quinta-feira, 4 de junho de 2015

J. Hawilla, do cachorro-quente ao império


Allan de Abreu e Carlos Petrocilo
J Hawilla - arte bola
A trajetória do empresário rio-pretense que é réu confesso em escândalo internacional de corrupção
Dono de um patrimônio de pelo menos R$ 1,8 bilhão, o empresário rio-pretense J. Hawilla não terá dificuldades em honrar o seu acordo milionário com a Justiça norte-americana e assim livrar-se do risco de ir para a prisão. Acusado pelo FBI de extorsão, lavagem de dinheiro e fraude bancária em contratos de marketing no futebol, Hawilla confessou a culpa nesses crimes no fim de 2014 e, desde então, cumpre prisão domiciliar nos Estados Unidos e precisará pagar R$ 397 milhões para se livrar do processo. Esse acordo foi feito no dia 12 de dezembro de 2014 e, nessa data, pagou R$ 79 milhões.
Valores inalcançáveis para a imensa maioria dos brasileiros. Não para Hawilla, que um dia já teve de sobreviver vendendo cachorro-quente. No auge, o rio-pretense chegou a faturar US$ 500 milhões por ano. Após a saída de Ricardo Teixeira da CBF, em 2012, seus negócios sofreram leve abalo. Mas nada que afetasse substancialmente o seu império, que inclui empreendimentos imobiliários, imóveis luxuosos, empresas de marketing e uma rede de TV que abrange metade do Estado de São Paulo.
Nos últimos três dias, desde que o escândalo de corrupção no futebol veio à tona, o Diário se debruçou sobre o patrimônio de Jotinha, como é chamado pelos amigos mais íntimos em Rio Preto. Encontrou números mais do que superlativos.
A atual menina dos olhos de Hawilla e seus três filhos, Rafael, Stefano e Renata, fica ao lado da mansão de R$ 25 milhões construída sobre área de 15 mil metros quadrados no Débora Cristina, condomínio de alto luxo da cidade. Trata-se do Georgina Business Park, anunciado em abril de 2014 como o maior complexo comercial do Brasil.
O Georgina reúne 12 torres comerciais em um terreno de 130 mil metros quadrados próximo ao Jardim Vivendas, área nobre da cidade. O investimento, segundo a própria HDauff, foi de R$ 500 milhões. Antes, Hawilla inovou ao inaugurar um condomínio de luxo com um clube de golfe na cidade. O Quinta do Golfe já está na segunda etapa, com mais três condomínios.

imperio J Hawilla - condomínio Quinta do Golfe ClubeEmpresário J.Hawilla investiu R$ 400 milhões para lançar o condomínio Quinta do Golfe Clube em Rio Preto, em 2008
O carro chefe
Mas a empresa central, início do império do empresário e motivo de sua atual crise de imagem, fica em um prédio imponente no Jardim Paulista, em São Paulo: a Traffic Assessoria e Comunicações. Uma antiga empresa falida de publicidade em pontos ônibus da Capital transformada na maior empresa de marketing esportivo da América Latina.
No Brasil, a Traffic tem capital social de R$ 303 milhões. Desse total, Hawilla participa com R$ 64 milhões. O restante pertence à Continental Sports Marketing, offshore sediada nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal famoso, envolto em acusações de lavar dinheiro de atividades criminosas mundo afora.
A Traffic em São Paulo funciona no mesmo endereço em que também há outras duas empresas de Hawilla: Transcom e TNH. O empresário ainda é dono de um clube de futebol, o Desportivo Brasil, de Porto Feliz, que disputa a quarta divisão do Campeonato Paulista. O império de Hawilla se estende mundo afora. A Traffic tem duas subsidiárias na Flórida: Traffic Sports USA e Traffic Soccer Club. O rio-pretense ainda é dono de um clube de futebol em Portugal, o Estoril.
Jornalismo
Polivalente nos negócios, Hawilla manteve um pé na sua profissão de origem, o jornalismo. Agora como dono de emissoras de TV. Em 2003, de uma só vez, adquiriu quatro emissoras afiliadas à Rede Globo, batizadas de TV Tem (iniciais de Traffic Entertainmet and Marketing). Juntas, são avaliadas pelo mercado em pelo menos R$ 80 milhões, mas o valor pode ser maior - só em 2013, a filial de Rio Preto teve lucro líquido de R$ 22 milhões.
Tanto dinheiro propiciou uma vida de alto luxo, no Brasil e nos Estados Unidos. Além do imóvel no Débora Cristina, Hawilla é dono de uma mansão no Jardim Europa, avaliada em pelo menos R$ 50 milhões. Também construiu recentemente uma casa de veraneio na praia de Iporanga, Guarujá, avaliada em R$ 25 milhões. É um dos destinos preferidos da filha Renata, casada recentemente com um dos herdeiros da OAS, empreiteira alvo da Operação Lava Jato.
Prisão domiciliar
Devido ao acordo com a Justiça dos EUA, desde o ano passado, Hawilla está impedido de deixar o país sem autorização judicial. Atualmente, ele se divide entre a mansão em condomínio de alto padrão em Boca Raton, vizinho do também empresário Valdemar Verdi, e um apartamento de luxo em Fish Island.
Diário apurou que a Polícia Federal pretende iniciar uma varredura nos negócios de Hawilla no Brasil. O que tem gerado alvoroço em quem investiu nos empreendimentos do empresário, principalmente no Georgina.
A reportagem entrou em contato com diretores da HDauff, inclusive com Rafael Hawilla. Até mesmo para saber se a atual situação de Hawilla irá influenciar nos negócios em Rio Preto. O portal da Veja, inclusive, noticiou que os filhos estão em busca de compradores para parte do patrimônio da família. Apenas Rafael atendeu: “Não estou podendo falar”.

