sábado, 22 de dezembro de 2012

“O novo discurso é de que agora é preciso desenvolver os assentamentos já existentes, não desapropriar terras”


“A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio”, analisa Marina dos Santos (foto), da Coordenação Nacional do MST

José Coutinho Júnior
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicam que 10.815 famílias foram assentadas de janeiro a novembro. O que esse número representa para a Reforma Agrária?

Esse número é irrisório, dada uma realidade tão complexa que temos no Brasil, com altíssimo nível de concentração de terra, que só aumenta com aação das transnacionais, que vem se apropriando das terras no Brasil e na América do Sul. É um número que reflete o aumento da concentração, da desnacionalização da terra e dos bens naturais. Por outro lado, o governo  prioriza o agronegócio, o latifúndio, a produção de poucos produtos para exportação, em detrimento do fortalecimento da agricultura familiar camponesa.

A opção do governo pelo agronegócio é clara, demonstra tanto o discurso político da maioria dos ministérios como a liberação de recursos para as grandes empresas. A Reforma Agrária está praticamente parada no país. Não existe uma ação do governo de democratizar a terra e para enfrentar o latifúndio improdutivo. Pelo contrário.

Essa atitude em relação à Reforma Agrária se agravou no governoDilma? 


Isso vem da década de 90, com a aceleração do modelo neoliberal e do surgimento e consolidação do agronegócio no Brasil. E nos últimos anos, todos os governos têm propagandeado que fizeram a maior Reforma Agrária de todos os tempos, mas há uma contradição enorme aí. E os grandes meios de comunicação ignoram isso. O índice Ginimostra que a concentração de terras não está mudando. É inexplicável os governos fazerem “a maior Reforma Agrária do mundo”, quando o Gini aponta a manutenção da concentração de terras. Você não pode democratizar a terra se ao mesmo tempo ela está concentrada. A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio.

A grande imprensa aponta que como o agronegócio gerou empregos para trabalhadores de baixa renda, que desistiram de lutar pela Reforma Agrária. Como você analisa isso? 


É outra contradição. O que temos visto é que quem garante a produção de alimentos saudáveis e a geração de empregos é a agricultura familiar, não o agronegócio. Pelo contrário, o agronegócio estimula o êxodo rural, a saída das famílias do campo, que vão para as médias e grandes cidades urbanas tentar sobreviver. Essa é uma tese que não condiz com a realidade do campo brasileiro.

Qual o percentual de assentados que desistem de seu lote. Por que existe essa desistência?


Há alguns anos, pesquisas indicavam que menos de 10% dos assentados desistiam do lote. Em um contexto geral da agricultura brasileira e levando em conta o êxodo rural causado pelo agronegócio, o percentual dos assentamentos é bem abaixo da média do campo. Os principais motivos que levam as famílias a desistir do lote é a falta de políticas públicas e de infraestrutura. O governo tem várias medidas que facilitam o acesso às políticas públicas pelos grandes proprietários, que já tem uma infraestrutura razoável. Quem está sendo assentado agora não tem nenhum tipo de infraestrutura e não há facilidades que propiciem que os assentados acessem crédito. E onde há, é muito burocratizado. É difícil para muitos ter acesso aos créditos disponíveis para a pequena agricultura, e os assentados ficam a mercê de uma sobrevivência sem o apoio das políticas públicas.

Como você vê o discurso do Incra de que a prioridade agora é desenvolver os assentamentos?


A questão é que nem o desenvolvimento dos assentamentos está sendo feita pelo Incra e pelo governo. Estão investindo em determinados estados para criar assentamentos modelos, que vão facilitar a propaganda da Reforma Agrária e dos assentamentos. São raros os assentamentos que estão tendo apoio a esse processo de infraestrutura e desenvolvimento. Infelizmente, eles têm atuado menos na questão de desapropriação das terras improdutivas para a realização dos assentamentos, o que é uma pena, porque o lema desse governo é o combate à miséria. A realização da Reforma Agrária, a distribuição de terras e o investimento nas áreas dos assentamentos são uma política fundamental para superar a miséria do país. Tanto da população que vive no interior como de quem mora nas cidades, que teriam acesso a geração de emprego, ao crescimento do mercado local, à produção de alimentos mais farta, barata e com maior qualidade.

Que medidas seriam necessárias por parte do governo para colocar em curso uma Reforma Agrária efetiva?


A primeira medida deveria fazer uma reestruturação para fortalecer o Incra, que está completamente sucateado, com poucos funcionários, salários baixos e poucos recursos para  realizar o trabalho de campo. Teria que renovar o quadro funcional, tirando pessoas desmotivadas e até contrárias à realização da Reforma Agrária, disponibilizando recursos para garantir o trabalho de campo. O outro elemento é disponibilizar recursos de fato, aumentando a verba do Incra para a realização de desapropriações, aquisições de terras e vistorias. E fazer uma sinalização política para a sociedade de que o governo estaria disposto à realização da Reforma Agrária, com o enfrentamento do latifúndio.

Qual o papel dos movimentos sociais nesse contexto?


Os movimentos têm de continuar cumprindo seu papel organizador, mobilizador e de pressão. Devem continuar organizando os trabalhadores sem-terra pelo país. E pressionar os governos para que cumpram sua responsabilidade, punindo o latifúndio improdutivo e realizando a Reforma Agrária.

E os desafios para o ano que vem?


É a necessidade de articulação e unidade dos movimentos sociais do campo, que foi iniciada neste ano com o encontro unitário [organizado em agosto pelos movimentos sociais, sindicatos e organizações de indígenas, quilombolas e ribeirinhos]. Temos que continuar trabalhando para garantir a unidade das lutas e pautas de todos movimentos sociais do campo, para que isso garanta uma maior pressão sobre o governo federal.  Os movimentos devem continuar organizando as áreas de assentamento, tanto nos quesitos culturais, de educação, da formação técnica e política dos assentados, para que produzam alimentos de qualidade, livre de agrotóxicos, para a população do campo e da cidade.

E na parte de apontar as contradições do agronegócio?


Outro desafio importante é denunciar para a sociedade o uso dos agrotóxicos, que é um grande vilão do agronegócio. A sociedade está ganhando uma consciência do mal que o agronegócio faz, com sérias consequências para as pessoas, o meio ambiente, para o conjunto da sociedade com o alto uso de venenos no campo. Temos que ganhar a simpatia da sociedade para a realização da Reforma Agrária, porque ela não vai se concretizar apenas com a pressão dos movimentos do campo. Se o conjunto da sociedade brasileira não pautar, reivindicar e cobrar de fato a Reforma Agrária, não conseguiremos realizá-la.

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