sábado, 4 de janeiro de 2014

A Classe média: Ascensão e decadência. por Elísio Estanque



A Classe média: Ascensão e Decadência é a obra escrita pelo sociólogo Elísio Estanque, com o objetivo de provocar uma reflexão sobre o fundamental papel e o significado que a classe média tem num determinado período histórico. Analisa o autor: Quais são as teorias que tratam das classificações sociais e analisa a situação que se encontra a classe média europeia.
Atualmente a classe média se depara com a crise financeira e que lhe exige mudanças aos padrões de vida alcançados, mas ainda não sedimentados, pois o consenso liberal produz uma profunda transformação no desenvolvimento econômico e social, precarizando as relações de trabalho, alterando ampliando o desemprego, reduzindo drasticamente o acesso aos direitos sociais, pondo em risco a existência da classe média para uma sociedade de serviços.
Escrito em duas partes, a primeira denomina-se Origens e Teorias. Nela o autor analisa as classes através das teorias da estratificação social, do princípio da meritocracia, do enfrentamento diante das desigualdades sociais, das formas de poder, do prestigio, da imagem, do reconhecimento social e das possibilidades de ascensão diante da formação escolar. Na segunda parte, o tema se dirige diretamente à classe média europeia, e especificamente a classe portuguesa. Não foi apenas na Europa que a classe média se formou por professores universitários, médicos, servidores públicos, gerentes de empresas, profissionais denominados “colarinhos brancos”, mas também em outras partes do mundo, e se constituíram pela mobilidade social, pela formação e qualificação profissional ocupando espaços que lhe permitiu  ascender socialmente.
Elísio Estaque, trata do surgimento das classes sociais no período da Renascença até o final do Século XVIII, nas sociedades ocidentais, a qual atravessa um processo de secularização e alcança o sentido de ser um produto da própria organização da sociedade, o que lhe confere a inclusão da força simbólica e política. Há controvérsias quando se trata da noção de classe social como estrato ou camada social, pois põe em questão o conflito – Karl Marx – ou as classificações sociológicas de Pierre Bourdieu.
A problemática das classes sociais é contextualizada pelo sociólogo Elísio Estanque num processo histórico, junto às sociedades modernas ou industriais (1789 – 1815). Sinaliza que a temática das classes sociais foi tratada como uma questão social antes de Karl Marx e de Max Weber. De um lado, a teoria de classes tratada pelo marxismo clássico e, do outro, a teoria da estratificação social de Marx Weber, que deriva da junção positivista e liberal de Émile Durkheim e Augusto Comte.
Sendo um dos teóricos clássico-liberais, Augusto Comte considerou a questão das classes sociais como um processo evolutivo à sociedade denominada como a lei dos três estados: o estado teológico, o estado abstrato para o estado positivo, que se dá através do desenvolvimento industrial do capitalismo emergente. Já Èmile Durkheim discute a questão da estratificação da classe social. São as duas escolas que tratam mais especificamente da teoria das classes sociais. De correntes antagônicas são o marxismo e o weberianismo.
Para Marx, teoria abstrata, trata como categorias analíticas como classes de propriedade e de produção. As classes médias são tratadas através da dimensão econômica, ou seja, na distribuição desigual de recursos e dá lugar a classes positiva e negativamente privilegiadas. A classe média surge como a pequena burguesia urbana ou a nova classe operária.
No Século XIX, Alexis de Tocqueville, Da Democracia na América (1831 – 1932), tratou do favorecimento tido pela classe média americana diante da intensidade da atividade econômica e a ascenção de novos segmentos ao acesso à propriedade privada e à riqueza. A sociedade americana defende a conquista da liberdade e estimula o espírito empreendedor e meritocrático, que é encontrado na pequena burguesia. Oriundas da classe média, fruto do progresso técnico e do aumento da burocracia administrativa. Pode dizer que se criou, assim, uma classe dominante na classe dos trabalhadores manuais.
A partir desta conclusão, Elísio Estanque analisa a ampliação dos papéis e das estruturas de estratificação social em diversas sociedades da America percebendo as estruturas particulares de desigualdades, o que faz os indivíduos a se motivarem para buscar lugares mais atraentes. Observa que o pressuposto meritocrático está presente dentro de uma ideologia que desenha um modelo piramidal de sociedade.
O marxismo dedicou especial atenção à classe média. Citam-se as obras Manifesto Comunista (Marx e Engels) e O Estado e a Revolução (Lênin), cuja tese é a bipolarização pela luta de classes e a pauperização da classe trabalhadora.