J Hawilla Entrevista o rei PeléEntrevista o rei Pelé no início de carreira como repórter
Zeca Turco nas peladas de infância vira jornalista conceituado
Zeca Turco nas peladas de futebol, torcedor do América e do Palmeiras, repórter de campo no começo da vida profissional e um dos homens mais ricos do Brasil, hoje, com negócios bilionários espalhados pelo mundo. José Hawilla prosperou com a empresa de marketing esportivo Traffic e passou a ser admirado em sua cidade natal.
Nasceu no dia 11 de junho de 1943, em Rio Preto, e a sua história valerá uma biografia por várias razões. Entre elas, a impressionante capacidade de fazer dinheiro. Para se ter ideia, o patrimônio do jornalista declarado à Receita Federal saltou de R$ 3,7 milhões, em 1995, para R$ 76 milhões, quatro anos depois. Uma diferença de 2.000%.
No meio desse quadriênio, o envolvimento direto em uma nebulosa negociação entre a CBF e a Nike - a multinacional teria pago propina de R$ 127 milhões para fechar acordo de publicidade com a Seleção Brasileira, até então patrocinada pela Umbro. De acordo com o FBI (a Polícia Federal dos EUA), a Receita e a Justiça dos EUA, a Traffic teria pago propina de R$ 47 milhões para Ricardo Teixeira.
O contrato foi o alvo central de uma CPI que sacudiu o País em 2000. Hawilla foi ouvido em abril daquele ano. O então deputado Pedro Celso o questiona como enriqueceu tanto em tão pouco tempo. Hawilla devolveu prontamente: “Ao trabalho. Eu posso garantir ao senhor...”
O começo
No início, a vida era um pouco mais singela. Quando nasceu, seu pai era dono de um laticínio em Catanduva. Por isso, alternava períodos na cidade vizinha e no bairro Boa Vista, onde a família morava. Na época, seu apelido era Zeca Turco. O primeiro emprego, no final da década de 1950, foi como repórter de campo na extinta rádio Rio Preto, a PRB-8. Os amigos em Rio Preto destacam a paixão pelo sudoku e a sua aversão à cor preta, depois de o empresário atropelar um ciclista e quase cair num precipício dirigindo um carro preto. Também tem horror a corujas.
O empresário escreveu para o Diário da Região e, em 1963, trocou o emprego na rádio Independência AM, de Rio Preto, por uma vida na capital paulista. Lá, ele começou na rádio Bandeirantes e passou para emissora de tevê do mesmo grupo. Foi para a TV Globo e em 1979 chegou ao ápice da carreira de jornalista como coordenador de esportes na emissora, mas no mesmo ano foi dispensado quando participou de uma greve.
Como não conseguia emprego em outras emissoras, foi vender cachorro-quente. Andando pelas ruas de São Paulo, deparou-se com o negócio que mudaria sua vida: a Traffic, empresa especializada em vender placas de publicidades em pontos de ônibus - até por isso o nome trafego - e que estava falida.

