terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Governo do Paraguai acelera instalação de empresa eletrointensiva



 
Noticias Aliadas
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Adital
Tradução: ADITAL
Por Gustavo Torres, desde Assunção

O Paraguai não possui jazidas de bauxita, nem os insumos necessários –breu, ‘coke’ calcinado, alcatrão e combustíveis- para produzir alumínio em lingotes; tampouco mão de obra qualificada, nem portos para exportar, nem um mercado onde vendê-lo. No entanto, a transnacional eletrointensiva Rio Tinto Alcan pretende instalar-se no país para aproveitar a energia hidrelétrica.
Assim asseguraram integrantes da Campanha "Não ao Golpe da Rio Tinto Alcan”, dirigida a reunir 100.000 assinaturas contra a instalação da empresa no Paraguai. A primeira parte da campanha, lançada em julho 2012 culminou no dia 28 de novembro com uma jornada de mobilização em Assunção, a capital, na qual foram entregues 24.480 assinaturas ao Ministério da Indústria e Comércio, com cópias ao Congresso Nacional, que reclamam o cessar das negociações. Todo investimento que tenha impacto tão significativo como essa deve se consultada com a cidadania.
Rio Tinto Alcan é a segunda maior produtora de alumínio no mundo, atividade considerada eletrointensiva porque mais de 30% de seu custo de produção corresponde a gastos com energia elétrica. A empresa, cuja sede principal encontra-se no Canadá e conta também com capitais britânicos e australianos, propõe produzir 670.000 TM de alumínio para o qual importará 100% da matéria prima, em sua maior parte do Brasil, e utilizará 1.100 MW de potência em forma constante, o que equivale a 9.600 GWh/ano, enquanto que a indústria nacional consome menos de uma sexta parte dessa energia (1.623 GWh/ano, asseguram os técnicos da campanha "Não ao Golpe da Rio Tinto Alcan”.
"No Paraguai, há muita energia hidrelétrica, indispensável para o processo produtivo e, lamentavelmente, há funcionários complacentes dispostos a entregá-la por quase a metade de seu valor mínimo, por 30 anos, renováveis por mais 20 anos. Esse trato obrigará a todos os habitantes do Paraguai a pagar a outra metade de seu consumo elétrico, seja com aumentos na tarifa elétrica, como aconteceu no Brasil, ou com maiores impostos e redução do gasto público. Isso equivale, em 20 anos, a US$ 3,5 bilhões, ou seja, 8 vezes a dívida externa paraguaia, somente para que a Rio Tinto Alcan encontre o ‘clima adequado’ para investir no Paraguai”, assegura a Noticias Aliadas Sarah Zevaco, integrante da campanha.
Além disso, a Rio Tinto Alcan colocou uma série de condições para instalar-se no Paraguai: exige que o Estado paraguaio construa um porto e um terminal de logística para receber as matérias primas que chegarão do Brasil e para exportar os lingotes de alumínio que produzirá para os centros fabris, para serem convertidos em autopartes, aviões, cabos, caçarolas, latas e outros produtos processados; bem como uma linha de 500 KW desde as hidrelétricas de Itaipu e Yacyretá –que o Paraguai compartilha com o Brasil e a Argentina, respectivamente- até a fábrica, e o dragado do Rio Paraná para buques de grande calado.
O custo dessas obras públicas foi estimado pelo Ministério de Obras Públicas e Comunicações entre $ 700 milhões e 1 bilhão de dólares. Quanto à questão de quem pagará essas obras, os representantes do Ministério da Indústria e Comércio propuseram gestionar um empréstimo com o setor privado e associar-se com a Rio Tinto Alcan para seu cumprimento. Calcula-se que a planta de Rio Tinto Alcan consumirá 60% do consumo anual de eletricidade; ou seja, 47% da energia elétrica produzida pelo país, pagando menos do que vale durante 30 anos, a empresa importará 100% dos insumos e exportará a totalidade de sua produção.
Negociações em marcha
O desembarque de Rio Tinto Alcan no Paraguai, em outubro de 2009, "coincidiu” com o início da construção de infraestruturas por parte do governo nacional para a instalação da linha de transmissão de 500 KW desde a central hidrelétrica de Itaipu.
Em janeiro de 2011, conformou-se por Decreto a Equipe Técnica Interinstitucional para analisar o investimento proposto pela empresa e fechar a decisão acerca de sua instalação em 2016 para que a cidadania decida através de sua participação. Durante o governo do presidente Fernando Lugo (2008-2012) foram realizadas audiências públicas acerca da instalação da Rio Tinto Alcan, nos dias 19 de dezembro de 2011 e 1 de junho de 2012, organizadas pelo Vice Ministério de Minas e Energia e apoiadas por outras instituições do Estado.
A primeira Audiência Pública determinou que a transnacional Rio Tinto Alcan deve pagar @ 62/MW/h, $ 32 mais do que a empresa quer pagar; enquanto que a segunda Audiência Pública condenou qualquer acordo com a multinacional eletrointensiva.
