O economista Claus Germer adverte que a atual crise do capitalismo responde ao fim de um ciclo longo de aumento das taxas de lucro
Pedro Carrano
Pedro Carrano
Brasil de Fato – Como o senhor caracteriza a crise mundial do capitalismo, tendo em vista a situação atual nos países da Zona do Euro?
Claus Germer – A crise de hoje é uma continuidade da crise de 2008, com a diferença de que naquela época começou nos EUA e o atingiu com mais força, enquanto a partir do ano passado vem afetando mais a União Europeia como um todo, atingindo sobretudo países como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, o que é um processo progressivo de alastramento da crise. Na Europa, a crise passada se refletiu numa crise fiscal, uma crise das finanças públicas que jogou os países no endividamento em relação aos bancos europeus. Embora possamos diferenciar em termos da interpretação marxista e da interpretação não-marxista da crise.
Qual é a interpretação marxista para a crise do capitalismo?
O que se relaciona com a produção e não apenas com uma desregulamentação das finanças. É isso?
Então, a taxa média de lucro, a taxa de conjunto, é determinada pelo capital industrial em geral - não são só fábricas, mas todos os capitais que produzem mais-valia. A taxa média de lucro tende a se alterar quando acontecem alterações na estrutura industrial. Há diversas análises no campo marxista que procuram encaixar a crise atual dentro do desenvolvimento de longo prazo da economia capitalista, principalmente a partir da segunda guerra. Há estudos que identificam um processo bem nítido de flutuações longas, sendo que há uma fase de crescimento da rentabilidade até um ponto de pico, quando acontece a crise, e a partir daí há um descenso, a chamada fase descendente do ciclo.
A partir de que período podemos resgatar o início desse cicloeconômico que agora experimenta o descenso?
Temos dificuldade de fazer análises mundiais, o que seria o melhor, porque a economia capitalista hoje está mundializada. Mas, por diversos motivos referentes à disponibilidade de dados, estatísticas, ajustamento, então analisa-se geralmente os EUA, que ainda são a economia principal – e bem principal –, e que têm mais dados contínuos. A análise desses dados aponta a existência de uma crise, que vem dos anos de 1970 até os anos de 1980, logo depois veio uma fase de crescimento, que está relacionada com o aumento da taxa média de lucro e da taxa de exploração, e atinge seu pico em 2008. Não é a mesma periodização da economia brasileira.
E quais as medidas adotadas pelo capital em períodos como esse que vivemos?
De acordo com o senhor, há um aprofundamento da concentração dos meios de produção no mundo, em um grupo cada vez mais restrito de capitalistas.
O ponto de vista marxista entende toda forma de sociedade como um fenômeno passageiro, algo que toma diversos séculos, mas que é passageiro. Em toda sociedade, a classe dirigente sempre se considera eterna. Na realidade, essa visão das classes dirigentes, manifestada pelos intelectuais que as representam, é ideológica e oculta a realidade ao invés de explicá-la. Toda sociedade atinge um auge e começa a declinar, o que dá início ao processo de emergência de uma nova sociedade, cujos fundamentos já devem estar elaborados na sociedade que está sendo superada. Isso é necessário porque você não dorme no capitalismo e amanhece no socialismo. Vemos esse processo, por exemplo, na transição do feudalismo para o capitalismo: a classe capitalista, quando houve a revolução burguesa, já havia assumido o controle da estrutura produtiva, embora o poder estivesse ainda com os senhores feudais. Se, do ponto de vista marxista, o capitalismo vai desembocar no socialismo, isso significa que no capitalismo estão sendo elaborados os fundamentos do socialismo. Essa é a visão de Marx, que procurou identificar as tendências predominantes no capitalismo. O que caracteriza o socialismo é a propriedade coletiva e o mercado substituído pelo planejamento. Isso já é visível no capitalismo.
O senhor observa esta questão hoje através de dados da estrutura de classes no mundo?
