sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O cuidador de idosos. por Jorge Felix


O acelerado ritmo de envelhecimento populacional impôs à sociedade o desafio de equacionar a questão dos cuidados de longa duração para os idosos. A demanda, mostram as experiências de países em avançado processo de envelhecimento, sobretudo o Japão, os Estados Unidos e os europeus, é de difícil atendimento dentro da lógica econômica contemporânea. A política de austeridade fiscal como resposta ao estouro da bolha da financeirização mundial em 2007/2008 só fez ampliar a pressão por encolhimento dos investimentos sociais.
Foi assim que o tema, lá fora, passou a ser discutido não mais em reuniões de gabinetes governamentais, mas em protestos nas ruas. Muitos contidos com violência policial. Os contribuintes assistem o Estado, para usar o famoso termo de Guita G. Debert, "reprivatizar a velhice" e estatizar as perdas da desregulamentação do sistema financeiro.
No Brasil, como desde a década de 1970 alerta a pioneira Tomiko Born, a questão do cuidador estava oculta por uma "cortina de fumaça" - consequentemente também estava o seu custo no orçamento das famílias. A proposta de emenda constitucional 72/2013, conhecida como "PEC das domésticas", porém, soprou a nebulosidade e antecipou aquilo que muitos "police makers" enxergavam como uma demanda longínqua. Talvez só para a metade do século, quando os brasileiros com mais de 80 anos representarem, como indicam as projeções, 7% da população (13,7 milhões). A PEC das domésticas denunciou o atraso do Brasil. Mais ainda: a desarticulação legislativa sobre o tema, pois foi aprovada ignorando a tramitação do projeto de lei que regulamenta a profissão de cuidador de idosos - já votado no Senado e desde março na gaveta da relatora Benedita da Silva (PT-RJ) na Câmara.
Quando as empresas perceberem que irão pagar a conta do envelhecimento, pressionarão o Estado
O Brasil atualmente tem 3,2 milhões de pessoas com mais de 80 anos e, a despeito da heterogeneidade da população idosa, os cuidados são hoje uma realidade das famílias brasileiras. Esse caos legislativo ampliou a fragilidade. Dois eventos recentes na Câmara Municipal de São Paulo, com participação de especialistas de diversos Estados, desenharam o quadro de emergência ampliado por anos de leniência com a política do idoso no Brasil: déficit de instituições públicas ou privadas para cuidados (asilos), cuidadores desempregados e idosos sem cuidadores por insuficiência de renda para assumir os encargos, aumento acelerado da epidemia de Alzheimer e de doentes necessitando de mão de obra qualificada.
A formação técnica do cuidador, depois de recusada pelo governo federal com o fim do Programa Nacional de Cuidadores de Idoso (2008), é repudiada agora pelos municípios, pois alguns prefeitos temem o acréscimo do custo desses profissionais na folha de pagamento da área de Saúde.
No depoimento de diversos profissionais, seja da academia, ongs, instituições privadas e estatais, a pergunta é: até quando? Dentro do ponto de vista de uma economia da longevidade, é possível encontrar uma resposta. O Estado só irá assumir os cuidados de longa duração como um terceiro pilar da Seguridade Social quando as empresas sentirem o impacto do envelhecimento populacional em seus balanços. Foi assim no resto do mundo. É preciso que as empresas se preocupem urgentemente com a questão do cuidado de idosos sob pena de perderem talentos, aumentarem seus custos de mão de obra, tributários e comprometerem mais ainda sua competitividade.
No depoimento de diversos profissionais, seja da academia, ongs, instituições privadas e estatais, a pergunta é: até quando? Dentro do ponto de vista de uma economia da longevidade, é possível encontrar uma resposta. O Estado só irá assumir os cuidados de longa duração como um terceiro pilar da Seguridade Social quando as empresas sentirem o impacto do envelhecimento populacional em seus balanços. Foi assim no resto do mundo. É preciso que as empresas se preocupem urgentemente com a questão do cuidado de idosos sob pena de perderem talentos, aumentarem seus custos de mão de obra, tributários e comprometerem mais ainda sua competitividade.
O setor empresarial, grosso modo, está alheio ao risco velhice. No momento em que não apenas as famílias, mas as empresas - e suas entidades representativas - perceberem que irão pagar a conta (assim como hoje pagam a conta de anos de negligência com a educação), pressionarão o Estado.
Por enquanto, como já está se tornando hábito na política brasileira, o caos legislativo na questão do cuidador de idosos terá que ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, onde, como adiantam juristas, chegará logo o embate entre famílias e profissionais em meio à atual insegurança jurídica. No Japão, país mais envelhecido do planeta, outras soluções estão sendo encontradas, como apelar a robôs. A "geração paro" (nome do cachorro robozinho que cuida de idosos) cresce sem parar. Imaginar uma população de highlanders robocops, no entanto, seria desumanizar a velhice. Uma derrota para a humanidade do século XXI.
Jorge Félix é mestre em economia (PUC-SP) e diretor do Centro de Estudos da Economia da Longevidade.


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