Adrián Padilla: ‘Na Venezuela, as armas estão nas mãos do povo’
Pesquisador venezuelano da Universidade Simon Rodrigues, reduto da intelectualidade bolivariana em Caracas, afirma à Carta Maior que, mesmo com eventual morte de Hugo Chávez, reforma militar feita pelo presidente, com ascensão de novos oficiais, renovação dos equipamentos (como o caça russo Sukhoi, em destaque na foto acima) e a criação das “milícias bolivarianas” protege a “revolução” contra golpes como o de 2002. “Este é um processo pacífico e democrático, mas que também está bem armado”, diz ele.
Darío Pignotti - @DarioPignotti
Guerra é guerra. No combate cotidiano contra a chamada “revolução bolivariana”, as direitas concederam um papel preponderante à infantaria midiática, tema abordado em ensaios e documentários como o revelador “A revolução não será televisionada?”.
Curiosamente, é menos fecunda a produção analítica sobre o componente militar, que é fundamental em toda luta verdadeira pelo poder – tenhamos em conta que a Venezuela vive uma revolução pacífica, mas é uma revolução armada. E hoje podemos dizer com certeza que na Venezuela as armas estão em poder do povo? – questiona desde Caracas o pesquisador Adrián Padilla, da Universidade Simon Rodrigues, reduto da intelectualidade bolivariana, em conversa por telefone.
No diálogo com Carta Maior, Padilla ligou a questão militar ao futuro da revolução, e discorreu sobre as mudanças nas forças armadas desde o golpe de estado de 2002, quando altos oficiais se somaram à ação apesar de terem jurado lealdade a Chávez.
Padilla, que fez doutorado na Universidade de São Paulo, ainda falou positivamente sobre a visita do ex-presidente Lula a Cuba, onde Hugo Chávez está internado, mas lamentou a ausência da presidente Dilma Rousseff no ato de 10 de janeiro, quando foi prorrogado o mandato do líder venezuelano, justamente em virtude de cirurgia contra um câncer, em Havana. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Carta Maior – Recentemente circulou um comunicado golpista assinado por militares da reserva. É possível confiar nos generais, almirantes e brigadeiros da ativa?
Adrián Padilla – Não é possível dizer categoricamente que não há mais focos de conspiração militar. É possível que haja alguém dentro das forças armadas que tenha sido seduzido materialmente para colaborar com a direita em algum plano desestabilizador. Mas desde 2002 se ganhou um terreno importante a favor do processo. Chávez determinou que os militares devem responder às demandas da causa bolivariana, anti-imperialista e socialista. Isso não acontecia poucos anos atrás. É destacável que o ministro da Defesa, o almirante Molero Bellavia, começou a aparecer mais publicamente, a fazer declarações, convertendo-se em referência de poder e um homem que manifesta suas convicções sobre o que é termos forças armadas bolivarianas e anti-imperialistas. Na Venezuela e em muitos países latino-americanos, a Marinha foi em geral uma força de concepção mais reacionária e com menos base popular do que o Exército, mas o almirante Bellavia é alguém que tem a confiança de Chávez, é uma relação histórica que vêm de antes da década de noventa. Diria que ele é um homem leal ao projeto. Além disso, o alto comando militar em geral teve gestos de forte compromisso com o projeto bolivariano, quando se conheceu qual era o estado de saúde do presidente, em dezembro, antes de que ele partisse para Cuba e sofresse a cirurgia. Acredito que tenha havido um processo de depuração das forças armadas, graças a promoção de novos oficiais comprometidos com o processo de transformação, do qual eles participam ao lado do povo. Nós temos a Universidade das Forças Armadas, onde há varias carreiras, onde estudam 200 mil alunos não militares que trabalham com os próprios militares. Isso é muito importante, já que instalações militares funcionam como salas de aula em todo o país, permitindo que lá estudem pessoas de zonas distantes do país. Vemos que é importante o fato de que tenha surgido uma interação entre militares e a gente do povo, fazendo com que todos tomem consciência da questão da Defesa nacional, um tema que não diz respeito somente às forças armadas.
