedade parisiense. Afinal, o escultor era casado, célebre e a ligação foi um escândalo. Após quinze anos de tortuoso relacionamento, Camille rompeu e mergulhou cada vez mais na solidão e na loucura. Por iniciativa de seu irmão mais novo, o escritor Paul Claudel, foi internada em 1913 num manicômio.
Apesar da atuação escabelada de Isabelle Adjani, a primeira versão cinematográfica parece ser a mais correta do ponto de vista histórico. Camille Claudel, 1915 dá a impressão de que a escultora fora vítima de uma injustiça. A personagem de Binoche parece estar internada indevidamente. Seu trabalho pregresso fica esquecido e é sugerido que a sociedade e seu irmão Paul desejavam apenas livrar-se dela. Porém, delirante e paranoica, Camille sofria e era um problema real: ela recebeu o diagnóstico de esquizofrenia.
Em 1881, com 17 anos, Claudel ingressou na Academia Colarossi, em Paris, uma escola que formava escultores. Entre seus mestres estava Auguste Rodin. É desta época que datam suas primeiras obras conhecidas: A Velha Helena e Paul aos treze anos.
Rodin, impressionado pela beleza de seu trabalho, recebe-a como aprendiz de seu ateliê. Ela colabora na execução de As Portas do Inferno (Les Portes de l’Enfer) e do monumento Os Burgueses de Calais (Les Bourgeois de Calais).
Ela trabalhou vários anos a serviço de Rodin, por quem era secretamente apaixonada. Ao mesmo tempo, criava suas próprias obras. Por vezes, a produção de um e outro eram tão semelhantes que não se sabia o que era do professor e o que era da aluna. Eles se apaixonam e Camille Claudel enfrenta duas dificuldades, pois por um lado Rodin não consegue decidir-se a deixar Rose Beuret e, por outro, alguns afirmam que suas obras seriam executadas pelo mestre. Triste em função das acusações e por Rodin manter outra mulher, Camille tentará se distanciar de Rodin. Percebe-se essa tentativa de autonomia em sua obra tanto na escolha dos temas como no tratamento: A Valsa (La Valse) e A Pequena Castelã (La Petite Châtelaine). Esta tentativa de afastamento segue até o rompimento definitivo em 1898. A ruptura é marcada por A Idade Madura (L’Age Mûr).
Então ela sofre um grande golpe. Rodin escolhe ficar com Rose. Ela conclui que seu romance com Rodin não passou de uma aventura para ele e Camille passa a nutrir um estranho amor-ódio, que já era um sintoma da doença que a levará à loucura. Ela se instala num hotel Quai Bourbon e segue seu trabalho em grande solidão. Apesar do apoio de amigos, ela não consegue superar o luto da separação. Eugène Blot organiza duas grandes exposições, esperando o reconhecimento e benefício financeiro para Claudel. As exposições têm grande sucesso de crítica, mas Camille já está doente demais para ouvir os elogios. Ela passa a desejar a morte de Rodin, enquanto revive a infância, com sua mãe tentando impedir que ela se tornasse uma artista.
Após 1905, os períodos paranoicos de Camille multiplicam-se. Ela crê em seus delírios. Ela acredita que Rodin roubará suas obras de arte para moldá-las e expô-las como suas. Também suspeita que o Ministério das Belas-Artes da França está em conluio com Rodin, e que desconhecidos querem entrar em sua casa para lhe roubar. Também chora muito, e passa a ter ideias de suicídio. Nesta época vive grande abatimento físico e psicológico, não se alimentando mais e desconfiando de todas as pessoas, achando que qualquer um a matará. Ela se isola, rompendo com os amigos. Mantém-se vendendo as poucas obras que ainda lhe restam.
Seu pai, a única pessoa pela qual guarda afeição, morre em 3 de março de 1913, o que acentua seu estado. Tem crises violentas em que quebra suas obras. Em 10 de março, é internada no manicômio de Ville-Evrard. O irmão Paul Claudel — que trabalha como Embaixador da França em vários países e é muito rico – nega-se a pagar uma pensão hospitalar para a irmã. Ele nada faz para amenizar o sofrimento de Camille, apesar de saber das condições sub-humanas em que viviam os internos da época. Rodin envia-lhe algum dinheiro e expõe algumas das esculturas que sobreviveram à destruição, mas nada faz para liberá-la do hospital. De qualquer maneira, sua iniciativa seria impedida pela mãe de Camille, que o considerava culpado pela ruína e loucura de sua filha. Camille morreu em 1943, aos 78 anos, enterrada anonimamente em vala comum, sem nunca ter recebido uma visita de sua mãe.
A tragédia de Camille Claudel tem ingredientes que a potencializam. A cidade era Paris e ela estava envolvida com Rodin e com seu irmão Paul Claudel, um dos grandes escritores de sua geração na França. É certo que o preconceito de gênero tem seu papel no desespero da escultora. Ela foi sufocada por dois artistas respeitadíssimos em sua época. Um, seu mestre, por quem era apaixonada, a abandonou; outro, seu irmão, que parecia vê-la como um estorvo.
Como afirma o crítico Eugène Blot no filme com Isabelle Adjani, seu gênio criativo ultrapassou a compreensão de sua época.
Do hospital, Camille manteve por algum tempo correspondência com sua família e seus amigos. Às vezes, pedia à sua mãe alguns itens como chá, açúcar em cubinhos e café — “…café brasileiro porque é de excelente qualidade…”. Com seu irmão Paul, a intensidade das cartas chegou ao nível do emocionante. Paul, em seus escritos sobre a irmã, descreve o trabalho da artista:
“Da mesma forma que um homem, no campo, se serve de uma árvore ou de um rochedo ao qual seus olhos se prendem, a fim de acompanhá-lo em sua meditação, uma obra de Camille Claudel no meio do apartamento existe unicamente através de suas formas, assim como essas curiosas rochas colecionadas pelos chineses, como um tipo de monumento do pensamento interior, o tufo de um tema proposto a todos os sonhos. Ao passo que um livro, por exemplo, somos obrigados a ir buscá-lo nas prateleiras de nosso armário, uma música, a tocá-la, ao contrário, a peça trabalhada, de metal, ou de pedra, exala de si mesma seu encantamento, e a casa inteira é por ela penetrada”.
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