Que querem? Passeatas de doutores, filósofos ou apenas militantes ativos? Um novo ator subiu ao palco e quer papel relevante
Celso Vicenzi
Celso Vicenzi
A repressão ao movimento dos jovens pela redução da tarifa urbana, em São Paulo, pode ter sido a gota d’água, mas permanece o enigma de como, em questão de dias, 50 mil, 100 mil, 300 mil pessoas em uma única cidade – mais de 1 milhão no país – sentiram-se motivadas a ir às ruas protestar, antes que qualquer das tradicionais organização políticas viesse propor uma mobilização. As redes sociais são um dado novo, mas se já houve convocações semelhantes para ir às ruas, por que só agora, assim, de repente tudo toma um rumo surpreendente?
Apesar da criticada despolitização do movimento e das ameaças de manipulação e retrocesso político que vieram em seguida, o protesto serviu para oxigenar a democracia brasileira ao exigir, principalmente dos governos e parlamentos – sem esquecer do Judiciário – maior atenção às demandas populares. Não havia um alvo único na crítica à deterioração dos serviços públicos ou à corrupção no país. A queixa mirava todos os partidos e todos os governos (seria exigir demais que a massa fizesse a conexão também com Wall Street e descobrisse que o sistema econômico global é o principal responsável por sugar os recursos que deveriam ser desfrutados pela população).
Em todas as passeatas, fez-se presente algo preocupante, mas compreensível: a descrença na representação política, que ficou clara na recusa às bandeiras de agremiações partidárias. Um gesto de alienação e de incompreensão sobre o que é e como funciona uma democracia. Vulnerável, portanto, ao assédio de uma direita raivosa que tem saudades da ditadura. Mas é preciso ir com calma, para separar ingênuos de militantes fascistas. Como não entender que há um enorme desencanto com a política e com os políticos? Se até entre alguns militantes politizados havia essa desilusão, por que não haveria também entre os mais alienados? Mais do que impor rótulos, é preciso compreender e dialogar com esse público. Porque, além de ir às ruas, irão às cabines de votação, escolher o destino político do país.
As variáveis, no entanto, são outras. Se a Igreja Católica já não é a mesma e, politicamente, tem feito a defesa das instituições democráticas, é certo que a mídia, que em 1964 apoiou o golpe, hoje tem ainda mais poder. Passado mais de meio século, não parece haver, pelo menos até o momento, nenhuma intenção de que o país volte a esse extremo. Os setores mais esclarecidos não têm dúvida do quanto isso custou à sociedade no passado, inclusive a própria mídia.
O que parece mais provável é que boa parte dos meios de comunicação e setores mais conservadores procurem canalizar os protestos em direção apenas ao Palácio do Planalto, na tentativa de causar o maior desgaste possível, com vistas às eleições de 2014. É uma aposta arriscada. Principalmente para a mídia, que perde cada vez mais credibilidade quando se comporta como partido político.
O resultado dessa intrincada equação dependerá muito de como irão agir as mais importantes organizações sociais do país e de como os membros do Judiciário, do Parlamento e do Executivo – municipal, estadual, federal – pretendem dar respostas consistentes ao que se viu e ouviu nas manifestações.
No cenário de dramas cotidianos, um novo ator subiu ao palco. E quer um papel de destaque no desfecho dessa trama.
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