quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

As sementes reacionárias


Sociedade | Redes sociais, livros e até não há limites para os jovens conservadores
Ser de direita parece algum tipo de peste”, filosofa a gaúcha Cibele Baginski, líder do grupo de jovens responsável pela façanha simbólica de refundar a Aliança Renovadora Nacional, partido que deu apoio à ditadura e agora ressurge das cinzas, ao menos no nome e na ideologia. “Meu bom senso diz que estar nessa posição política pode ajudar mais as pessoas e tornar a sociedade melhor.” Apesar de premiada com uma bolsa do ProUni (programa federal criado por Lula que ampliou o acesso à universidade), a estudante de direito de 23 anos e piercing no lábio prega a redução do Estado e a “abolição de quaisquer sistemas de cotas” ou “condições especiais” e se diz pronta a atender aos anseios de “muitas pessoas que es-tavam sem voz, como eu”. De sua pena saíram as pérolas do estatuto e do programa impressos no Diário Oficial da União, como a “luta contra a comunização da sociedade” e o retorno das aulas de educação moral e cívica. “Creio que, ao permitir a divergência de opinião, a Arena vá trazer um novo horizonte para a democracia no País”, diz. Agora só faltam as 491 mil assinaturas para obter o registro partidário e poder disputar eleições.

Menos pela representatividade e mais pela escolha infeliz, a estudante surgiu como o retrato da nova direita. “É surpreendente fundar um partido com esse nome, já que a Arena foi formada por correligionários da UDN e do PSD que participaram da conspiração para depor João Goulart”, diz Lucia Grinsberg. Ao pesquisar como a legenda serviu de “bode expiatório” para os ditadores, a professora da Unirio identificou uma rejeição histórica à marca. “As referências à Arena eram marcadas pelo deboche. Nenhum político queria se identificar com a Arena publicamente, porque sua memória está carregada de conteúdos negativos como o adesismo e a subordinação.” Em 1979, por exemplo, quando o Diretório Nacional distribuiu um questionário,, os poucos integrantes a responder sugeriram a troca de nome.

Mas o que está em jogo, além da diversão midiática, é a consolidação às claras de um neoconservadorismo nos moldes americanos, em boa medida revigorado pela juventude. Uma pesquisa do Datafolha de 2008 sustenta que 37% dos jovens brasileiros se declaram de direita (contra 35% da população em geral), enquanto 28% se dizem de esquerda. Tal parcela, não representada por DEM e companhia, permite à nova direita se organizar eleitoralmente, com cartilha regida por valores político-econômicos e morais. No primeiro caso se enquadram os partidos que tentam se formalizar nos últimos anos, como o Federalista, o Libertários e o Novo, cuja maioria dos integrantes é de jovens interessados em livrar suas vidas da interferência estatal. Os federalistas defendem a descentralização o Novo, o lema “gestão eficiente” do centro-direita europeu; e os anarcocapitalistas “libertários”, a privatização geral da existência.
Os valores morais são a bandeira de agremiações menores, que demandam a regulação dos “bons costumes” e colocam a nova Arena no chinelo. “Não conheço ninguém que leve a sério essa menina”, diz Arthur Quindos, ex-aluno de ciências sociais da USP e um dos fundadores da União Conservadora Cristã (UCC), criada in loco para se contrapor à “hegemonia da esquerda” no ensino de humanidades. Pensadores conservadores como Edmund Burke e Russel Kirk forneceram as bases teóricas. Jesus completou a doutrina. E a UCC ganhou fama ao disputar o diretório central dos estudantes. Perdeu e, ao que parece, não deve sair dos muros da universidade.

Mais representativa é a posição do analista Marcelo Ribeiro, da Juventude do DEM. A despeito do pragmatismo do maior partido de direita (que não se
admite assim, tanto que mudou de nome, de Partido da Frente Liberal para Democratas), seus jovens, imbuídos de liberalismo e conservadorismo anglo-saxões, querem uma direita pura, “o que se poderá em breve chamar, sem constrangimento, de direita política brasileira”. E é a esquerda que alimentaria o fenômeno, diz Ribeiro. Seu vaticínio é apocalíptico. “Ausente de lastros familiares e valores saudáveis”, a esquerda despertará “uma reflexão política cada vez mais de direita nos jovens brasileiros”, criando uma demanda por instituições conservadoras e “vindo a formar uma geração de homens e mulheres, de direita, que estão prestes a participar do jogo político.”