CM – Em que ponto está o programa de modernização do armamento e em qual nível de desenvolvimento estão as chamadas “milícias bolivarianas”?
AP – No ato de 10 de janeiro, ante vários presidentes e representantes de governos latino-americanos, houve uma exibição dos aviões Sukhoi, russos, que são um armamento muito importante da Força Aérea venezuelana. Eles voaram sobre a multidão que estava nas ruas de Caracas. Foi algo muito significativo porque a mensagem enviada era a de que esse processo de mudança gerado através de meios legais tem armas poderosas para se defender. Ou seja, se disse à direita, ao mundo, aos poderes desestabilizadores, que esta é uma revolução pacífica e democrática, mas que também está bem armada. E há as armas, o conhecimento de como utilizá-las, e gente treinada em número suficiente para utilizá-las. E agora contamos com um fator complemente novo, que não existia no golpe de 2002: as milícias bolivarianas. Elas compõem as forças armadas sem serem totalmente dependentes dela. São centenas de milhares de pessoas, não poderia precisar corretamente. São pessoas que se alistaram por sua própria convicção. É muito interessante como se transformou o povo que recebeu treinamento militar. Quando perguntam qual seria uma singularidade do processo de transformação da Venezuela, nós mencionamos as milícias, porque são algo muito particular e surpreendente. As milícias são parte do exército, seu alto comando pertence ao exército, mas os destacamentos de combatentes são integrados por trabalhadores de fábricas e do campo, professores, camponeses que ocuparam terras no interior, estudantes e funcionários públicos.
CM – Vocês trabalham com cenários políticos diante de um eventual falecimento de Chávez?
AP – Pelas informações que recebemos nos últimos dias, a situação [da saúde do presidente] melhorou. Mas somos realistas, consideramos todos os cenários possíveis, inclusive o do desaparecimento físico do presidente. E quando se pensa no melhor cenário, que é o de Chávez ter se curado de sua enfermidade, acreditamos que ele não deveria voltar ao governo, mas, sim, assumir um lugar de líder como é o de Fidel em Cuba, fora dos problemas cotidianos da administração. Nós já decidimos que há chavismo depois de Chávez, e que há muita revolução depois de Chávez, tanto que realizamos um ato em 10 de janeiro, dia em que o presidente deveria tomar nova posse. A participação foi massiva, em Caracas havia várias avenidas tomadas. Além de caraquenhos, havia muitas pessoas vindas do interior. Eram homens e mulheres que se assumiram como sujeitos históricos, o povo, para dar respaldo ao presidente Chávez e à constituição bolivariana de 1999, que é o marco jurídico desde processo de transformação. Foi através dela que foi possível cambiar as regras do jogo, em direção a uma democracia participativa que vai além da democracia liberal. As pessoas têm consciência de que Chávez está conosco, mas pode não estar no futuro. Isso se percebe na ideia simbólica de que Chávez não é apenas ele, ele é o povo, os homens e as mulheres. A outra mensagem clara é a de que o povo continuará unido, seja qual for o estado de saúde do presidente. E à frente do governo continuará o vice-presidente Nicolás Maduro, a quem cabe decidir o dia a dia da administração. Em oito de dezembro, quando o presidente anunciou ao país seu estado de saúde, a necessidade de cirurgia e a possibilidade de não assumir, afirmou que seria Maduro o candidato no caso da realização de novas eleições.
CM – Qual o valor diplomático da visita de Lula a Havana, ainda que seja de caráter privado?
