BrasilAlemanha publica entrevista remetida pelo Autor, 77 anos, analista político, professor de Relações Internacionais, historiador e nosso colaborador, concedida ao jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, PR. Obra mais recente: "A Segunda Guerra Fria".
Para ler a entrevista no original, clique aqui >>>. Sobre "A Segunda Guerra Fria", aqui >>>
Para saber mais sobre o "Intelectual do Ano de 2005", da União Brasileira de Escritores, Moniz Bandeira, radicado na Alemanha e casado com alemã: Google >>> e Wikipedia >>>
Para saber mais sobre o "Intelectual do Ano de 2005", da União Brasileira de Escritores, Moniz Bandeira, radicado na Alemanha e casado com alemã: Google >>> e Wikipedia >>>
Era final de 2010 quando o mundo assistiu a uma série de revoltas populares nos países do Oriente Médio e do Norte da África. Insatisfeita com a situação política, a população foi às ruas exigir reformas e a queda dos governantes. Um grande levante popular espontâneo? Não na avaliação de Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor de Relações Internacionais que lançou recentemente o livro A Segunda Guerra Fria. Na obra ele defende que os Estados Unidos estiveram por trás dos protestos, como parte de um plano para garantir a hegemonia política na região. Em entrevista àGazeta do Povo, Moniz Bandeira explica essa tese e fala também da guerra na Síria e do acordo nuclear do Irã.
Em seu livro o senhor defende que as revoltas da Primavera Árabe não foram espontâneas, mas estimuladas pelos Estados Unidos. De que forma isso aconteceu?
As rebeliões, que logo foram chamadas de Primavera Árabe, desdobraram um programa cuja execução começara nos países do Cáucaso, com as “revoluções coloridas" na Geórgia, Ucrânia e outros países que se desmembraram da extinta União Soviética. O objetivo, desde o governo do presidente Bill Clinton, foi expandir a Otan até as fronteiras da Rússia e, virtualmente, cercá-la. Daí os conflitos na Sérvia, a questão do Kosovo, quando Eslovênia, Croácia e Bósnia-Herzegovina se separaram da Iugoslávia, no começo dos anos 1990. O presidente George W. Bush deu continuidade a esse movimento na direção do Leste, antes dos ataques terroristas às torres gêmeas, em Nova York, visando a realizar o Project for the New American Century. Esse projeto consistia em aumentar os gastos com defesa, fortalecer os vínculos democráticos e desafiar os regimes hostis aos interesses e valores americanos, promover a liberdade política em todo o mundo, e aceitar para os Estados Unidos o papel exclusivo de “preservar e estender uma ordem internacional amigável à nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios”. Assim, trataram de promover uma agenda segundo a qual os Estados Unidos apoiariam governos democráticos inexperientes e encorajariam dissidentes e reformistas democráticos, sob os regimes repressivos no Irã, Síria, Coreia do Norte e Venezuela. Em 2002, o secretário de Estado Colin Powell lançou a Middle East Partnership Initiative (MEPI) com propósito ostensivo de ajudar os adversários dos regimes, que não respeitavam a liberdade e os direitos humanos no Oriente Médio e na África do Norte. Esse programa, para financiar as ONGs americanas, começou a também distribuir diretamente bolsas no Egito, a fim de apoiar ativistas políticos e grupos de direitos humanos, enquanto o Departamento de Estado estabelecia escritórios regionais nos Emirados Árabes Unidos e na Tunísia. Em quase todos os países árabes existiam condições internas, objetivas e subjetivas, tais como corrupção, repressão, elevação do custo dos alimentos, pauperização, exclusão social e desemprego, atingindo sobretudo os jovens, além de outros fatores como o agravamento da estagnação econômica, social e política pela crise financeira mundial, iniciada em 2007-2008. Embora alguns fatos, como o suicídio do jovem na Tunísia e o fenômeno do contágio pudessem contribuir para as revoltas, elas certamente não avançariam nem atingiriam as grandes proporções que tomaram e dificilmente haveriam triunfado, como na Líbia, sem o encorajamento dos Estados Unidos, que desde 2005 estavam a financiar a oposição na Síria.