E em sites, fóruns e redes sociais que essa nova direita se cristaliza. Caso do “Cons”, cujo estatuto demanda o “exercício da defesa do conservadorismo.” Para se associar, é preciso “assumir-se Conservador (a)”, defender o direito à vida “desde a sua concepção”, “os valores e costumes da família tradicional” e o cristianismo. Um texto de Ribeiro resume a ideologia. “Enquanto o nosso inimigo está a dizer: ‘Nunca antes na história deste país...’, nós alertamos: não há progresso sem fundamentos morais e preservação de valores como a vida, a propriedade e a fé.” Claro, nesse vasto cenário há um espacinho para certa moderação. “Somos uma Juventude de Centro”, diz Alan Schoeninger, presidente do PSD Jovem em Santa Catarina. O partido mal fez um ano, mas seus jovens já saem à cata de adeptos e, apesar de não se declararem direitistas, elencam valores conservadores. “Defendemos a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento”, afirma o rapaz de centro. “O brasileiro se mostra’conservador, e com os jovens isso não é diferente.”

E a direita mais radical, porém, que cresce mais. Que o diga o pernambucano Antonio Silva, o Vulto da zona leste paulistana, ex-integrante do grupo skinhead Carecas do Subúrbio e hoje líder da Resistência. Nacionalista, organização de extrema-direita nascida como “grupo de estudos” e hoje essencial às passeatas direitistas - tudo organizado de forma virtual. “A internet possui papel fundamental, uma vez que possibilita um estreitamento nos laços entre conservadores de diversos cantos do País.” Seu site resisten-cianacionalista.com traz cartazes para download: um deles ovaciona Gustavo Barroso, líder da Ação Integralista Brasileira, nitidamente fascista. Há ainda um informativo com textos como “Metrossexual, Viadagem pós moderna!” e uma revista homônima, cujo editorial se declara “a voz da extrema direita nacionalista”, “mesmo que ela doa a muitos”.

Uma ideologia juvenil que grassa também nas redes sociais. Uma página chamada “Rota na USP” é emblemática. “Você é a favor da PM na USP? Está cansado dos criminosos piquetes e das manifestações violentas destrui-doras do patrimônio público?”, diz a página - com link para a “Frente Estudantil Contra-Revolucionária!, que vê como “raio de luz a contra-revolução, baseada pelo professor católico Plínio Corrêa de Oliveira.” Para Márcia Carneiro, estudiosa do integralismo brasileiro, ser de direita passou a ser atrativo ao jovem no momento em que a divulgação de tais mensagens nas redes sociais ganhou aspectos modernos. “Estar incluído em um grupo que acolha suas raivas, recalques e intolerâncias faz-lhes sentir confortáveis em
um mundo que a abertura de oportunidades fere as suas arrogâncias.” Filhos de uma “velha classe média que se recusa a compartilhar os ganhos econômicos e sociais com a nova classe média”, esses jovens não teriam mais receio de se assumir como de direita. Antes, diante da negação do PT no governo, orgulham-se disso.

Mas a direita também lê em papel: são livros repletos de preconceitos e distorções históricas, comuns desde que o PT chegou ao poder com Lula, rapidamente resenhados nos redutos conservadores da mídia. Um expoente dessa literatura é Leandro Narloch, fenômeno de vendas com seus “guias politicamente incorretos” que vertem para o senso comum a história do Brasil e da América Latina. Teria ele encontrado um nicho carente na direita juventil? “Acho que sim, muita gente percebeu que os leitores estão cansados de lugares-comuns da esquerda”, diz. A biblioteca virtual do “Cons” amplia a lista. Há desde livros do economista Rodrigo Constantino (de Privatize Já) ao Orvil da FAB; de Os Dez Princípios Conservadores, de Russel Kirk, a Rompendo o Silêncio, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. No hall de referências nativas há ainda “acadêmicos” como os filósofos Luis Pondé e Denis Rosenfield e os jornalistas Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo. São as inspirações de Cibele e tantos outros jovens.

Se o estardalhaço em torno da nova Arena soa artificial, o pensamento por trás dela, não. “Seria preciso discutir o que a refundação de um partido criado por um regime ditatorial diz sobre a construção da memória da ditadura”, reflete a historiadora Samantha Quadrat, da UFF. Em um país que anistiou torturadores, a memória coletiva escamoteou o fato de que a ditadura “tinha de fato o apoio de parcelas significativas da sociedade”, que ainda hoje se lembram com carinho do passado autoritário. A recuperação da sigla seria só um exemplo. A historiadora, que pesquisou a juventude pinochetista no Chile dos anos 1970, diz ser utópica a ideia de que todo jovem é progressista, em nenhum lugar do mundo. “Não era assim em 1968, não é assim hoje.”

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