Em entrevista ao nosso portal economista brasileiro fala sobre novo livro e seus temas centrais.
No último dia 15 de novembro o economista brasileiro Edmilson Costa lançou em São Paulo seu novo livro: A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil.
Confira a entrevista dado ao Diário Liberdade, com exclusividade, pelo intelectual comunista:
Diário Liberdade (DL): Quais são os temas centrais de “A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil”.
Edmilson Costa (EC) – O livro é um conjunto de ensaios publicados em periódicos nacionais e internacionais, revistas acadêmicas e alguns artigos inéditos. Mas todos estão intercalados ao tema central, formam um conjunto consistente. O livro está dividido em três partes: a primeira aborda a crise sistêmica global e procura contribuir teoricamente sobre o entendimento desta crise, que é inteiramente diferente das crises cíclicas comumente verificadas no sistema capitalista. A segunda parte aborda a questão da globalização e também procura abrir um debate sobre a questão do imperialismo atual, que é bastante diferente do período em que Lênin escreveu sobre o tema. E a terceira parte se refere ao Brasil, onde analisamos a conjuntura no último meio século, com ênfase no período do governo do Partido dos Trabalhadores, além de também abordarmos um tema bastante polêmico, que é o fato de acreditarmos que o Brasil reúne hoje as condições objetivas para a construção de um socialismo desenvolvido, ao contrário do que ocorreu na Rússia e na China. No entanto, ainda não estão maduras as condições subjetivas, que é um elemento fundamental para o processo da revolução brasileira.
Quando a crise ganhou destaque na mídia em 2008, muitos economistas afirmaram que esta crise era oriunda do sistema financeiro especulativo. Você concorda com esse tipo de análise?
EC – Há um modismo entre os economistas, influenciado pelos pós-modernistas, no sentido de fragmentar a totalidade e a essência dos problemas sociais e econômicos. Confundem forma e conteúdo. No sistema capitalista, todas as crises têm origem na contradição entre o caráter social da produção social e a apropriação privada de seus resultados. Portanto, as crises têm sua origem nessa contradição. A forma como se apresentam é apenas a manifestação da contradição geral. Muitas vezes o estopim da crise pode ser uma guerra, uma crise financeira, uma crise imobiliária, mas tudo isso é apenas a forma como o fenômeno que se gestou na esfera da produção (onde está a contradição principal do sistema) se manifesta em outras áreas. O processo mundial de especulação que se verificou antes da crise na verdade foi a maneira com que o capital buscou realizar uma fuga prá frente para driblar da lei do valor. Pensavam que o capital poderia se valorizar nessa esfera infinitamente e, por algum tempo, se encantaram com essa possibilidade, mas a realidade foi mais forte e hoje todos estão contabilizando perdas e vão contabilizar ainda mais com o agravamento da crise.
Quando estourou a crise em 2008, você lançava “A globalização e o capitalismo contemporâneo”. Nele você afirmava que era apenas o primeiro de uma trilogia sobre as crises capitalistas. A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil é a continuação? Se for, o que traz de novo?
EC – Esse livro é uma continuidade dos trabalhos que venho desenvolvendo em relação a este tema. Ele traz duas contribuições teóricas ao marxismo: a primeira, como já disse, é a diferenciação entre crise sistêmica global e crises cíclicas. Como se sabe, as crises cíclicas são companheiras históricas do capitalismo, desde seus primórdios. Como ocorrem com certa periodicidade, os capitalistas já adquiriram grande experiência em administrá-las. Prova disso são as políticas keynesianas que foram implementadas desde o pós-guerra e proporcionaram ao sistema capitalista um longo período de estabilidade, com crescimento econômico e baixas taxas de desemprego. Mas as crises sistêmicas são inteiramente diferentes e aí reside nossa contribuição. São mais longas, profundas e devastadoras, porque representam o esgotamento de um longo ciclo de acumulação. As políticas de Estado que reduziam os efeitos das crises cíclicas no passado não funcionam nas crises sistêmicas. Por isso, todas as medidas tomadas até agora pelos gestores do capital não surtiram efeito. Pelo contrário, tendem a acirrar a crise econômica e social, apesar da grande manipulação de estatísticas e dos meios de comunicação, que tentam de todas as formas criar factóides otimistas para que a população não perceba a gravidade da crise. A segunda contribuição é sobre a questão do imperialismo. Quando Lenin escreveu seu clássico livro e disse que o imperialismo era a ante-sala do socialismo, estava com uma visão muito otimista do processo. Naquele período, o imperialismo estava dando apenas seus primeiros passos. Somente agora, com a internacionalização da produção e das finanças, o capitalismo se tornou um sistema mundial completo. Portanto, com características muito diferentes dos tempos de Lenin. Poderemos dizer que é exatamente agora que estamos mais próximo do socialismo do que naquele período.