AP – Vemos a relação com o Brasil dentro das mudanças geopolíticas que ocorreram nos últimos tempos em nosso continente, com o avanço da autonomia em relação aos EUA. Dizemos que é muito importante a forma como mudou a posição brasileira e latino-americana ante a hegemonia norte-americana. Para nós e a revolução bolivariana, foi muito importante a atitude dos governos do PT e principalmente os progressos que houve durante o governo do presidente Lula. Damos muita importância a o que significa e significou Lula para a Venezuela, inclusive antes de ele assumir, em 2003, quando foi importantíssima sua intermediação em dezembro de 2002 para que o presidente Cardoso enviasse combustível para nós quando enfrentávamos a greve petroleira. Valoramos muito a viagem de Lula a Havana porque sabemos que ele tem liderança no Brasil e no PT, e que não é só um ex-presidente. Claro que algumas coisas poderiam ter mudado com o governo da presidenta Dilma. Sentimos que talvez haja companheiros venezuelanos que esperassem mais de Dilma, um posicionamento mais claro sobre o atual momento que vivemos. Houve companheiros que esperavam presença forte do Brasil no ato de 10 de janeiro, quando outros presidentes latino-americanos vieram até Caracas. Também temos boa relação com movimentos sociais brasileiros, com os companheiros sem-terra, com quem realizamos a escola agroecológica que funciona no interior da Venezuela, além de outros projetos importantes de integração com eles.
CM – A imprensa hegemônica deplorou a internação de Chávez em Cuba e construiu um relato sobre a suposta tutelagem cubana na transição venezuelana. Qual sua leitura sobre essa tese?
AP – Ninguém tutela a revolução bolivariana e Cuba não tem a intenção de fazer algo assim. É verdade que o vínculo entre Cuba e Venezuela é muito próximo. Claro que é uma relação diferente da que temos com o Brasil, porque acreditamos que, ainda que tenha havido uma melhora notável desde a chegada de Lula ao poder, a política externa do Brasil está submetida a uma relação particular de forças internas, em que influem fatores de poder insatisfeitos com nossa revolução. Em Cuba isso não ocorre, seu governo está integralmente comprometido com nossos, para desgosto da direita, que divulga uma campanha desqualificadora, falsa, com a imagem de que os cubanos manipulam a transição venezuelana. Isso é um absurdo. Transmitem a ideia de que Chávez é um títere de Fidel e outras coisas mais. Mas é uma caricatura desmentida pelo cotidiano, em que Venezuela e Cuba estão intensamente unidas por um vínculo de mão dupla, o presidente Chávez tem uma relação intensa com Fidel e com o presidente Raul, e isso não impede que Chávez tome decisões diferentes das de Cuba. Em nosso cotidiano temos milhares de médicos cubanos, esportistas, educadores, com quem nos relacionamos diariamente, como na Misión Barrio Adentro, em que médicos cubanos demonstram que a medicina não tem de ser comercial, que não tem de ser curativa, mas preventiva. São 30 mil médicos que atendem a população e vivem dentro das comunidades, e isso tem estimulado que nossos jovens estudem medicina com esse enfoque integral e comunitário. E a direita diz que isso não é medicina, que os cubanos não são médicos, mas sim bruxos. É claro que surgem diferenças, porque cada país tem sua autonomia e particularidades. Mas nós planejamos com Cuba uma relação de maior dimensão, valorizamos a resistência cubana como marco para todo o continente. Buscamos o benefício comum econômico e militar, parte do internacionalismo popular, em que oferecemos a Cuba hidrocarburetos a preços acessíveis.
CM – Meios privados globais acusam Caracas de se prestar ao jogo expansionista da China na América Latina. Qual sua opinião sobre essa leitura?
AP – Primeiro nos sustentamos que a revolução é um projeto histórico e político que se encarna em uma realidade multidimensional: há um governo da revolução, há um Estado, há a frente econômica e há uma política externa que necessita atuar em uma frente internacional que tem múltiplos aspectos geopolíticos, comerciais e ideológicos. Entre nossos aliados comerciais, há alguns que são de muita importância para que a revolução possa ser uma realidade que seja mais concreta dia a dia, e entre esses sócios comerciais um país muito importante é a China. Ao comprar dos chineses e vender a eles, nós estamos fortalecendo nossa independência dos EUA e nossa luta contra-hegemômica. Com a Rússia temos outro tipo de relação, porque é muito importante que recebamos armamentos, como os aviões Sukhoi, uma vez que de outra forma não poderíamos ter esses equipamentos, porque os EUA boicotam a venda de caças F17 e peças para nossa força aérea.