Os cenários do Século XX — como a II Guerra Mundial, o sistema soviético, as sociedades industrializadas, entre outros — são analisados por pensadores marxistas, a exemplo de Louis Althusser, Étienne Balibar, Nicos Poulantzas, Daniel Bertaux, Erick Wright, os quais se propuseram fazer as pesquisas e análises na sociedade concreta sobre as classes, cujo conceito permaneceu contestado, embora a tendência da classe média fosse como um fator apaziguador na luta de classe apresentada na teoria da reprodução.
Wright dedicou as suas análises na divisão das classes sociais, superando a visão dicotômica entre capital versus trabalho. Ele considerou as questões plurais —, como o mercado, as contradições de poder e o privilégio — que se estabelecem umas sobre as outras. Consegue evoluir sobre o conceito de exploração e conjuga-o com o papel do mercado concorrencial. Wright reconhece que a distribuição desigual dos bens materiais e econômicos se traduz em barreiras de classes poderosas, incluindo fatores multidimensionais simbólicos, subjetivos, identitários, entre outros que definem estilos de vida.
A análise weberiana passa pela estratificação social onde as classes (economia), os grupos de status (sociedade) e os partidos (a política) são os três conceitos principais sobre as desigualdades que são multidimensionais. Cita a economia, a sociedade e a política como esferas mais ou menos autônomas.
Ao tratar do crescimento das classes médias, Weber ultrapassa a questão econômica como fator exclusivo de ascensão, mas também considera a mobilidade um fator importante, a oportunidade de expansão, a capacidade individual, o status e o prestígio. Exemplifica, afirmando que um pobre pode ter elevado prestígio social, enquanto outro indivíduo que pertence à burguesia pode ter pouco ou nenhum prestígio social.
Weber compartilha do pensamento de Marx ao tratar da concepção de classe no plano econômico - capital e propriedade. Weber entendia que o desenvolvimento do capitalismo se dá à medida que cresce a força de trabalho e de forma heterogênea. Com relação à mobilidade social, ultrapassou a ideia funcionalista e ficou compreendida como reprodução social. Crescem as classes à medida que cresce o capitalismo moderno. Surgem elementos simbólicos, como o dinheiro, as desigualdades o status, as alianças são variáveis e, mesmo oriundas do Século XIX, ainda se fazem presentes.
A ideologia liberal alimentou a possibilidade de ampliação e distribuição da riqueza, instituindo o reconhecimento social, o status do trabalhador, através da sua dedicação, do seu aperfeiçoamento, do seu talento e da sua atividade produtiva. O trabalho tornou-se uma atividade digna de respeito, voltado à ampliação das suas conquistas, como o lazer e outras formas de reconhecimento e realização pessoal.
À mobilidade social passa a ser tratada por diversas correntes sociológicas. Nos estudos de Ralf Dahrendorf na década de 1950, a mobilidade social, também foi considerada como análise de reprodução social, o qual considerou as tendências da classe industrial formada por uma diversidade de grupos — associados ou não a estruturas organizadas em diversos campos de luta política — que se defrontava com o capitalismo, com o Estado, com o mercado concorrencial, que impõe o critério do mérito como fator decisivo às oportunidades de desenvolvimento profissional, social e ainda de fortes controles de regulação e de gestão de conflitos para poderem permanecer em seus empregos.
Outro aspecto a ser considerado foi a presença mais efetiva da burocracia, ao mesmo tempo em que há um aperfeiçoamento o qual exigia mais procedimentos criando novas profissões e oportunidades para a classe média, Dahrendorf analisa que aqueles que conseguem mudar o seu status, por méritos ou talentos próprios, passam a querer mais poder e dinheiro, se conseguirem, mas normalmente não prestam ajuda a outros que também possuem os mesmos desejos.
A ascensão e o crescimento da classe média ocorreu na década de 1960 com a entrada do setor de serviços, o fordismo emergente, que exigia maior qualificação dos trabalhadores e lhes garantia estabilidade no emprego e melhoria no poder de compra. Também ocorreu a fragmentação da classe dos trabalhadores menos qualificados, pois eles necessitavam investir em educação e em conhecimento tecnológico, ao mesmo tempo em que houve conquistas quanto aos direitos sociais e melhorias do poder aquisitivo, o que permitiu melhorar o nível de escolaridade dos filhos, que ampliaram as oportunidades de obter melhores postos de trabalho, bem como maior aproximação da classe média. Assim, a luta de classes foi dando lugar a subjetividades e atitudes que geraram comportamentos e padrões de vida marcados pelo individualismo e pelo aumento do consumo.
A mobilidade mostra que a classe média amorteceu certos conflitos entre as posições intermediárias da pirâmide social. Bourdieu e Parkin analisam as classes a partir das suas forças simbólicas e políticas, que se distinguem entre as diferentes camadas sociais, e que a mobilidade social não é resultado da igualdade de oportunidades em função do mérito, mas de reprodução social e de mudança na estrutura do sistema.