Costa durante festa-lançamento do seu novo livro. No ECLA-SP, último dia 15/11
DL: Seja na mídia, seja na academia, divulga-se que a crise econômica que vivemos é mais uma crise do modo de produção capitalista. Porém, autores como Mezáros vem falando de uma crise estrutural do capital. Como você entende o processo. É mais uma crise cíclica do capitalismo ou é realmente mais um elemento de uma crise estrutural do capital?
EC – Trata-se na verdade de uma crise sistêmica global. As crises sistêmicas emergem porque a velha estrutura de relações de produção não corresponde mais ao desenvolvimento das forças produtivas. Portanto, essas crises só terminam quando ocorrem mudanças em termos quantitativos e qualitativos na estrutura do sistema. Essas crises vêem contestar a velha ordem e criar uma nova ordem. Na história do capitalismo só ocorreram apenas três grandes crises sistêmicas: a primeira, vai de 1873 a 1896. Portanto, durou 26 anos e teve como consequência a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. A segunda crise sistêmica ocorreu no período que vai de 1929 a 1945 e o resultado desse processo foi a segunda guerra mundial, a formação do sistema socialista e, no Ocidente, a criação do Estado do Bem Estar Social, fruto da vitória dos trabalhadores contra o nazismo. A terceira crise sistêmica começou em 2007-2008 e vem castigando o sistema capitalista há mais de seis anos e ainda vai continuar por muito tempo. Da mesma forma que as crises sistêmicas anteriores, esta também só terminará quando mudar em termos quantitativos e qualitativos o sistema capitalista.
DL: No seu livro anterior você afirmava que a globalização seria um processo que teria se iniciado na segunda metade do século XX, a partir da internacionalização da produção e das finanças. Nesse novo livro essa tese é mantida. Você pode explicar com mais detalhes como se deu o processo no mundo e no Brasil?
EC – Eu discordo das teorias que afirmam que a globalização sempre existiu. Isso é apenas um relativismo absoluto. Em nosso entendimento, a globalização é um fenômeno do capitalismo contemporâneo, quando as transnacionais produtivas e financeiras deslocaram-se de seus países de origem para a grande aventura produtiva e financeira na periferia capitalista. Isso transformou o capitalismo num sistema completo. Antes só era completo no que se refere a duas variáveis da órbita da circulação: a exportação de capitais e o comércio mundial. A globalização traz também alguns fenômenos novos: pela primeira vez na história, os capitalistas passaram a extrair o valor, de maneira generalizada, fora das fronteiras nacionais. Antes, o mais-valor era capturado através do comércio mundial. Com isso, a burguesia, especialmente a dos países centrais, se tornou uma classe exploradora em caráter mundial. Explora diretamente os trabalhadores no centro e periferia. O proletariado também se tornou objetivamente uma classe mundial, processo atualiza efetivamente a palavra de ordem dos fundadores do marxismo: trabalhadores do mundo, uní-vos!
DL: Se o capitalismo está globalizado, a crise econômica afetaria todos os países. Mas até agora o Brasil não foi afetado como os países europeus e os EUA. Como você explica essa contradição?
EC – A crise é do sistema como um todo e afeta todos os países ligados à economia líder, os EUA. Mas, como se sabe, o capitalismo se desenvolve de forma desigual e as ligações de cada País com a economia norte-americana é diferente. Quando mais o País estiver ligado a esta economia e quanto mais tenha incorporado as políticas neoliberais, como a desregulamentação financeira, por exemplo, maiores serão os impactos da crise em suas economias. Como economia subordinada e parte do sistema capitalista mundial, o Brasil também não está blindado diante da crise. Basta dizer que em meio à crise mundial, as ações Bolsa de Valores brasileira perderam cerca de 50%, muitas empresas tiveram enormes prejuízos porque estavam alavancadas na especulação, como a Sadia, o Banco Votorantim, ocorreram demissões em massa, etc. E o PIB brasileiro foi igual a zero em 2009. Mas consequências da crise não foram maiores porque a regulação bancária no Brasil é muito maior que nos EUA, onde a liberalização foi total. Por isso, a crise não afetou tanto os bancos brasileiros. Mas com o agravamento da crise mundial, o Brasil com certeza será afetado. É só ver a trajetória do PIB nos últimos anos.
DL: Lenin disse a 100 anos que o imperialismo era a fase superior do capitalismo. Globalização seria outro nome para o conceito de imperialismo ou se trata realmente de superar dialeticamente o líder da Revolução Russa?