Curiosamente, é menos fecunda a produção analítica sobre o componente militar, que é fundamental em toda luta verdadeira pelo poder – tenhamos em conta que a Venezuela vive uma revolução pacífica, mas é uma revolução armada. E hoje podemos dizer com certeza que na Venezuela as armas estão em poder do povo? – questiona desde Caracas o pesquisador Adrián Padilla, da Universidade Simon Rodrigues, reduto da intelectualidade bolivariana, em conversa por telefone.
No diálogo com Carta Maior, Padilla ligou a questão militar ao futuro da revolução, e discorreu sobre as mudanças nas forças armadas desde o golpe de estado de 2002, quando altos oficiais se somaram à ação apesar de terem jurado lealdade a Chávez.
Padilla, que fez doutorado na Universidade de São Paulo, ainda falou positivamente sobre a visita do ex-presidente Lula a Cuba, onde Hugo Chávez está internado, mas lamentou a ausência da presidente Dilma Rousseff no ato de 10 de janeiro, quando foi prorrogado o mandato do líder venezuelano, justamente em virtude de cirurgia contra um câncer, em Havana. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Carta Maior – Recentemente circulou um comunicado golpista assinado por militares da reserva. É possível confiar nos generais, almirantes e brigadeiros da ativa?
Adrián Padilla – Não é possível dizer categoricamente que não há mais focos de conspiração militar. É possível que haja alguém dentro das forças armadas que tenha sido seduzido materialmente para colaborar com a direita em algum plano desestabilizador. Mas desde 2002 se ganhou um terreno importante a favor do processo. Chávez determinou que os militares devem responder às demandas da causa bolivariana, anti-imperialista e socialista. Isso não acontecia poucos anos atrás. É destacável que o ministro da Defesa, o almirante Molero Bellavia, começou a aparecer mais publicamente, a fazer declarações, convertendo-se em referência de poder e um homem que manifesta suas convicções sobre o que é termos forças armadas bolivarianas e anti-imperialistas. Na Venezuela e em muitos países latino-americanos, a Marinha foi em geral uma força de concepção mais reacionária e com menos base popular do que o Exército, mas o almirante Bellavia é alguém que tem a confiança de Chávez, é uma relação histórica que vêm de antes da década de noventa. Diria que ele é um homem leal ao projeto. Além disso, o alto comando militar em geral teve gestos de forte compromisso com o projeto bolivariano, quando se conheceu qual era o estado de saúde do presidente, em dezembro, antes de que ele partisse para Cuba e sofresse a cirurgia. Acredito que tenha havido um processo de depuração das forças armadas, graças a promoção de novos oficiais comprometidos com o processo de transformação, do qual eles participam ao lado do povo. Nós temos a Universidade das Forças Armadas, onde há varias carreiras, onde estudam 200 mil alunos não militares que trabalham com os próprios militares. Isso é muito importante, já que instalações militares funcionam como salas de aula em todo o país, permitindo que lá estudem pessoas de zonas distantes do país. Vemos que é importante o fato de que tenha surgido uma interação entre militares e a gente do povo, fazendo com que todos tomem consciência da questão da Defesa nacional, um tema que não diz respeito somente às forças armadas.
CM – Em que ponto está o programa de modernização do armamento e em qual nível de desenvolvimento estão as chamadas “milícias bolivarianas”?