Os sociólogos mencionados no parágrafo anterior justificam seus argumentos diante da disparidade e distribuição de riqueza associadas à ostentação. Thosthein Veblen, estudioso da classe média americana, e José Maria Maravall, da sociedade portuguesa, analisam as formas de ascensão (lógica do carrossel) que buscam atender as expectativas de “subir um degrau”, ou seja, a classe média imita a elite. Se o processo for de decadência, pode reforçar a coesão ou resultar em instabilidade social. Bourdieu explica como a lógica da distinção: a imitação se confunde com o original. Quando a classe média usa alguns gostos da elite, acaba reforçando o poder simbólico dos grupos dominantes, que reservam para si o uso exclusivo de um espaço, ou de um estilo, ou de uma moda, e resistem em se deixar contaminar pelos estratos inferiores, e estes passam a consumir a aparência. O padrão relativo ao gosto e ao comportamento altera o cotidiano, os modos de vida e pode-se perceber que a esfera pública ganha contornos, inserindo-se na esfera da cultura, o que proporciona novas interpretações do capitalismo, da democracia e dos modos de exercer o poder.
Importante salientar: Robert Morton, Gehard Lenski, Seymour Lipset e Reinhard Bendix atribuem significados na questão da multidimensionalidade da estratificação, relacionados ao grupo de referência e de inconsistência de status, mesmo tendo um significado específico em função do seu contexto, pesa nas variáveis subjetivas e interferem na organização direta da estratificação social. Para a classe média, a representação se dá no imaginário e nas subjetividades coletivas dos segmentos sociais, internas ou externas a ela.
No Século XXI, analise do sociólogo Elísio Estanque mostra que, a classe média não pode ser conceituada, mas pode ser considerada como uma classe prestadora de serviço, isso significa que existem empregados prestadores de serviço às empresas em troca de compensação não apenas salarial, mas incluem outros elementos como condições de segurança, assistência, quer nos emprego, na proteção ou ainda com algumas possibilidades de desenvolvimento na carreira profissional. Com relação à estabilidade, a classe média está sofrendo profundas alterações e ganhando novos contornos como ameça da perda do poder aquisitivo, de segurança e do estatuto social. Outro fator marcante é a heterogenidade da classe média, o que acentua a sua instabilidade que tem sido reforçado diante do declínio do Estado-providência e do modelo de produção fordista, a fragmentação dos processos internos entre as profissões e o mercado de trabalho como um todo.
A classe média europeia e especificamente a classe média portuguesa se encontra “no olho do furacão”, ou seja, num momento de transição problemático e temerário. Como escreve o autor: “A classe média é a expressão da sociedade. O seu estado de saúde pode ser visto como o barômetro que mede a pressão da atmosfera social” (ESTANQUE, 2012, p.103). A crise está se avolumando diante das fortes medidas de austeridade tomadas pelo governo.
Os coordenadores da crise financeira têm tentando responsabilizar o endividamento da classe média e tentando minimizar a responsabilidade do poder econômico, da influência dos negócios oriundos da globalização, do excesso da especulação financeira e que gera alta concentração de rendas. Vive-se um clima de incertezas e tensões cada vez mais acentuadas sobre a precarização do trabalho especialmente dos trabalhadores que são da classe média, que tem lutado nas suas formas de organização (associações e sindicatos) para tentar minimizar as perdas ainda maiores de seus direitos e de um Estado minimante social.
Como analisa o sociólogo Elísio Estanque: “A concentração de riqueza foi exponencialmente multiplicada de ano para ano e quanto mais nos aproximamos das camadas sociais mais finas dos rendimentos – do topo e da base – mais se nota o agravamento das desigualdades” (ESTANQUE, 2012, p.65).
Entre o geral e o particular encontra-se a sociedade portuguesa, tratada por Elísio Estanque no seu processo de mobilidade histórica, do final da Idade Média à modernidade. Essa sociedade permaneceu com traços rurais, sem iniciar o seu processo de modernização, até o Século XIX, devido à ausência da classe média que ainda é escassa e pouco solida, se comparada as sociedades mais avançadas da Europa.
O capitalismo português teve um desenvolvimento lento e contraditório (Século XVIII e XIX) quando a aristocracia fundiária e a burguesia agrária, vinculadas à nobreza inglesa, foram se mercantilizando, orientando a economia camponesa em núcleos industriais e valorizando as terras, havendo alteração durante a I República. Mesmo assim, há muitas peculiaridades nesse processo, em que os camponeses sofreram fortes explorações.