Na sua visão, ainda existe uma disputa de poder entre os Estados Unidos e a Rússia, como mostra, por exemplo, a questão Síria?
Os Estados Unidos até hoje percebem a Rússia como seu mais importante rival. De fato, a União Soviética, da qual a Rússia é a sucessora jurídica, não foi militarmente derrotada. O que desmoronou foi um sistema econômico e político autárquico, que revivera o despotismo asiático, a fim de implantar o socialismo, mediante a estatização de suas forças pro¬dutivas em um país isolado, onde o capitalismo ainda não alcançara elevado grau de desenvolvimento e que jamais pudera desvincular-se da economia mundial de mercado, que funciona sob as leis do capitalismo. Os Estados Unidos pretenderam conservar o status de potência hegemônica, chefe e guia de um sistema ultraimperial, apoiada pela União Europeia e atribuindo à Otan o monopólio da violência internacional e a tarefa de capturar o controle da Eurásia (Europa e Ásia). A Rússia, entretanto, herdou todo o seu potencial militar da União Soviética, cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais, reservas de 2.700, contra 1.950 operacionais e 2.500 de reserva, dos Estados Unidos. O poderio militar das duas potências era equivalente. E após a dura crise econômica e política que atravessou nos anos 1990, a Rússia recuperou-se, economicamente, sob o governo do presidente Vladimir Putin, e a guerra fria reacendeu-se. A Ucrânia é um dos teatros onde a disputa entre o Ocidente e a Rússia volta a recrudescer. Uma vez que a Rússia se opõe à adesão da Ucrânia à Otan, a União Europeia pretende incorporá-la ao seu espaço econômico e político, de modo que possa também abrir as portas para o estacionamento de tropas dentro do seu território.
Qual seria o caminho para o fim da guerra civil na Síria?
Uma nova rodada de negociações está prevista para janeiro e tanto o Irã, que apoia o regime de Bashar Assad, quanto a Turquia, um dos suportes da oposição, pediram um cessar-fogo antes de seu início. Porém, é muito difícil. Na Síria não ocorre propriamente uma guerra civil. Há enormes contingentes de jihadistas e terroristas da Al-Qaeda, oriundos de vários países, inclusive da Europa, e outros atores que os financiam. A Arábia Saudita e os emirados sunitas salafistas do Golfo Pérsico estão por trás da disputa, por vários motivos políticos e religiosos. Creio, entretanto, que conversações secretas estejam a acontecer entre as grandes potências do Ocidente e a Rússia. Mas, provavelmente, nem todos os grupos que travam a Jihadd (guerra santa) na Síria aceitarão qualquer acordo de paz. E a luta continuará, como na Líbia, onde a guerra civil latente começou a aguçar-se, no Iraque, com os atentados terroristas matando diariamente dezenas de civis, e no Afeganistão, três países em que os Estados foram praticamente destruídos e os governos são meramente factícios, para efeitos diplomáticos. Mas é difícil qualquer previsão. Entre povos como os do Oriente Médio, onde a fé e as crenças predominam, a racionalidade desvanece.
Em relação ao Egito, trata-se apenas de um conflito interno ou também existem razões para uma intervenção externa?