AP – No ato de 10 de janeiro, ante vários presidentes e representantes de governos latino-americanos, houve uma exibição dos aviões Sukhoi, russos, que são um armamento muito importante da Força Aérea venezuelana. Eles voaram sobre a multidão que estava nas ruas de Caracas. Foi algo muito significativo porque a mensagem enviada era a de que esse processo de mudança gerado através de meios legais tem armas poderosas para se defender. Ou seja, se disse à direita, ao mundo, aos poderes desestabilizadores, que esta é uma revolução pacífica e democrática, mas que também está bem armada. E há as armas, o conhecimento de como utilizá-las, e gente treinada em número suficiente para utilizá-las. E agora contamos com um fator complemente novo, que não existia no golpe de 2002: as milícias bolivarianas. Elas compõem as forças armadas sem serem totalmente dependentes dela. São centenas de milhares de pessoas, não poderia precisar corretamente. São pessoas que se alistaram por sua própria convicção. É muito interessante como se transformou o povo que recebeu treinamento militar. Quando perguntam qual seria uma singularidade do processo de transformação da Venezuela, nós mencionamos as milícias, porque são algo muito particular e surpreendente. As milícias são parte do exército, seu alto comando pertence ao exército, mas os destacamentos de combatentes são integrados por trabalhadores de fábricas e do campo, professores, camponeses que ocuparam terras no interior, estudantes e funcionários públicos.
CM – Vocês trabalham com cenários políticos diante de um eventual falecimento de Chávez?
AP – Pelas informações que recebemos nos últimos dias, a situação [da saúde do presidente] melhorou. Mas somos realistas, consideramos todos os cenários possíveis, inclusive o do desaparecimento físico do presidente. E quando se pensa no melhor cenário, que é o de Chávez ter se curado de sua enfermidade, acreditamos que ele não deveria voltar ao governo, mas, sim, assumir um lugar de líder como é o de Fidel em Cuba, fora dos problemas cotidianos da administração. Nós já decidimos que há chavismo depois de Chávez, e que há muita revolução depois de Chávez, tanto que realizamos um ato em 10 de janeiro, dia em que o presidente deveria tomar nova posse. A participação foi massiva, em Caracas havia várias avenidas tomadas. Além de caraquenhos, havia muitas pessoas vindas do interior. Eram homens e mulheres que se assumiram como sujeitos históricos, o povo, para dar respaldo ao presidente Chávez e à constituição bolivariana de 1999, que é o marco jurídico desde processo de transformação. Foi através dela que foi possível cambiar as regras do jogo, em direção a uma democracia participativa que vai além da democracia liberal. As pessoas têm consciência de que Chávez está conosco, mas pode não estar no futuro. Isso se percebe na ideia simbólica de que Chávez não é apenas ele, ele é o povo, os homens e as mulheres. A outra mensagem clara é a de que o povo continuará unido, seja qual for o estado de saúde do presidente. E à frente do governo continuará o vice-presidente Nicolás Maduro, a quem cabe decidir o dia a dia da administração. Em oito de dezembro, quando o presidente anunciou ao país seu estado de saúde, a necessidade de cirurgia e a possibilidade de não assumir, afirmou que seria Maduro o candidato no caso da realização de novas eleições.
CM – Qual o valor diplomático da visita de Lula a Havana, ainda que seja de caráter privado?
AP – Vemos a relação com o Brasil dentro das mudanças geopolíticas que ocorreram nos últimos tempos em nosso continente, com o avanço da autonomia em relação aos EUA. Dizemos que é muito importante a forma como mudou a posição brasileira e latino-americana ante a hegemonia norte-americana. Para nós e a revolução bolivariana, foi muito importante a atitude dos governos do PT e principalmente os progressos que houve durante o governo do presidente Lula. Damos muita importância a o que significa e significou Lula para a Venezuela, inclusive antes de ele assumir, em 2003, quando foi importantíssima sua intermediação em dezembro de 2002 para que o presidente Cardoso enviasse combustível para nós quando enfrentávamos a greve petroleira. Valoramos muito a viagem de Lula a Havana porque sabemos que ele tem liderança no Brasil e no PT, e que não é só um ex-presidente. Claro que algumas coisas poderiam ter mudado com o governo da presidenta Dilma. Sentimos que talvez haja companheiros venezuelanos que esperassem mais de Dilma, um posicionamento mais claro sobre o atual momento que vivemos. Houve companheiros que esperavam presença forte do Brasil no ato de 10 de janeiro, quando outros presidentes latino-americanos vieram até Caracas. Também temos boa relação com movimentos sociais brasileiros, com os companheiros sem-terra, com quem realizamos a escola agroecológica que funciona no interior da Venezuela, além de outros projetos importantes de integração com eles.