Se observamos os sensos demográficos, a classe capitalista representa 2 a 3% da população, e a maioria da sociedade são assalariados de todos os níveis, que não possuem propriedade dos meios de produção. São assalariados, expropriados dos meios de produção. Entre os dois há uma camada intermediária de pequenos proprietários. No Brasil, essa camada representa cerca de 20% da população. Isso porque o Brasil ainda não atingiu o nível de desenvolvimento do capitalismo dos EUA. O capitalismo promove a criação de uma massa de não proprietários. O que o socialismo faz simplesmente é generalizar essa massa de não proprietários, pois os proprietários dificilmente passam de 3% da população nos países capitalistas. Ocorre também uma socialização da estrutura produtiva no interior da classe capitalista. As empresas no início do capitalismo eram de tipo familiar; hoje a maior parte são empresas de sociedades anônimas (SA). Não é o dono do capital quem o administra, inclusive tecnicamente falando. Quem dirige a empresa é um conselho de administração, que nomeia uma diretoria da empresa, composta por assalariados, que não possuem propriedade sobre os meios de produção, no máximo têm ações para reforçar, através de dividendos, o que ganham como assalariados. Com isso, o capitalista já não é o proprietário dos meios de produção, mas de uma cota acionária.
Quais as possíveis consequências desse processo?
Em um momento de socialização dos meios de produção, a expropriação dos acionistas não significa a expropriação dos diretores, que podem vir a ser assalariados por parte do Estado em uma sociedade socialista. Os instrumentos estão sendo criados para uma economia socialista. Na questão do planejamento, embora não se admita o planejamento global da economia, em nível interno as empresas são planejadas rigorosamente. As empresas no tempo de Marx cobriam uma pequena parte do mercado. Hoje, planejam a oferta da sua mercadoria para partes do planeta, por meio de um planejamento detalhadíssimo. Há autores que detalham esse processo, como Alfred Chandler Jr.; Lênin denominava esta fase como "monopolista". Em síntese, o mercado está sendo substituído pelo planejamento. Então, duas tendências que formam o socialismo estão sendo criadas, são elas: a extinção da propriedade privada dos meios de produção e o planejamento da produção.
Passando à realidade brasileira: qual sua análise sobre a movimentação dos trabalhadores, sobretudo no funcionalismo público?
Um primeiro dado em relação ao sindicalismo é de que ele funciona melhor quando é menos necessário que funcione, ou seja, nas épocas de expansão da economia, porque nas épocas de crise o desemprego é muito grande, com isso os trabalhadores podem ser demitidos e por isso estão menos predispostos para a reivindicação. Quando o nível de vida aumenta, por sua vez, fica mais fácil para o trabalhador visualizar que, se ele perde o emprego, logo consegue outro. Há mais ofertas de emprego. No Brasil, a partir da recuperação da economia, na esteira internacional, os trabalhadores passaram a obter ganhos superiores à inflação, se tomamos como base o defasagem dos salários no período anterior. Essa situação repercute sobre o funcionalismo, onde os governos tentaram manter os salários baixos, com superávits primários, então os funcionários públicos passam também a reivindicar aumentos. Além disso, a estabilidade no emprego público é um fator importante, embora hoje já não seja tão relevante devido às oportunidades de emprego mais abundantes. Em um cenário mais favorável, sem dúvida, no qual o desemprego não é tão alto como na maior parte dos países capitalistas desenvolvidos, menor que no tempo do FHC, por exemplo, e a receita do governo tem aumentado ano a ano acima da inflação, é importante essa combatividade. Porém, o que o governo faz é distribuir esses benefícios para a classe capitalista. Aumentaram os programas, de "bolsa-esmola", do FHC, para o "bolsa-família", mas é uma migalha comparado com o que o governo distribui para os setores empresariais. As (recentes) isenções de impostos reduzem os preços, mas as vendas dos produtos isentos aumentam. A empresa ganha no lucro sobre a receita aumentada, já o governo renuncia a uma parte da receita.
Claus Germer é professor do curso de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e contribui também como professor na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)
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