No entanto, após o golpe de Estado Parlamentar de 22 de junho, o presidente designado, Federico Franco, desconhecendo o estado das negociações, declarou-se publicamente a favor da Rio Tinto Alcan e acelerou a negociação para sua instalação, propondo assinar em três meses uma carta de intenção ou pré acordo. Em outubro, o governo anunciou a contratação do consultor econômico estadunidense Jeffrey Sachs para elaborar dita carta de intenção.
Consultado por Noticias Aliadas, o economista Luis Brunstein, professor de economia em Hiram College, Ohio, EUA, e participante como painelista nas duas Audiências Públicas realizadas, considera que "no momento histórico que o país atravessava, com níveis de pobreza historicamente baixos, com uma dívida pública relativamente baixa, com um programa de inclusão social que estava começando a render frutos, com níveis de estabilidade social altos tanto em âmbito local quanto regional, o Paraguai não devia ter nenhum apuro em entregar suas riquezas naturais sem receber nada realmente vantajoso. OS investimentos estrangeiros que convêm ao Paraguai são aqueles que dinamizem a cadeia produtiva local e que sejam rentáveis sem pedir ao governo favores fiscais em troca”.
Nesse sentido, Mercedes Canese, ex Vice Ministra de Minas e Energia durante o governo de Lugo, acusa ao governo de Franco de aceitar a presença da Rio Tinto Alcan de qualquer jeito, sem estudos sérios e nem condições para a aplicação de regras ambientais.
"Pretende subsidiar a energia com um preço de $ 45/MWh, ou, inclusive, menor, alegando que não é subsídio, quando o custo da energia garantida é de $ 60/MWh em 2012, incluindo custos de transmissão, preço que vai em contínuo incremento e que é pago pela indústria nacional e, inclusive, mais. Os benefícios e retorno sobre investimento para o Estado serão marginais –pela via dos impostos, nem sequer alcançado os 7% do valor das exportações, segundo informação do Ministério da Indústria e Comércio-, pelo qual não se pode falar de desenvolvimento nacional quando só uma empresa privada é beneficiada”, afirma Canese.
Segundo informação divulgada pela imprensa, na terceira semana de dezembro, o governo de Franco e a Rio Tinto Alcan assinarão um pré acordo para a instalação –no mesmo lugar onde a companhia instalará proximamente seu escritório- de um parque industrial ao redor da planta, onde se manufature pelo menos 50% do alumínio fabricado pela empresa.
Canese agrega que as "cartas de intenção ou pré acordo de indústrias que viriam ao parque industrial não podem ser elementos de negociação pelo caráter hipotético das mesmas, que não oferecem nenhuma garantia. Por todas essas razões, solicitamos às autoridades do Estado assumir sua missão de acordo com os interesses da maioria do povo paraguaio e, portanto, parar as negociações com a empresa Rio Tinto Alcan e, em seu lugar iniciar um plano concertado de industrialização com todos os setores da população, de maneira que as políticas de indústria permitam trabalho digno, respeito ao meio ambiente, cuidado com os recursos naturais e integração com as políticas de acesso a direitos (saúde, educação, trabalho, vida digna)”.
Campanha contínua
As razões para opor-se a Rio Tinto Alcan, segundo Canese, radicam em que "a falta de transparência nas negociações viola o que expressa nossa Constituição em seus artigos 1 e 2, que estabelece como governo ‘a democracia representativa, participativa e pluralista, fundada no reconhecimento da dignidade humana’ e que a soberania reside no povo, além de pôr em risco a possibilidade de um desenvolvimento, já que em 2o anos não se disporá de excedentes energéticos para novos projetos ao redor da planta dadas as previsões de consumo de energia –a medida que avança o consumo de energia em âmbito residencial e industrial-, e põe em risco nossa biodiversidade e vida ao negar os possíveis impactos ambientais”.
Enquanto isso, a campanha "Não ao golpe da Rio Tinto Alcan” continuará com a coleta de assinaturas.
"Pensamos em entregar 100.000 assinaturas ao Executivo durante uma campanha de um ano; porém, o governo adiantou as negociações com a Rio Tinto, para sua instalação no país. No entanto, a campanha segue seu curso e uma segunda entrega das assinaturas coletadas será feita no final de dezembro, para somar a maior quantidade possível de petições cidadãs. Fazem parte dessa campanha organizações sociais e partidárias, comunitárias, estudantis e cidadãs, e tem como objetivo informar, debater e influir sobre a tomada de decisões políticas sobre esse investimento; rechaçar sua instalação e deter a negociação”, explica Nathalia Correa, coordenadora da equipe de assinaturas cidadãs da campanha.
"Uma vez parada a negociação, com a entrega das assinaturas no Parlamento, pretende-se chamar a um referendo vinculante, como estabelece a Constituição Nacional”, alega Correa. "Caso contrário, estarão avassalando os direitos da cidadania. Podemos afirmar que a campanha iniciada conseguiu a visibilização e sensibilidade cidadã a respeito do tema da Rio Tinto Alcan”.

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