CM – A imprensa hegemônica deplorou a internação de Chávez em Cuba e construiu um relato sobre a suposta tutelagem cubana na transição venezuelana. Qual sua leitura sobre essa tese?
AP – Ninguém tutela a revolução bolivariana e Cuba não tem a intenção de fazer algo assim. É verdade que o vínculo entre Cuba e Venezuela é muito próximo. Claro que é uma relação diferente da que temos com o Brasil, porque acreditamos que, ainda que tenha havido uma melhora notável desde a chegada de Lula ao poder, a política externa do Brasil está submetida a uma relação particular de forças internas, em que influem fatores de poder insatisfeitos com nossa revolução. Em Cuba isso não ocorre, seu governo está integralmente comprometido com nossos, para desgosto da direita, que divulga uma campanha desqualificadora, falsa, com a imagem de que os cubanos manipulam a transição venezuelana. Isso é um absurdo. Transmitem a ideia de que Chávez é um títere de Fidel e outras coisas mais. Mas é uma caricatura desmentida pelo cotidiano, em que Venezuela e Cuba estão intensamente unidas por um vínculo de mão dupla, o presidente Chávez tem uma relação intensa com Fidel e com o presidente Raul, e isso não impede que Chávez tome decisões diferentes das de Cuba. Em nosso cotidiano temos milhares de médicos cubanos, esportistas, educadores, com quem nos relacionamos diariamente, como na Misión Barrio Adentro, em que médicos cubanos demonstram que a medicina não tem de ser comercial, que não tem de ser curativa, mas preventiva. São 30 mil médicos que atendem a população e vivem dentro das comunidades, e isso tem estimulado que nossos jovens estudem medicina com esse enfoque integral e comunitário. E a direita diz que isso não é medicina, que os cubanos não são médicos, mas sim bruxos. É claro que surgem diferenças, porque cada país tem sua autonomia e particularidades. Mas nós planejamos com Cuba uma relação de maior dimensão, valorizamos a resistência cubana como marco para todo o continente. Buscamos o benefício comum econômico e militar, parte do internacionalismo popular, em que oferecemos a Cuba hidrocarburetos a preços acessíveis.
CM – Meios privados globais acusam Caracas de se prestar ao jogo expansionista da China na América Latina. Qual sua opinião sobre essa leitura?
AP – Primeiro nos sustentamos que a revolução é um projeto histórico e político que se encarna em uma realidade multidimensional: há um governo da revolução, há um Estado, há a frente econômica e há uma política externa que necessita atuar em uma frente internacional que tem múltiplos aspectos geopolíticos, comerciais e ideológicos. Entre nossos aliados comerciais, há alguns que são de muita importância para que a revolução possa ser uma realidade que seja mais concreta dia a dia, e entre esses sócios comerciais um país muito importante é a China. Ao comprar dos chineses e vender a eles, nós estamos fortalecendo nossa independência dos EUA e nossa luta contra-hegemômica. Com a Rússia temos outro tipo de relação, porque é muito importante que recebamos armamentos, como os aviões Sukhoi, uma vez que de outra forma não poderíamos ter esses equipamentos, porque os EUA boicotam a venda de caças F17 e peças para nossa força aérea.
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