EC – Como afirmei anteriormente, quando os clássicos como Hobson, Bukharin, Hilferding, Rosa de Luxemburgo e Lenin escreveram sobre o imperialismo esse sistema estava apenas dando os seus primeiros passos. Estava ainda na sua infância. Hoje, o sistema capitalista, apesar de manter a sua essência, tem uma forma inteiramente diferente. A exportação de capitais é diferente: se dá muito mais entre os países centrais do que entre centro e periferia. Também hoje não é mais necessário ocupar militarmente os países para controlar suas economias e fontes de matérias-primas. O parasitismo financeiro se ampliou de maneira tal que antes da crise circulavam cerca de 12 vezes mais capitais na órbita financeira do que o PIB mundial. Além disso, a internacionalização da produção proporcionou à burguesia extrair diretamente o valor foram de suas fronteiras nacionais e a internacionalização financeira proporcionou ao capital se autoacrescentar ao longo de 24 horas por dia. São fenômenos que não existiam na época de Lenin. Portanto, para cada fenômeno novo é necessário uma teoria nova, capaz de atualizar dialeticamente os clássicos do marxismo, como Lenin fez em relação à questão do imperialismo.
Costa, ao lado do deputado Carlos Giannazi (PSOL), na campanha eleitoral de 2012
DL: Em artigo publicado recentemente no Resistir.info você defende que o capitalismo brasileiro é desenvolvido, ou seja, já se teria condições objetivas para fazer a revolução socialista. No entanto, alguns economistas têm resgatado teorias da dependência e do subdesenvolvimento, afirmando que o Brasil não conseguiu, em pleno século XXI, passar da etapa do desenvolvimento do subdesenvolvimento. Como você se coloca diante desta questão.
EC - Na verdade, aquele artigo é o último capítulo de meu novo livro, no qual desenvolvo a tese que o Brasil está maduro para o socialismo. Isso significa dizer que o capitalismo brasileiro reúne atualmente todas as condições objetivas - em termos de produto, industrialização, verticalização da produção, desenvolvimento do setor financeiro e de serviços, além de elevado desenvolvimento capitalista no campo – para a construção de uma sociedade socialista desenvolvida. Para se ter uma idéia do grau de monopolização da economia brasileira basta dizer que os 100 maiores grupos econômicos radicados no País tiveram, em 2011, um faturamento bruto de vendas correspondente a 56% do PIB e os 20 maiores grupos tiveram um volume de vendas no mesmo ano correspondente a 35% do PIB e apenas os dez maiores grupos realizaram vendas no mesmo período de cerca de 25% do PIB. Ao contrário da Rússia czarista e da China, que fizeram suas revoluções em economias muito atrasadas, o Brasil está maduro para as transformações, não só em termos econômicos, mas também sociais, pois aqui existe uma classe operária numerosa, concentrada nas grandes empresas e nos grandes centros urbanos. No entanto, se temos as condições objetivas, não conseguimos ainda reunir as condições subjetivas, que são fundamentais para o processo revolucionário. Essa será uma tarefa gigantesca para as organizações revolucionárias, que não tem prazo nem data para ser concluída. Torço para que se reúnam essas condições no mais breve espaço de tempo.
DL: Qual é a solução para enfrentarmos a crise a curto, médio e longo prazos?
EC - Essa é uma pergunta que vale um milhão de dólares. É evidente que nem eu nem ninguém tem condições de formular uma solução para esta crise sistêmica global, nem mesmo para o Brasil. O que podemos adiantar é que esta é uma crise profunda e devastadora que ainda vai durar muito tempo e só terminará quando ocorrer mudanças de fundo no sistema capitalista. Como em todas as crises, este é um momento de intensificação da luta de classes. Cada classe quer sair da crise vitoriosa. Neste momento, a burguesia está na ofensiva, com suas políticas predatórias para extinguir direitos e garantias dos trabalhadores. Mas os trabalhadores também estão lutando em todas as partes do mundo. Além disso, a crise abre fissuras no sistema de dominação e janelas de oportunidades para os trabalhadores. A queda das velhas ditaduras no Egito, na Tunísia, no Yemem, as greves gerais na Europa, as manifestações populares e mobilizações na América Latina, bem como as manifestações de junho no Brasil são parte de um processo que se intensificará à medida em que a crise se agrava. A luta de classes se encontra hoje num novo patamar. Outra coisa importante é o fato de que não existem crises sem saída. Essa crise ainda é uma obra aberta. A saída em favor da burguesia ou do proletariado vai depender do desenvolvimento da luta de classes. Se os trabalhadores conseguirem realizar uma intervenção organizada, como foi a greve geral dos 25 países na Europa em novembro do ano passado, e se no bojo da luta se constituir uma vanguarda revolucionária com um programa anticapitalista capaz de colocar o proletariado em movimento contra o capital, os trabalhadores podem vencer. Do contrário, a burguesia sairá da crise preservando seus interesses e disciplinando o mundo do trabalho. Torço e trabalho para que a primeira opção seja vitoriosa.
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