esquema J HawillaClique na imagem para ampliar
Mudança de vida
A vida empresarial começou em 1980. Do ponto de ônibus, a Traffic chegou ao posto de principal empresa de marketing esportivo do País - hoje detém os direitos de transmissão da Copa América, Libertadores, Sul-Americana, Eliminatórias da Concacaf, Copa do Brasil e NASL.
No primeiro passo de Hawilla, a Traffic partiu para a venda de placas de publicidades em estádios - primeiro em São José dos Campos, depois Ribeirão Preto e Campinas- e na Copa América, de 1987, firmou o primeiro grande contrato para comercialização dos direitos de transmissão. Mas o salto da Traffic coincidiu com a chegada de Ricardo Teixeira no poder da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 1989.
A empresa do rio-pretense passou a intermediar patrocínios para a entidade. Foi quando a porteira abriu de vez. Hawilla tornou-se influente na Conmebol, agenciou a carreira de jogadores, comprou clubes de futebol (Desportivo Brasil, Estoril-POR e foi dono do Fort Lauderdale Strikes, hoje, tem o ex-jogador Ronaldo como um dos acionistas) e ganhou força em negócios com a Fifa.
Em 2000, por exemplo, a Traffic organizou o Mundial de Clubes da Fifa no Rio de Janeiro. Três anos depois, o ex-jornalista fundou a TV Tem, afiliada da Globo, ao adquirir emissoras em Rio Preto, Bauru, Sorocaba e Itapetininga. Também fundou, na mesma área de cobertura da TV Tem, a rede de jornais Bom Dia, a que depois incorporaria o Diário de S. Paulo.
Mas a aventura da Traffic na mídia impressa não deu certo. Em 2013, Bom Dia e Diário de S. Paulo foram vendidos ao grupo Cereja Digital - detalhes dessa operação, no entanto, nunca foram revelados. Refugiou-se em Miami em 2014. Desde então, nunca mais foi visto em Rio Preto. 

Sucesso pela honestidade
O empresário J. Hawilla foi duramente traído pelas palavras. Em uma entrevista em maio de 2007, o rio-pretense orgulhava-se em propagandear a receita de seu sucesso: “Trabalhar honestamente, não fazer negócios errados”.
Mas as investigações do FBI, expostas durante a semana, indicam que, no submundo do futebol, Hawilla tivesse outro comportamento. Em abril de 2014, durante viagem do então presidente da CBF, José Maria Marin, a Miami (EUA), ele e Hawilla trataram do pagamento de propinas para Marin e outro integrante do esquema não citado referente à Copa do Brasil, cujos direitos comerciais eram cedidos à Traffic.
O esquema, segundo o FBI, existiria desde 1990. “Em determinado momento, quando o coconspirador 2 (Hawilla) perguntou se era realmente necessário continuar pagando propinas para seu antecessor na presidência da CBF, Marin disse: “Está na hora de vir na nossa direção. Verdade ou não?”. Hawilla concordou dizendo: “Claro, claro, claro. Esse dinheiro tinha de ser dado a você”. Marin concordou: “É isso”.
Antes dessa reunião, porém, a investigação dos EUA aponta que Hawilla havia concordado em dividir a propina entre Marin e os conspiradores 11 e 12, que, segundo a “Folha de S.Paulo”, seriam Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero. 

j hawilla teixeiraoAmericano, Hawilla acompanhou as obras do Teixeirão nos anos 80
Hawilla pretende voltar a morar em Rio Preto
Impedido de deixar os Estados Unidos, o rio-pretense José Hawilla vive a esperança de voltar a morar em Rio Preto até o final deste ano. É o que o empresário tem confidenciado aos amigos e familiares. Enquanto cumpre prisão domiciliar no país norte-americano, Hawilla apenas orienta, de longe, os filhos Rafael e Stefano a tocarem os negócios da família. Rafael é mais ligado aos empreendimentos imobiliários, e Stefano à TV Tem.
Hoje, se quiser ao menos visitar Rio Preto, Hawilla precisará pedir autorização à Justiça dos Estados Unidos. O seu advogado, José Luís de Oliveira Lima, nega que o empresário tenha que usar uma tornozeleira de monitoramento. Até o final das investigações sobre a corrupção no futebol, Hawilla não poderá deixar o país e convive com a esposa Eliani. Em fevereiro deste ano, por exemplo, não foi ao casamento da filha, Renata, em São Paulo.
Justificou a ausência, alegando que estava se tratando de um câncer na garganta. Segundo Lima, Hawilla está curado. “Ele vive livremente pelos Estados Unidos. Não é verdade que usa tornozeleira. Apenas para voltar ao Brasil precisa pegar um autorização das autoridades americanas”, disse Lima. Durante a semana surgiram notícias de que os herdeiros se mobilizam para vender ativos e pagar a multa de R$ 476 milhões à Justiça dos Estados Unidos.

patrimonio J hawilla
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