Durante o período do Estado Novo (1933 – 1974), a sociedade portuguesa sofreu um processo de estagnação e uma forte concentração urbana, que ocasionou novos estilos de vida e de trabalho concentrado no setor primário. A abertura do regime permitiu o acesso à Comunidade Comum Europeia. Para a classe trabalhadora, foi o momento de acessar a maior qualificação profissional, a organização em sindicatos e associações, a ampliação do consumo através de créditos, mas sem bases para sair do lugar de onde se encontrava.
Apesar de ter sido de forma instável e com fortes linhas divisórias, a classe média assalariada teve um período de expansão, ascensão e inserção a novos setores vinculados às profissões liberais, de nível superior e de formação científica, o que pode ser um facilitador no processo de mobilidade, inclusive das classes menos favorecidas. Contudo, cumulado aos efeitos da globalização, a concentração da riqueza, a economia financeirizada, o desenvolvimento da economia informacional, a perda de direitos até então assegurados pelo Estado-social, as diversas formas de precarização do trabalho, o risco da pobreza e da exclusão são fatores que afligem a classe trabalhadora.
A situação descrita acima é analisada pelo sociólogo Elísio Estanque com cuidado diante das possibilidades de aprofundar a crise econômica, social e política que a sociedade portuguesa e europeia está atravessando, especialmente ao tratar da questão do endividamento e das desigualdades e do papel que Estado adotou ao dialogar com o mercado, definindo as formas discursivas e de intervenção que poderão ser aplicadas, submetendo a sociedade a práticas insuportavelmente exploratórias, criando sentimentos de culpabilização e de envergonhamento diante das dívidas adquiridas e da falta de perspectivas em saldá-las. Mas há tentativas de dissimulação ou de resistência de individuos da sociedade em aceitar uma condição social inferior onde as desigualdades se complexificaram.
Com relação à mobilidade social na sociedade portuguesa se deu nas últimas quatro décadas e articulada com uma mudança estrutural. A mobilidade é um fato, mas também é uma ilusão, devido ao termo de comparação ser muito baixo e a recomposição foi induzida pela dinâmica socioeconômica. Se a analise for as classes ao extremo (empresários e dirigentes), os índices de reprodução social são mais elevados do que os de mobilidade.
As assimetrias sociais estão presentes e com fortes discrepâncias de oportunidade ao bem-estar material, o que ainda está presente na memória coletiva com laços de opressão e de dependência servil.
Tratando-se da participação nas causas coletivas, Elísio Estanque caracteriza a sociedade portuguesa como tendo elevado índice de participação, mas com certa dependência diante de ações que possam promover a autonomia. Tal sociedade alimenta lealdade e certa resignação, oriundas das relações de trabalho. Possui laços fortes com o paternalismo e demonstra certo medo de existir, que são heranças do catolicismo conservador fomentou certa resignação diante daqueles que apresentam mais poder, e isto se expressa no imaginário e nos padrões das classes, a ponto de dificultar a transição entre as amarras tradicionais (agricultura) para um projeto democrático moderno, para a cultura de serviços e de tecnologias, os quais redefiniriam o acesso às oportunidades. O período de transição da década de 1980 foi se alterando a ponto de chegar em 2012 em uma profunda crise e de rápido empobrecimento.
A resposta dada pelo autor sugere que a classe média é uma classe de serviço e de transformação. Após a transição da sociedade no Século XX e seus ingredientes constitutivos, os movimentos de suas épocas, as tensões que promoveram algumas ascensões e outros declínios, o surgimento do protagonismo de novos atores (intelectuais, executivos, técnicos) que oscilam entre a emancipação e a dominação, entre velhos e novos grupos de profissionais deram vida à classe média, que está ameaçada de proletarização.
A classe média assalariada ganhou contorno num contexto institucionalizado e busca expressividade num determinado status social, em seu estilo de vida, com uma formação melhor, ela é fator de mudança, mas também de resistência. A classe média vai além da questão econômica, ela tem capital cultural, qualificação e formação política que lhe permite ter influência e se posicionar diante dos embates e das tomadas de decisão. Neste momento a classe média está enfraquecida e ameaçada diante dos jogos de forças instituídos pelos poderes econômicos que acumulam riquezas responsabilizando as sociedades e endividando os Estados.

A obra do sociólogo e professor Elísio Estanque colabora sensivelmente à compreensão sobre o tema que trata da formação das classes sociais, em seus processos teóricos, considerando os aspectos sociopolíticos e culturais. Apesar deste momento tão delicado a classe média é protagonista de mudança e de transformação social, talvez para sobreviver, a classe média deverá rever alguns de seus significados como a notoriedade, o status, a imagem social entre outros.
Resenha: A Classe média: Ascensão e decadência. ESTANQUE. Elísio. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012.

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