O problema do Egito é muito complexo, tanto ao nível interno quanto externo. Lá somente existem duas forças efetivamente organizadas: o Exército e a Irmandade Muçulmana. E o conflito entre elas tem reflexos externos. Os Estados Unidos cortaram a assistência militar da ordem de cerca de US$ 1,3 bilhão a 1,5 bilhão que concediam ao Egito desde os anos 1980. Porém, a Arábia Saudita, Qatar e os emirados do Golfo Pérsico, que estão a disputar a liderança na região, passaram a sustentar o governo militar do general Abdel Fattah al-Sisi e destinaram ao Egito cerca de US$ 12 bilhões. Os Estados Unidos defrontam-se com uma situação muito difícil. Não apoiaram, oficialmente, o governo do general Abdel al-Sisi, mas não o execraram como resultante de um golpe de Estado. E, ao abrir-se o vácuo nas relações entre os dois países, a Rússia começou a penetrá-lo e o Egito manifestou o interesse em comprar-lhe material bélico, como os sistemas de defesa, jatos MiG-29, helicópteros de combate e outros armamentos. Por outro lado, as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita tornaram-se cada vez mais tensas, sobretudo depois do acordo com o Irã, aliado da Síria, cujo regime passou a obter importantes vitórias, contendo os rebeldes e reconquistando importantes posições no segundo semestre de 2013. Para o rei Abdullah ibn Abd al-Aziz, a questão do programa nuclear do Irã e a guerra na Síria são duas faces do mesmo problema. Como sunita, sectário da doutrina Wahhabi, ele receia o crescimento da influência do Irã, dominado pelos aiatolás xiitas, sobre a Síria, Iraque, Bahrein, o sul da Arábia Saudita e Líbano. Mas, como certa vez Condoleezza Rice, quando secretária de Estado no governo de George W. Bush, declarou, "os Estados Unidos não tem permanentes amigos ou inimigos, apenas interesses permanentes". Daí que o presidente Barack Obama decidiu aproximar-se do presidente Hassan Rouhani, do Irã, e respaldar o acordo negociado pelo grupo 5+1 (os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança e Alemanha), alcançado em Genebra, em 24 de novembro de 2013. Não mais podia subordinar Estados Unidos, com enormes dificuldades econômicas e políticas internas e externas, aos interesses de Israel e da Arábia Saudita. O povo americano não mais queria gastar trilhões de dólares em novas guerras. Cerca de 67% da população dos Estados Unidos, em outubro de 2012, acreditavam a que a guerra no Iraque não valera os gastos e 69% julgavam que a guerra no Afeganistão não livrou os Estados Unidos do terrorismo.
Qual a efetividade do acordo firmado no último final de semana para suspensão do programa nuclear do Irã?
Esse acordo tem um prazo de seis meses, mas tudo indica que será efetivado. Como demonstro em A Segunda Guerra Fria, nunca foi provado que o Irã tivesse realmente interesse em produzir armas atômicas. O aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da revolução islâmica de 1979, havia emitido um fatwa (pronunciamento religioso), cancelando inteiramente o projeto e proibindo o Irã de produzir armas nucleares ou quaisquer outras armas de destruição em massa. Essa proibição fora sempre reiterada pelo aiatolá Ali Khamenei, supremo guardião de suas leis religiosas ao afirmar que o Irã não estava em busca de armas nucleares e estocá-las é “inútil e perigoso”. Ninguém de bom senso podia crer que o Irã, se produzisse ogivas atômicas, atacasse Israel, uma vez que o “segundo Holocausto” a que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se referia não seria somente de judeus, mas igualmente de árabes cristãos muçulmanos (inclusive xiitas). E, ademais, os Estados Unidos, economicamente exauridos, com uma dívida pública impagável, não estavam nem estão em condições de enfrentar outra guerra em um país como o Irã, cuja população é superior à do Iraque e Afeganistão somadas e cuja configuração topográfica, muito escarpada, não permitia que suas forças travassem facilmente uma guerra terrestre e ocupassem o território, onde as instalações nucleares – de 12 a 20 – estavam instaladas. Os informes da CIA e dos demais órgãos de inteligência indicavam que as condições não favoreciam um ataque militar. As consequências, seriam enormemente prejudiciais para os Estados Unidos, pois a guerra, nas circunstâncias atuais, não aqueceriam, provavelmente, suas forças produtivas, e desestabilizaria todo o Oriente Médio. Essa é uma das razões pelas quais o presidente Barack Obama, embora publicamente não descartasse a opção militar, desejou evitar o confronto armado com o Irã e perseverou nos meios diplomáticos para a solução do problema, ao mesmo tempo em que endurecia sanções e a CIA e o Mossad executavam a guerra nas sombras, com operações encobertas de sabotagem e assassinatos.
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