1 de junho de 2015 | 11:06 Autor: Fernando Brito
Conceição Lemes, do Viomundo – tão teimosa quanto criteriosa como repórter deveria sempre ser – publica o conteúdo da representação movida pelo deputado paulista Carlos Neder e seu assessor Paulo Dantas pedindo que a Procuradoria Geral da República abra, aqui também, inquérito sobre a gigantesca distribuição de propinas na Fifa, onde dirigentes e empresas brasileiras (ou atuantes aqui) estão no centro da roubalheira que vem de duas décadas, pelo menos.
E, se parte grande do “Fifalão” vem da venda de direitos televisivos e já há um precedente de crime de sonegação e evasão fiscal com negócios simulados de compra de direitos de televisar a Copa de 2002 – aquele processo que sumiu misteriosamente da Receita – como é que não se vai tomar conhecimento, aqui, dos indícios de envolvimento nesta nova “rodada” de “é dando que se recebe”?
É aquela simplicidade lógica que, sobre isso, escrevi semana passada: se A=B e B=C, então A=C.
Veja o texto de Conceição:
Pedida a Janot apuração de denúncias contra CBF,
extensão da investigação à FPF e à offshore da Globo
Conceição Lemes, no Viomundo
O deputado estadual Carlos Neder (PT-SP) e o advogado e assessor parlamentar Paulo Dantas protocolaram no final da tarde dessa sexta-feira 29, no Ministério Público Federal no Estado de São Paulo (MPF-SP), representação, na qual solicitam a apuração das denúncias envolvendo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a investigação se estenda à Federação Paulista de Futebol (FPF).
Protocolada sob nº PR-SP-00033868/2015, o documento é dirigido ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, já que o caso envolve indícios de crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro no âmbito internacional.
Na representação (na íntegra, ao final), os signatários fazem duas linhas do tempo a partir de matérias que saíram na mídia brasileira, principalmente em sites e blogs.
Uma, envolve as apurações anteriores a 2012, que estão em investigação nos EUA. A outra, registra do momento em diante da prisão dos sete dirigentes da Fifa, na Suíça, entre os quais José Maria Marin, ex-presidente CBF e atual vice-presidente da entidade.
Às 3h59, da última quarta-feira, 27 de maio, o jornalista Jamil Chade, em seu blog no Estadão, revela em primeira mão que “Marin e outros seis cartolas são detidos por corrupção em Zurique”.
Às 8h27, do mesmo dia, Chade informa que “Contrato de patrocínio da CBF também é alvo da Justiça dos EUA”.
Chade revela que J. Hawilla, fundador e proprietário da Traffic, e José Margulies estão entre os executivos de marketing esportivo sob investigação da Justiça dos Estados Unidos. O mesmo acontece com as empresas Traffic Sports International Inc., Traffic Sports USA Inc. (de Hawilla), Valent Corp. e Somerton Ltd (de Margulies).
Às 11h36, da mesma quarta-feira, artigo de Luiz Carlos Azenha, no Viomundo, afirma: “Esquema de corrupção na FIFA investigado pelo FBI, similar ao desvendado na Suíça, envolvia direitos de transmissão de TV”.
Na representação, Neder e Dantas, reproduzem os seguintes parágrafos do artigo de Azenha:
“Segundo os norte-americanos, o esquema de duas décadas envolveu a venda de direitos de transmissão de vários campeonatos, desde a Copa América passando pela Libertadores e chegando à Copa do Brasil.
Também é citada uma empresa de material esportivo que fechou contrato com a CBF, não nomeada pelo Departamento de Justiça. Trata-se, obviamente, da Nike.
Além de Hawilla, a Traffic International, baseada nas ilhas Virgens Britânicas, e a Traffic USA, de Miami, também se declararam culpadas — o que indica que estão entregando o esquema à Justiça.
As ilhas Virgens Britânicas aparentemente são o refúgio fiscal favorito da cartolagem futebolística.
Foi nelas que a Globo “investiu” uma bolada para formar uma empresa de nome Empire, cujo capital depois foi usado para comprar os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006. Segundo a Receita Federal brasileira, a engenharia financeira visava burlar o Fisco, o que resultou em multa superior a R$ 600 milhões.
As ilhas Virgens Britânicas também foram sede da Fundação Nunca, um dos propinodutos utilizados pela empresa de marketing ISL para subornar cartolas.
A International Sports and Leisure (ISL) foi o instrumento criado pelo fundador da Adidas, Horst Dassler, para “inventar” o marketing esportivo, espalhando no processo milhões em propinas para controlar dirigentes esportivos e — o que realmente interessava a ele — direitos de transmissão.”
Neder e Dantas acrescentam:
É importante registrar no texto, acima reproduzido, a menção que o jornalista Azenha faz em relação à constituição da empresa “Empire”, offshore controlada pela Globo, para a compra de direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, afirma o jornalista, “a engenharia financeira visava burlar o Fisco, o que resultou em multa superior a R$ 600 milhões”.
Na representação, os autores destacam também artigos de Miguel do Rosário, em O Cafezinho, e Juca Kfouri, colunista da Folha de S. Paulo.
O Cafezinho, eles observam na representação, “ explica didaticamente como foi a ‘intrincada engenharia desenvolvida pelas empresas do sistema Globo’ para ‘esconder o real intuito da operação, que seria a aquisição, pela TV Globo, do direito de transmitir a Copa do Mundo de 2 002, o que seria tributado pelo imposto de renda’.”
De Juca Kfouri, eles atentam para matéria de agosto de 2012. Ela revelou, em primeira mão, a renovação do contrato da CBF com a International Sports Events (ISE) até 2022 e que, no lugar da Kentaro, até então subcontratada pela ISE, entrou a Pitch Internacional. Essas empresas aparecem nas denúncias feitas na Suíça. Juca denuncia:
No dia 15 de novembro de 2011, quatro meses antes de renunciar à presidência da CBF, Ricardo Teixeira assinou, em Doha, no Qatar, um novo contrato com a International Sports Events (ISE).
O acordo deu à empresa da Arábia Saudita, com sede nas Ilhas Cayman, o direito de organizar jogos da seleção brasileira até a Copa do Mundo de 2022, que será no Qatar.
O contrato entre a CBF e a ISE, ao qual a Folha teve acesso, prevê o pagamento de uma taxa de US$ 1,050 milhão (R$ 2,12 milhões) em cada partida da seleção.
…
A ISE compra o direito de organizar as partidas da seleção, mas não é efetivamente ela quem negocia os diretos de transmissão, placas de publicidade, bilheteria, potenciais adversários e locais.
Esse trabalho é terceirizado e, sob o novo contrato, também há uma nova parceira tratando pela CBF e pela ISE das partidas do Brasil.
Há 12 dias, a Pitch International, uma empresa inglesa de marketing esportivo, anunciou com alarde que havia acertado com a CBF para organizar a parte operacional dos amistosos até 2022, função que até este ano pertencia à suíça Kentaro.
O advogado Paulo Dantas é corintiano roxo como Juca Kfouri. Aqui, ele faz questão de abrir um parêntese, que não consta da representação: “ Inúmeras vezes o Juca denunciou desmandos e corrupção no futebol brasileiro, sobretudo na gestão de Ricardo Teixeira na CBF, que ele sabiamente denominou de Casa Bandida do Futebol. Os atuais acontecimentos, revelando o mar de lama do futebol mundial e brasileiro, são o CQD (Como Queríamos Demonstrar) sempre perseguido por Kfouri”.
Os autores da representação pedem a Rodrigo Janot a apuração de indícios de crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, que teriam sido praticados por Marin na condição de vice e presidente da CBF e que seriam originários de contratos de patrocínio da entidade, assim como de subcontratações com diversas empresas de mídia.
Diante da ligação de Marin com a Federação Paulista de Futebol – FPF (presidiu-a na década de 1980), e por seus laços pessoais e políticos com Marco Polo Del Nero, ex-presidente da FPF e atual presidente da CBF, os autores postulam a extensão das investigações à entidade paulista.
No final, os dois signatários requerem:
* Que a PGR instaure inquérito criminal para apurar os indícios de crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
* Que a PGR compartilhe provas de processo em poder da Justiça americana, cujo processo foi instaurado em 2012 e também com as autoridades judiciais da Suíça. Segundo Loreta Lynch, secretária de Justiça dos Estados Unidos, as investigações no país abrangem ao menos duas gerações de dirigentes esportivos, retroagindo à década de 1990.
* Que a PGR acesse e compartilhe a íntegra dos contratos de patrocínio de jogos de futebol, bem como das subcontratações envolvendo direito de mídia e marketing, celebrados pela CBF e FPF.
* Que a PGR promova a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, além da abertura do sigilo de e-mails e mensagens eletrônicas via celular, das seguintes pessoas físicas e jurídicas:
José Maria Marin
J. Hawilla
José Margulies
CBF
FPF
Empresas do Grupo Traffic, de J. Hawilla
Empire, offshore da Globo
ISE
Pitch International
Kentaro
* Que a PGR estenda as quebra dos sigilos a outras pessoas que apareçam no transcorrer das apurações.
Carlos Neder cobra dos seus pares: “É preciso que, no exercício de mandatos, os deputados estaduais não se omitam e investiguem se as denúncias que mancham a reputação do futebol brasileiro procedem e chegam a São Paulo”.
Paulo Dantas arremata: “O futebol brasileiro é um patrimônio cultural do nosso povo, não deve ser um mero negócio privado. A falta de transparência das entidades que o comandam – entre as quais a CBF e a FPF – cria um terreno fértil para ação de corruptos e corruptores no futebol”.
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